Random header image... Refresh for more!

Category — Política

Arnaldo Antunes: Isto Não é Um Poema

outubro 18, 2018   No Comments

Fique ao lado dos oprimidos, sempre!

“Lavar as mãos no conflito entre poderosos e despossuídos não significa ser neutro, mas colocar-se ao lado dos poderosos.”

Essas palavras de Paulo Freire ficavam penduradas atrás da porta de entrada da Positive Force House. Durante mais de uma década, cada visitante da nossa “comuna punk” era confrontado por esse pôster ao entrar – e aqueles que moravam na casa viram essa frase tantas vezes que o seu significado deve ter sido absorvido por nossa corrente sanguínea. Na minha opinião, ela é talvez a melhor expressão daquilo que a “política punk” deveria ser: ficar ao lado dos oprimidos, para que juntos possamos encontrar o poder. Afinal, a palavra “punk” sempre referiu-se ao oprimido, ao excluído, às pessoas descartáveis, àqueles que foram esquecidos. Aqueles que assumem esse rótulo devem definitivamente tomar partido dessas pessoas, na sua própria comunidade, em qualquer lugar do mundo. Isso também demonstra que ideias como o punk são globais em sua relevância. Assim, estou muito feliz de saber que a história da cena punk de DC significa bastante para tantas pessoas não apenas no Brasil, mas na América Latina como um todo. Claro, eu sei que o Brasil tem a sua própria história no punk, iniciada nos anos 1970, e que diversas vezes incluiu as ideias do straight edge, do riot grrrl, do “faça você mesmo” e ações políticas que também foram absolutamente centrais na comunidade de DC. Ao descrever as palavras de Paulo Freire como palavras “punk”, estou fazendo uma dupla reivindicação. Primeiro, que o punk aprende com todas as outras formas de resistência, absorvendo essas ideias e criando as suas próprias, expressando-as de modo único… e devemos muito a esses precursores. Em segundo lugar, que o espírito e a atitude que poderíamos chamar de “punk” não é uma propriedade exclusiva dos amantes do rock, com piercings, tatuagens ou quaisquer outras características estereotipadas do movimento. Não, “punk” é apenas mais um rótulo para a criatividade, a indignação e a compaixão que têm alimentado cada componente do progresso humano desde tempos imemoriais. Dessa forma, temos que buscar aliados em lugares inesperados, estabelecendo conexões com comunidades diferentes para construirmos um movimento que tenha a força para mudar de fato o nosso mundo, ou seja, para fazer a revolução. Isso significa que, ao mesmo tempo em que pago tributo para tudo aquilo que as bandas brasileiras e a comunidade punk latino-americana já conquistaram (e conquistaram muito), outras vozes punks também me inspiraram – e continuam me inspirando. “Quando dou comida aos pobres, chamam-me de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista.” Essas palavras saíram da boca de um bispo brasileiro – Dom Hélder Câmara –, mas como elas poderiam ser mais punk? Ou então a ação direta de movimentos como o MST, lutando no mais puro esquema “faça você mesmo” por necessidades vitais, por direitos humanos? Ou mesmo Leonardo Boff, desafiando toda a estrutura da hierarquia católica para viver de acordo com a sua própria prática revolucionária encontrada no livro Igreja: carisma e poder? Aqueles que estão protestando contra a corrupção ou contra a brutalidade policial não são também “punks” no melhor sentido da palavra? Não deveríamos desafiar um “partido dos trabalhadores” a ficar do lado dos trabalhadores, e não ser governado pelo deus-dinheiro? Ou lutar para ver os assassinos uniformizados de Eduardo de Jesus (e tantos outros como ele) enfrentarem a justiça? Se pararmos para analisar, vamos descobrir que o punk está em todos os lugares, muitas vezes nos mais inesperados, fazendo aliados incomuns – mas essenciais. Isso ainda sugere que a energia e o idealismo que alimentam nossos movimentos do underground também precisam ser deslocados das margens para o centro, para construir um mundo que tenha lugar para todos, no qual todas as pessoas sejam importantes e ninguém seja esquecido. Nós começamos no underground, fazendo tudo o que podemos com aquilo que temos, onde quer que estejamos… mas não paramos por aqui. Esta é uma missão de vida, e o poder do punk é eternamente relevante em todos os momentos, em todos os lugares. Eu já disse antes que o “agora” é sempre mais importante do que o “passado”. Se for assim, eu espero que essa história de garotos-tornando-se-adultos enquanto tentam se manter fiéis aos seus princípios seja o combustível para todos vocês em suas próprias jornadas, em suas próprias aventuras. Que este livro (e todas as diversas esperanças e sonhos que ele contém) seja uma inspiração para você ir além, da sua própria maneira, para fazer aquilo que ainda não foi feito, transformando “o que é” em “o que pode ser”. De todo modo, obrigado por reservar um tempo para ler essas palavras sobre a saga punk de DC – não existem palavras mais importantes nesse mundo para mim. Essa história contém o melhor de muitas vidas, e agora é parte da sua também, se você quiser.

