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Mostra de SP: “Onde os Fracos Não Têm Vez”

“Onde os Fracos Não Têm Vez”, Joel e Ethan Coen – Cotação 5/5
Os geniais irmãos Coen retornam ao universo da criminalidade (que rendeu a obra-prima “Fargo”, de 1996) neste que é o melhor filme da dupla desde “O Homem Que Não Estava Lá”, de 2001. Adaptado do livro “Onde os Velhos Não Tem Vez”, de Corman McCarthy, “Onde os Fracos Não Têm Vez” traz todos os elementos de um bom filme dos Coen: é denso, violento, mas com ótimas passagens de humor em meio a tempestade de drama. Se passa no oeste norte-americano, perto da fronteira com o México, mas não é um western. É mais um retrato desiludido da sociedade moderna travestido de filme de ação. Apesar do xerife, apesar da caçada de gato e rato, apesar das manchas de sangue no tapete.

Um ex-combatente do Vietnã encontra um cenário surpreendente no meio do deserto: várias camionetes paradas e chumbadas de balas de diversos calibres, corpos por todos os lados, e um carregamento de cocaína abandonado. Apenas uma pessoa viva (por poucas horas) que só sabe pedir água… em mexicano. Poucos metros dali, um morto com uma maleta com 2 milhões de dólares. Ele leva a maleta, mas sabe que o dono virá atrás. O dono não vem, mas manda alguém: Anton Chigurh (em uma atuação que tem que render uma indicação ao Oscar para Javier Bardem; nota atualizada do editor: rendeu a indicação e vai lhe render o Oscar) é um assassino psicótico sem senso de humor, sem piedade, sem o mínimo de dúvida sobre sua missão: matar. Quando surge em cena, Chigurh faz o espectador tremer.

Começa, então, uma perseguição que deixará um rastro de corpos para trás enquanto disserta sobre a loucura que virou a vida no mundo moderno. Um xerife, em certo momento, comenta com outro: “Eu nunca achei que fosse estar vivo para ver meninos com cabelos azuis e argolas no nariz”. O outro (interpretado por Tommy Lee Jones), mais experiente, apenas meneia a cabeça. Mais tarde irá comentar com seu ajudante enquanto lê o jornal de manhã: “Dois homens alugavam quartos para velhos. Eles matavam os velhinhos e enterravam no próprio quintal. Antes, torturavam. Os vizinhos só foram perceber algo diferente qual um velhinho conseguiu fugir com uma coleira de cachorro para a rua. Só por isso. Matar e enterrar no quintal não chamava a atenção”. O ajudante ri da história (e leva todo o cinema a fazer o mesmo), mas pede desculpas em seguida. O xerife completa: “Tudo bem, eu também dou as minhas risadas”. Que mundo é esse que vivemos mesmo, caro leitor?

Essa terra de ninguém filmada pelos irmãos Coen ganha proporções assustadoras em uma cena capital de “Onde os Fracos Não Têm Vez”: no balcão de um posto de gasolina, nosso matador frio, inconseqüente e sem o mínimo de pudores quanto a apertar o gatilho de uma espingarda calibre doze com silenciador (ou de sua “companheira” pouco usual) pergunta ao velho dono do estabelecimento qual o total de sua conta. O velho faz um gracejo, mas não se faz um gracejo com Chigurh. Porém, como ele iria saber?

Como podemos saber se a pessoa que se senta ao nosso lado no ônibus é um assassino, a nossa metade ou sei lá o que? Como podemos saber se o cara que nos ameaçou no trânsito após uma barbeiragem ou aquele que encanou que você cantou a namorada dele tem uma pistola 9 milímetros em seu porta-luvas? Como saber o limite da loucura humana quando jovens atacam em bando e matam uma pessoa por não terem conseguido um desconto de 20 centavos? Não temos como saber. E isso é tremendamente assustador, vamos combinar.

