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Mostra de SP: “Grindhouse” e “Paranoid Park”

“À Prova de Morte”, Quentin Tarantino – Cotação 4,5/5
“Planeta Terror”, Robert Rodriguez – Cotação 4/5
Apresentar a dobradinha “Grindhouse” em seqüência foi uma das melhores coisas que a Mostra de São Paulo apresentou neste ano. Tarantino e Rodriguez sujam as mãos com ketchup enquanto divertem o espectador com dois filmes b de altíssima qualidade num exercício de estilo que faz rir enquanto assusta. “Planeta Terror” é trash elevado à décima potência. Já “À Prova de Morte” é Quentin Tarantino dos bons, com diálogos longos e certeiros sobre um roteiro preguiçoso que brinca de enganar o espectador enquanto faz dezenas de citações de cultura pop.

“Planeta Terror” é divertidíssimo. Robert Rodriguez faz uma paródia de filmes de terror contando a história de uma cidade que é tomada por zumbis canibais que foram infectados por um gás tóxico que o exército dos Estados Unidos utilizou indiscriminadamente em sua invasão no Oriente Médio. Nada pode ser levado a sério aqui, e a intenção não é mesmo essa. O intuito de Rodriguez é fazer cinema pipoca e reviver uma época de sua infância perdida na memória.

Temos uma dançarina go-go que perde a perna (devorada por um zumbi), e no meio da onda de terror precisa correr, mas como? Simples: com uma perna de cadeira no lugar em que deveria estar uma perna mecânica (a cena de sexo entre ela – com a perna de pau – e o “namorado” é impagável). Mais pra frente teremos, no lugar da perna de pau, uma metralhadora. Na melhor tirada do filme, um dos personagens descobre que o ingrediente que deu o toque final mágico ao seu molho barbecue foi… seu próprio sangue: “Sangue é salgado”.

“À Prova de Morte” não carrega na caricatura como “Planeta Terror”, mas é tão divertido quanto, embora demore um pouco a engatar. São duas histórias distintas que se cruzam (se você ainda não viu o trailer, não veja: ele estraga metade da surpresa ao relatar o final da história final) no volante de Stuntman Mike (Kurt Russel, excelente), um dublê que pilota um carro à prova de morte. Stuntman Mike participa ativamente das duas histórias, mas não espere o óbvio. Tarantino prega uma pequena peça no espectador ao som de sua própria Jukebox.

Na primeira história, três garotas partem para um bar onde enchem a cara enquanto falam mil e uma bobagens (que trazem centenas de referências). Na hora de ir embora, as três acabam cruzando Stuntman Mike em uma estrada escura e… bummmm. Corte. Quatro garotas são vistas em um posto de gasolina. Uma delas está aficionada por um Dodge Challenge 1970 que viu numa propaganda de um jornal, e que é igual ao carro de Kowalski, o personagem do cult “Vanishing Point”. “Que filme é esse?”, pergunta uma das meninas. “Você era muito nova para ter visto”, comenta uma enquanto outra emenda: “Você só conhece John Hughes e “Pretty in Pink””. Como qualquer bom Tarantino, “À Prova de Morte” é recheado de citações assim, e muito de seu desfrute vai de se entender as piadas internas.

“À Prova de Morte” é um exercício de estilo que funciona para o bem e cujo único intuito é divertir o espectador sentado na sala de cinema, sem cabecismos ou segundas intenções cinematográficas. É quase um filme sobre nada, muito embora as duas histórias possam render análises pseudo-filosóficas. Ali pelo meio, depois de vinte minutos de diálogos que vão de lugar nenhum para nenhum lugar, o filme dá uma bela caída, e quando você pensa que Tarantino perdeu a mão para o negócio todo, ele leva você para um racha emocionante que terminará de uma maneira improvável. A trilha foi escolhida a dedo pelo cineasta, que assume a posição de barman dono do boteco fim de mundo em que as meninas da primeira história enchem a cara enquanto gastam fichas e fichas na jukebox. Aliás, ele também está em “Planeta Terror”, em uma cena divertidíssima que junta sua sede de sexo, seus olhos famintos e a perna de madeira da senhorita lá do primeiro parágrafo. Impagável. Cinema também é diversão, entende.

“Paranoid Park”, Gus Van Sant – Cotação 1/5
Exercício de estilo pode ser algo muito interessante. Quando você muito a mesma coisa é inevitável que traços iguais apareçam em todas elas. É meio estranho quando reclamam que Woody Allen está se repetindo quando, na verdade, ele está filmando a Woddy Allen, exercitando seu próprio estilo. Porém, exercício comumente é usado para mascarar uma idéia que era para ser algo grandioso, mas que acabou não funcionando. O certo seria parar tudo, reescrever, mexer em detalhes e se isso não adiantasse desistir do projeto. Mas há muita grana em jogo quando se está fazendo um filme. Então entra o exercício de estilo para “encher lingüiça”. “Paranoid Park”, de Gus Van Sant, é mais ou menos isso.

Há uma história, interessante até, em “Paranoid Park”. Um vigia de uma linha de trens aparece morto e os freqüentadores de um parque de skatistas são convocados para averiguações. A chance da polícia chegar no culpado é praticamente inexistente, então o caso policial é deixado de lado para entrarmos no drama pessoal do jovem Alex, filho de pais recém-separados e já marcado por esse fato: não quer transar com a namorada, de quem não gosta tanto assim, porque não quer se envolver e acabar como seus pais. “Paranoid Park” aprofunda a análise psicológica como se fosse um “Crime e Castigo” moderno, mas perde força pelas longas tomadas em 8mm de skatistas e pelo exagero na sustentação de algumas cenas de mensagem óbvia.

Krystof Kieslowiski, nos extras de seu filme “A Liberdade é Azul”, explica uma cena em que um cubo de açúcar é molhado no café, e tomado pelo líquido. A idéia da cena era demonstrar para o espectador o quanto à personagem (Juliette Binoche) estava mais interessada no cubo de açúcar tomado pelo café do que na declaração de amor do homem a sua frente. E o diretor conta que sustenta o foco no cubo de açúcar por cinco segundos, e que a equipe precisou encontrar um cubo de açúcar que demorasse cinco segundos para ser tomado pelo café, pois o espectador não precisava mais do que isso para entender a cena, e mais tempo seria uma agressão. Em vários momentos de “Paranoid Park” Gus Van Sant agride o espectador.

Quando não sustenta a cena em excesso, Gus Van Sant usa a trilha sonora para dar ao espectador a resposta que ele precisa para não se perder na trama óbvia de “Paranoid Park”. Exemplo desse expediente é o trecho que marca o rompimento de Alex com a namorada. Sai o áudio dos atores, entra uma canção de amor, e pelo semblante da namorada percebemos que o inevitável aconteceu. Há certa beleza na cena, que se não se passasse em câmera lenta talvez tivesse um resultado melhor, mas bastaria para tirar o filme do buraco de tédio em que ele se encontra desde seus primeiros segundos até o seu final arrastado. Na falta de um bom filme, Gus Van Sant exercita seu estilo com “Paranoid Park”. Porém, poucos diretores no mundo fazem o filme do nada, apenas com seu estilo, e conseguem um resultado arrebatador. Van Sant não é um deles.

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