“So I say to the youth right now/don’t sway to the unjust/no matter what they say/ never give in/never give in!” (“Então eu digo para os jovens agora/Não vacile perante os injustos/Não importa o que eles dizem/Nunca desista/Nunca desista!”) – Bad Brains, 1980

Com amor, Mark Andersen. 23 de maio de 2015.

Introdução à edição brasileira de “Dance of Days: duas décadas de punk na capital dos EUA”, de Mark Andersen e Mark Jennis. Leia resenha aqui

outubro 2, 2018   No Comments

Minhas coordenadas políticas…

Obama tá pertinho de mim e o Bush na ponta inversa… faça o teste aqui

fevereiro 3, 2017   No Comments

Um House of Cards chamado Brasil

Vivemos um momento House of Cards excelente para reflexões, afinal, Francis J. Under… ops, Eduardo Cunha decidiu romper com o governo após a presidente Dilma não intervir na citação de seu nome no escândalo da Petrobras. Dilma vem se segurando como pode, atacada pela oposição e sem apoio de seu partido, uma situação que começou ainda em seu primeiro governo, quando escreveu (ela mesma, sob o olhar de dois conselheiros e um advogado) uma nota que alertava que a compra da refinaria de Pasadena havia se baseado em “documentação falha” e “informações incompletas”.

A história é esmiuçada numa grande reportagem feita por Daniela Pinheiro e publicada na revista Piauí semanas antes da eleição do ano passado (leia aqui), e que também trazia um perfil do candidato de oposição, Aécio Neves. Daniela escreve que a carta de Dilma “caiu como uma bomba de nêutron. Baseada nela, a oposição pediu a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a fim de apurar as denúncias”. E, então, algo raro aconteceu no Brasil: a corda arrebentou no lado mais forte, e presidentes de empreiteiras foram presos, além de diversos políticos.

A corrupção e o desvio de verbas acompanha a história brasileira. Em 9 de novembro de 1889, seis dias antes de proclamada a República, aconteceu o Baile da Ilha Fiscal, a última grande festa da monarquia no país. O visconde de Ouro Preto, presidente do conselho de ministros, visando reforçar a posição do Império contra as conspirações republicanas, gastou 250 contos de réis, dinheiro retirado do ministério da Viação e Obras Públicas, e que estaria destinado a socorrer flagelados da seca no Ceará. Este valor correspondia a quase 10% do orçamento previsto para a Província do Rio no ano seguinte.

De lá pra cá, nada mudou. Desvios de verbas e corrupção se transformaram em praxes partidárias, com muitos políticos (de todos os partidos) amparados em alianças visando beneficio próprio. Enganam-se, em parte, aqueles que acreditam que a corrupção seja culpa apenas do PT. Não é bem assim. Ela é culpa do PT, mas também do PSDB, do PMDB, do PP e a lista segue, aparentemente infinita, englobando praticamente todos os partidos. O que Dilma tem a ver com isso? Muita coisa. Ao se negar encobrir atos corruptos de outros políticos, a presidente se isolou tanto da câmara quanto do senado, à espera (parece) do povo.