“Onde os Fracos Não Têm Vez” recoloca os irmãos Coen na linha após uma série de filmes medianos que estavam maculando uma carreira prodigiosa. De mensagem pessimista, este ensaio sobre a criminalidade, violência gratuita e a natureza humana ilumina – com uma lanterna – uma pequena centelha da vastidão do universo, e não podemos esperar mais do que isso de uma obra cinematográfica. Poucos conseguem fazer rir enquanto destroços do mundo caem sobre nossos ombros. Poucos conseguem contar uma história tão bem contada e tão cheia de detalhes. Os irmãos Coen jogam pás de cal sobre a fé do público no mundo moderno num filme em que o desamassar do papel laminado de um bombom causa calafrios. Sensacional.

novembro 3, 2007   No Comments

Mostra de SP: “Grindhouse” e “Paranoid Park”

“À Prova de Morte”, Quentin Tarantino – Cotação 4,5/5
“Planeta Terror”, Robert Rodriguez – Cotação 4/5
Apresentar a dobradinha “Grindhouse” em seqüência foi uma das melhores coisas que a Mostra de São Paulo apresentou neste ano. Tarantino e Rodriguez sujam as mãos com ketchup enquanto divertem o espectador com dois filmes b de altíssima qualidade num exercício de estilo que faz rir enquanto assusta. “Planeta Terror” é trash elevado à décima potência. Já “À Prova de Morte” é Quentin Tarantino dos bons, com diálogos longos e certeiros sobre um roteiro preguiçoso que brinca de enganar o espectador enquanto faz dezenas de citações de cultura pop.

“Planeta Terror” é divertidíssimo. Robert Rodriguez faz uma paródia de filmes de terror contando a história de uma cidade que é tomada por zumbis canibais que foram infectados por um gás tóxico que o exército dos Estados Unidos utilizou indiscriminadamente em sua invasão no Oriente Médio. Nada pode ser levado a sério aqui, e a intenção não é mesmo essa. O intuito de Rodriguez é fazer cinema pipoca e reviver uma época de sua infância perdida na memória.

Temos uma dançarina go-go que perde a perna (devorada por um zumbi), e no meio da onda de terror precisa correr, mas como? Simples: com uma perna de cadeira no lugar em que deveria estar uma perna mecânica (a cena de sexo entre ela – com a perna de pau – e o “namorado” é impagável). Mais pra frente teremos, no lugar da perna de pau, uma metralhadora. Na melhor tirada do filme, um dos personagens descobre que o ingrediente que deu o toque final mágico ao seu molho barbecue foi… seu próprio sangue: “Sangue é salgado”.

“À Prova de Morte” não carrega na caricatura como “Planeta Terror”, mas é tão divertido quanto, embora demore um pouco a engatar. São duas histórias distintas que se cruzam (se você ainda não viu o trailer, não veja: ele estraga metade da surpresa ao relatar o final da história final) no volante de Stuntman Mike (Kurt Russel, excelente), um dublê que pilota um carro à prova de morte. Stuntman Mike participa ativamente das duas histórias, mas não espere o óbvio. Tarantino prega uma pequena peça no espectador ao som de sua própria Jukebox.

Na primeira história, três garotas partem para um bar onde enchem a cara enquanto falam mil e uma bobagens (que trazem centenas de referências). Na hora de ir embora, as três acabam cruzando Stuntman Mike em uma estrada escura e… bummmm. Corte. Quatro garotas são vistas em um posto de gasolina. Uma delas está aficionada por um Dodge Challenge 1970 que viu numa propaganda de um jornal, e que é igual ao carro de Kowalski, o personagem do cult “Vanishing Point”. “Que filme é esse?”, pergunta uma das meninas. “Você era muito nova para ter visto”, comenta uma enquanto outra emenda: “Você só conhece John Hughes e “Pretty in Pink””. Como qualquer bom Tarantino, “À Prova de Morte” é recheado de citações assim, e muito de seu desfrute vai de se entender as piadas internas.

“À Prova de Morte” é um exercício de estilo que funciona para o bem e cujo único intuito é divertir o espectador sentado na sala de cinema, sem cabecismos ou segundas intenções cinematográficas. É quase um filme sobre nada, muito embora as duas histórias possam render análises pseudo-filosóficas. Ali pelo meio, depois de vinte minutos de diálogos que vão de lugar nenhum para nenhum lugar, o filme dá uma bela caída, e quando você pensa que Tarantino perdeu a mão para o negócio todo, ele leva você para um racha emocionante que terminará de uma maneira improvável. A trilha foi escolhida a dedo pelo cineasta, que assume a posição de barman dono do boteco fim de mundo em que as meninas da primeira história enchem a cara enquanto gastam fichas e fichas na jukebox. Aliás, ele também está em “Planeta Terror”, em uma cena divertidíssima que junta sua sede de sexo, seus olhos famintos e a perna de madeira da senhorita lá do primeiro parágrafo. Impagável. Cinema também é diversão, entende.

“Paranoid Park”, Gus Van Sant – Cotação 1/5
Exercício de estilo pode ser algo muito interessante. Quando você muito a mesma coisa é inevitável que traços iguais apareçam em todas elas. É meio estranho quando reclamam que Woody Allen está se repetindo quando, na verdade, ele está filmando a Woddy Allen, exercitando seu próprio estilo. Porém, exercício comumente é usado para mascarar uma idéia que era para ser algo grandioso, mas que acabou não funcionando. O certo seria parar tudo, reescrever, mexer em detalhes e se isso não adiantasse desistir do projeto. Mas há muita grana em jogo quando se está fazendo um filme. Então entra o exercício de estilo para “encher lingüiça”. “Paranoid Park”, de Gus Van Sant, é mais ou menos isso.

Há uma história, interessante até, em “Paranoid Park”. Um vigia de uma linha de trens aparece morto e os freqüentadores de um parque de skatistas são convocados para averiguações. A chance da polícia chegar no culpado é praticamente inexistente, então o caso policial é deixado de lado para entrarmos no drama pessoal do jovem Alex, filho de pais recém-separados e já marcado por esse fato: não quer transar com a namorada, de quem não gosta tanto assim, porque não quer se envolver e acabar como seus pais. “Paranoid Park” aprofunda a análise psicológica como se fosse um “Crime e Castigo” moderno, mas perde força pelas longas tomadas em 8mm de skatistas e pelo exagero na sustentação de algumas cenas de mensagem óbvia.

Krystof Kieslowiski, nos extras de seu filme “A Liberdade é Azul”, explica uma cena em que um cubo de açúcar é molhado no café, e tomado pelo líquido. A idéia da cena era demonstrar para o espectador o quanto à personagem (Juliette Binoche) estava mais interessada no cubo de açúcar tomado pelo café do que na declaração de amor do homem a sua frente. E o diretor conta que sustenta o foco no cubo de açúcar por cinco segundos, e que a equipe precisou encontrar um cubo de açúcar que demorasse cinco segundos para ser tomado pelo café, pois o espectador não precisava mais do que isso para entender a cena, e mais tempo seria uma agressão. Em vários momentos de “Paranoid Park” Gus Van Sant agride o espectador.

Quando não sustenta a cena em excesso, Gus Van Sant usa a trilha sonora para dar ao espectador a resposta que ele precisa para não se perder na trama óbvia de “Paranoid Park”. Exemplo desse expediente é o trecho que marca o rompimento de Alex com a namorada. Sai o áudio dos atores, entra uma canção de amor, e pelo semblante da namorada percebemos que o inevitável aconteceu. Há certa beleza na cena, que se não se passasse em câmera lenta talvez tivesse um resultado melhor, mas bastaria para tirar o filme do buraco de tédio em que ele se encontra desde seus primeiros segundos até o seu final arrastado. Na falta de um bom filme, Gus Van Sant exercita seu estilo com “Paranoid Park”. Porém, poucos diretores no mundo fazem o filme do nada, apenas com seu estilo, e conseguem um resultado arrebatador. Van Sant não é um deles.

novembro 3, 2007   No Comments

Mostra de SP: Godard, Ang Lee, Ian Curtis e Kurt Cobain

“One + One”, Jean-Luc Godard – Cotação 4/5
“Sympathy for the Devil”, Jean-Luc Godard – Cotação 3/5
“One + One” é cria de Godard; “Sympathy for the Devil” é a montagem que os produtores fizeram insatisfeitos com o material original do cineasta, à sua revelia. A rigor, é o mesmíssimo filme com a diferença que o primeiro traz a visão de Godard sobre a obra fechada e o segundo é a visão dos produtores que, claramente, não entendiam muito tudo o que o cineasta estava filmando e dizendo. Desta forma, alteraram a seqüência de esquetes (e anularam o crescendo que o roteiro de “One + One” explora de forma convincente), alongaram uma ou outra cena (o que não acrescenta nada) e colocaram mais Rolling Stones (o que acaba enchendo mais o saco, afinal até um mesmo um clássico como “Sympathy for the Devil” enche a paciência sendo ouvido a exaustão). Dentre as duas versões, a de Godard é claramente melhor, o que não quer dizer muita coisa: ambos os filmes trazem o mesmo conteúdo panfletário que faz muita falta nos dias de hoje, mas são para pouquíssimos ouvidos, olhos e coração.