O povo brasileiro, no entanto, parece viver um estado hipnótico. Veículos de mídia “apontam” Dilma como provável culpada do “caos” (uma meia verdade), e dá-lhe pessoas vestidas de camisa da CBF (um órgão investigado) nas ruas. Enquanto isso, 19 dos 21 deputados investigados na Operação Lava Jato não foram eleitos com votos próprios (17 deles se beneficiaram de votos excedentes vindos de colegas de legenda como Jair Bolsonaro, do PP-RJ). O sistema eleitoral falho, mas ninguém sai às ruas por reforma política, ninguém sai às ruas contra a libertação dos empresários e políticos corruptos que foram presos. Todos seguem o flautista de Hamelim, enfeitiçados.

A corrupção é um mal que atinge a todos os partidos. Se um tem o mensalão, outro tem o trensalão. Se Lula é acusado de tráfico de influência, FHC é acusado de comprar votos para no mensalão da reeleição (e manter durante os oito anos de seu mandato um procurador geral que engavetou mais de 600 processos criminais contra funcionários do governo). Se um tem o Petrolão (que, conforme anda a carruagem, recebe membros de diversos outros partidos), outro tem a Privataria. A sujeira está em todos os cantos, e, nessa hora, a torcida é para que o país sai mais forte de todos esses escândalos.

Sim, porque há duas maneiras de se encarar os atos de Dilma neste momento:

1) admira-la por deixar transparente uma rede de corrupção

2) odiá-la por não ter agido como os antecessores e “jogado o jogo”.

São duas opções bem distintas. A primeira, relembrando a ameaça de um empreiteiro pré-eleição de 2014, pode “parar o país”. Afinal, há tanta gente envolvida na política brasileira que tem as mãos sujas que, o mais correto, era prender todo mundo e começar tudo do zero. Se não corremos o risco de um político envolvido em um escândalo de corrupção ser indicado como um dos relatores de uma CPI (acabou de acontecer na CPI do Futebol).

A segunda opção tem mais a ver com caráter: “rouba, mas faz” é um argumento válido? Se é impossível politicar no Brasil sem se envolver com corrupção, usa-se a máquina estragada para melhorar o país? E como separar quem está “roubando para o bem do povo” daqueles que “roubam para o próprio bem”? Minha conclusão é uma só: a corrupção tem que ser erradicada, os corruptos tem que ser presos e o país tem buscar legitimidade. É possível? Talvez não, o que não nos impede de desejar.

Alguns dizem que este segundo mandato de Dilma é ineficiente, que a inflação está aumentando, que a cotação do dólar está fora de controle, que o número de miseráveis no país voltou a aumentar pela primeira vez em 10 anos, e por ai vai. A questão que fica é: como governar sem apoio da câmara e do senado? Sem apoio de boa parte do próprio partido? Sim, Dilma semeou isso, e fica ao seu critério, caro leitor, decidir se o ato de cultivar inimigos é bom ou não para o futuro do Brasil. A Operação Lava Jato segue. Enquanto isso, incêndios queimam arquivos sobre o trensalão. É preciso ficar de olho.

Na minha humilde opinião, tirando 1499, o ano antes da chegada de Pedro Álvares Cabral e sua turma nesta terra que ainda não tinha nome, 2014 (pelos 7 a 1) e 2015 (pelo avanço na Operação Lava Jato) são, muito provavelmente, os dois melhores anos que esta nação chamada Brasil já presenciou. Se nossos descendentes vão se orgulhar disso daqui a 500 anos é outra história. Nos resta apenas tentar fazer o que achamos certo. E torcer para que ninguém manipule a votação quando estivermos dormindo. É difícil, mas é o que nos resta (ir para a rua é válido, mas precisamos, cada vez mais, mostrar para câmara e senado que estamos de olho neles).

Caso contrário continuarão tirando dinheiro da seca para fazer festas.

julho 17, 2015   No Comments

Individualidades em discussão

O Roda Viva especial Mídia Ninja e o depoimento da cineasta Beatriz Seigner colocaram o coletivo Fora do Eixo sob holofote, para o bem e para o mal. No meio de tanta informação surgida recentemente de ambos os lados (enormes relatos pró e contra que merecem serem lidos na integra – há links no final), surge a necessidade de fazer alguns questionamentos buscando entender não só o motivo de tanta discórdia, mas a própria natureza do viver em sociedade.

Partindo deste ponto, os relatos emocionados de participantes do Fora do Eixo não podem ser minimizados nem desvalorizados. Liberdade é escolher o modo que se quer viver, e neste quesito não há certo ou errado, mas sim diversas opções que vão agradar cada pessoa de forma diferente. É preciso respeitar as individualidades e escolhas de cada um, pois cada pessoa pode fazer da vida dela o que bem entender.

A maneira com que pessoas ligadas ao Fora do Eixo escolheram para viver tem que ser respeitada. É uma escolha, e em uma sociedade em que grande parte das pessoas vive em uma zona de conforto que diz mais sobre a incapacidade de alguns de se desprender daquilo que os oprime do que uma escolha consciente da melhor forma de viver, isso é admirável. Cada um tem o direito de fazer o que quiser desde que não interfira no direito do próximo.

A questão toma outro rumo exatamente quando observada como um todo, no exato momento em que interesses se chocam. Cada um pode viver da forma que quiser, mas obrigar outro a agir segundo seu modo de vida é, no mínimo, desrespeitoso. Se a economia solidária funciona dentro do coletivo, perfeito. Isso não quer dizer que pessoas de fora do coletivo precisem trabalhar da mesma forma, caso o coletivo se interesse pelo trabalho delas.

A grande discórdia em relação ao modus operandi do Fora do Eixo (e, principalmente a atuação controversa de seu líder, Pablo Capilé) é exatamente não entender e respeitar individualidades. Esse fato pode surgir de um processo nublado de realizar parcerias, algo que não deixa claro o formato de negócio para a pessoa que está pensando em trabalhar com o coletivo, e pode ser derivado tanto de uma má-gestão de projeto quanto de má-fé, que pode juridicamente ser encaixado no artigo Falsidade Ideológica.

O artigo 299 do Código Penal Brasileiro diz o seguinte e é bastante claro: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.”. Em seu depoimento, Beatriz Seigner afirma que o coletivo recebeu dinheiro em seu nome, sem informa-la previamente do fato. Se provado (não desconfiando da cineasta, mas o benefício da dúvida é necessário numa discussão como essa), pode mostrar que a maneira como o Fora do Eixo vem trabalhando não é transparente.

Essa decantada não transparência serve a que? Essa é uma das várias questões direcionadas ao coletivo, que, sim, precisa se manifestar, porque é um órgão não governamental que se utiliza de editais públicos para sobreviver, e independente se o valor final arrecadado é de 7% ou de 90% do montante que faz a roda do Fora do Eixo girar, é dinheiro de contribuinte, e assim como se cobra políticos, o Fora do Eixo tem um dever frente à sociedade.

É o caso de demonizar o Fora do Eixo? Não. O que está sendo feito é uma cobrança de posição do coletivo, transparência e o respeito à individualidade. Há pessoas que não querem viver como os membros do Fora do Eixo, e elas tem direito de fazer essa escolha. Há pessoas que não querem receber em moeda solidária, e é uma opção delas. Se o Fora do Eixo quiser organizar um festival sem pagar cachê, e alguém quiser tocar, é opção do músico, ainda que necessário, se o festival foi contemplado por edital, um acerto de contas da organização. Tocar de graça (mesmo com o coletivo recebendo financiamento público para isso) é um lado do mesmo jeito que se recusar a tocar de graça é outro, e ambos precisam ser respeitados.