Godard faz um elogio ao comunismo enquanto dispara frases certeiras contra os Estados Unidos, dá espaço para que os Panteras Negras dissertem seus ideais em passagens antológicas, lê e relê os conceitos de Mao e, na melhor passagem do filme, entrevista uma dama chamada Eve Democracy que defende a desculturalização. Para ela, “para se ser um intelectual revolucionário, é preciso deixar de ser intelectual”. A participação dos Stones é apenas para aficionados. Godard filma a banda gravando “Sympathy for the Devil”, mostra que Bill Wyman era um enfeite (a melhor linha de baixo do filme é feita por Keith Richards), que Brian Jones já estava em outra dimensão e que Mick Jagger centraliza as atenções. Mas é só a banda gravando. Em “One + One” as cenas são vistas em uma ordem coerente, que exibe o crescimento do arranjo, mas mesmo assim são dispensáveis. Os Stones, em 1968, eram um gancho para Godard discursar para a juventude. Visto hoje em dia, tanto “One + One” quanto “Sympathy for the Devil” são obras de museu, retratos de um tempo que se foi. Melhor do que chorar sobre as cinzas do baseado fumado é acordar e entender o mundo como é hoje. Há muito que fazer. Godard fez a parte dele…

“Lust, Caution”, Ang Lee – Cotação 4/5
O primeiro filme de Ang Lee pós-sucesso de “Brokeback Mountain” se passa na Xangai dos anos 40, é falado em chinês, mas trata do mesmo tema: o amor proibido. Se em “Brokeback Mountain” o diretor chocava ao retratar de forma tocante uma história sobre “o amor que não ousa dizer o nome”, em “Lust, Caution” o romance choca por carregar nas tintas do sexo explícito, mas também conta uma belíssima história de um amor impossível. As cenas de sexo são fortes, mas o melhor é se concentrar no drama da jovem revolucionária Wang Chiah-Chih que se apaixona pelo homem que devia matar. Em um país tão apolítico – e carnal – quanto o Brasil talvez este novo drama de Ang Lee não bata tanto quanto “Brokeback Mountain”, mas não se engane: é arte da mesma estirpe.

“Control”, Anton Corbijn – Cotação 3,5/5
Em sua estréia em longas, o badalado fotógrafo fez um belo filme sobre a história de Ian Curtis, vocalista e letrista do Joy Division, que se suicidou em 1980. O ator Sam Riley convence no papel principal, as partes em que a banda está em cena (que são poucas) são excelentes e as imagens de Manchester são belíssimas. Baseado no livro escrito pela mulher de Ian, Deborah, o filme só peca em valorizar as dúvidas amorosas do vocalista enquanto não aprofunda seus dramas e fantasmas pessoais. Como uma fotografia, “Control” exibe uma belíssima imagem, mas carece de alma. Isso não desmerece de forma alguma o filme, mas é uma maneira copo meio vazio entender que Ian se matou por não conseguir lidar com suas mulheres (e ai se inclui a filha Natalie). Ou queremos esperar de nosso herói algo mais do que ele talvez tenha sido.

“About a Son”, AJ Schnack – Cotação 1/5
Kurt Cobain merecia muito mais do que este falso documentário travestido de imagens de luxo de um karaokê sobre Seattle e Aberdeen. “About a Son” apresenta cerca de uma hora e meia de áudio de entrevistas feitas pelo jornalista Michael Azerrad que não trazem nada de novo nem explicam ou conseguem aprofundar a dimensão do mito. Ao contrário, “About a Son” é constrangedor. Algo está errado quando a melhor parte de um filme sobre um gênio do rock surge quando ele explica sua paixão por tartarugas. Kurt está certo: jornalistas são uns bastardos filhos da puta. Só isso explica como um cara usa um material tão bacana de áudio de uma forma tão tosca e canhestra. De péssimo gosto.

novembro 3, 2007   No Comments