O que está vindo à tona agora são fatos sabidos e discutidos aqui e ali (em mesas de bar e bastidores de festivais) desde 2008 (a discussão gerada pela Carta Aberta de João Parayba, publicada em 2010 no Scream & Yell, traz muitos pontos em comum com diversos depoimentos que estão pipocando aqui e ali), e a novidade é que o Fora do Eixo cresceu (não se pode negar a influência do coletivo nos importantes protestos de junho/julho tal qual o valor, ainda que partidário, da Mídia Ninja), e como adulto, precisa se ater a direitos e responsabilidades.

Isso apaga os possíveis erros do passado (recente) juvenil do coletivo? Não, e a Justiça está ai para quem quiser aciona-la. O que está sendo proposto aqui é que o Fora do Eixo haja, a partir de agora, com transparência e respeito à individualidade de cada um. O ponto de partida para isso é esclarecer todas as dúvidas que incomodam os detratores tanto quanto aprofundar os temas elogiosos que encantam os admiradores. Transparência (que nunca houve) acima de tudo.

Abaixo, alguns links importantes para se entender (e estender) a discussão, alguns bastante reflexivos, mas com itens importantes que pontuam essa longa discussão, que não é apenas sobre o coletivo, mas sobre o Brasil no século XXI, um país que passou muito tempo sucateado por administradores interessados em bens próprios, e que parece, agora, interessado no social. Questionar é preciso. Seja a respeito do Mensalão, do Trensalão, da importância da Mídia Ninja em contraponto a velha mídia (ambas partidários, defendendo interesses comuns de lados opostos), do Fora do Eixo, do Estado Laico, sobretudo do direito de cada pessoa ser… livre.

Leia também:
– Passa Palavra: A esquerda fora do eixo
– Beatriz Seigner: Fora do Fora do Eixo
– Rafael Vilela: Dentro do Fora do Eixo
– CMI: Coletivo-empresa: bote pra correr!

agosto 8, 2013   No Comments

Brasileiro o que? Brasileiro o caralho, o caralho

Desde antes de entrar no avião de volta ao Brasil que eu já sabia que a readaptação neste ano seria um tanto mais difícil do que no ano passado. Você vai uma vez, vê que tudo é diferente (muita coisa pra melhor), volta, readapta e continua tocando o barco. Repetir isso tudo não é tão fácil. Passei pelas mesmas coisas nesta viagem, visitei muitos lugares que já conhecia, mas reafirmar as idéias do outro ano bateu mais forte desta vez.

Passei a semana toda vagando a esmo até assistir na manhã de sexta à cabine de “Se Nada Mais Der Certo”, ótimo filme de José Eduardo Belmonte que abre com uma citação de Rousseau que eu tinha na minha mesa quando trabalhava na biblioteca de Direito em Taubaté: “Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém”.

O filme é uma bela porrada, que eu vou tentar dissecar melhor quando fizer uma resenha dele mais perto da estréia, mas toca em coisas que me assustam bastante, a principal versando sobre a derrota do homem para o sistema simbolizada no ato de perder tudo, mas aos poucos: o cara perde o emprego, fica sem dinheiro para pagar a conta de luz, e então cortam, e ele tenta uma maneira de se reerguer, e não consegue.

Acredito imensamente no poder da manhã seguinte. Nas minhas épocas áureas de crises violentas eu sempre me agarrava na idéia de que precisava sobreviver à madrugada, pois uma mágica da vida é que o dia morre toda noite para renascer toda manhã. Os problemas permanecem, mas quanto mais cedo você enfrentá-los, mais cedo surgirá uma maneira de resolvê-los. É uma rotina constante, a gente perde, mas também vence.

Lógico que esse é um pensamento voltado para o plano particular. O problema do Brasil é maior, e mais intenso. Como sorrir com tanta gente sofrendo jogada nas ruas, nos sinais, dormindo ao relento, sem o mínimo necessário para viver uma vida digna. Difícil. Como consertar? Sinceramente, não sei. As estatísticas dizem que o país está crescendo, e só o que vejo é mais miséria, mais pobreza e mais falta de oportunidades.

Quando falo em morar fora do país não estou de maneira alguma negando que estes outros países sejam também imperfeitos. Todo país tem problemas assim como todas as famílias. Alguns mais, outros menos, mas todos têm problemas. Os “pobremas” daqui, no entanto, me tomam cada vez mais e doem. Talvez eu vá, quem sabe, mas acredito que volto naquele velho navio e morra aqui na “favela onde eu nasci”.

Como escreveu Oswald de Andrade: “O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus”. Porém, inevitável, não podemos nos esquecer de nossas qualidades. É fácil reclamar, dizer que os outros são melhores nisso e naquilo sem levantar a nossa bola nas coisas que merecemos. Copo meio vazio, sabe. E foi isso que pensei ao assistir a mais um show do compositor Wado em São Paulo.

Não sei quantas vezes vi Wado ao vivo, e essa foi uma das apresentações que eu menos esperava algo. Ouvi o disco novo essa semana, aquela coisa meio “Ivete Sangalo” (hehe), como o próprio brincou comigo após o fim do show, e gostei, mas fui sem expectativas para vê-lo ao vivo. E o show, caro amigo, foi um dos melhores que assisti dele nos últimos anos. O tipo de coisa que me fez ter alegria de estar aqui, agora.

Wado fez um resumão da carreira tocando três canções de cada disco em ótimas versões roqueiras: “Uma Raiz, Uma Flor”, “Beijou Você” e “Ontem Eu Sambei” da estréia (2001); “A Gaiola do Som”, “Poço Sem Fundo” e “Tarja Preta” do “Cinema Auditivo” (2002), “Tormenta”, “Vai Querer?” e “Alguma Coisa Mais Pra Frente” do clássico “A Farsa do Samba Nublado” (2004); “Pendurado”, “Teta” e “Reforma Agrária do Ar” do “Terceiro Mundo Festivo” (2008) além de uma inédita, “Não Pára”, que Maria Alcina gravou no excelente “Confete e Serpentina” (leia aqui).

Do disco novo, “Atlântico Negro” (2009), Wado só tocou a bonita “Pavão Macaco”, do verso instigante e emblemático: “Vem morar comigo neste apartamento, estamos um sobre os outros, temos satisfação”. Os cinco discos de Wado estão todos para download no site oficial do artista (http://www2.uol.com.br/wado/index2.html), música boa dada de graça, tão fácil, a um toque do mouse. Alimento para a alma.

Talvez não seja à toa, mas no momento em que estamos fazendo a melhor música do mundo passamos por uma dura crise de falta de espaços em veículos de massa que dêem ao público o melhor de nossas artes. Não sei se a qualidade dos discos está atrelada à dificuldade de mostrar a música para a grande massa, mas vivemos um momento especial em nossa música, e algo inverso acontece nos EUA e na Inglaterra, locais em que nada novo e instigante acontece já há alguns bons três anos.

U2, Morrissey, Bruce, Bob Dylan, Wilco e outras lendas lançaram discos no último ano pelo simples vício de lançar um disco. Não me entenda errado e deixe o fanatismo de lado: há coisas boas nesses cinco discos, mas todos estes nomes já fizeram coisas muito melhores em suas carreiras e estão apenas rolando a engrenagem. Bandas novas? Nada comove. Por outro lado, o sangue ferve com facilidade neste país verde e amarelo.

Alguém pode dizer que é pouco, mas para mim não. Eu respiro música. Ela é a minha ligação com o mundo. Ela me faz vivo. Eu quero mais, claro. Quero um país melhor. Quero que as diferenças entre ricos e pobres diminuam drasticamente. Quero que a pessoa jogada na rua levante, sacuda a poeira e dê a volta por cima. E sei que o mínimo que eu quero já é quase impossível, o que não quer dizer que vou deixar de querer, mas que aperta o peito, ah, aperta.

Quando eu tinha 14, 15 anos, um dos meus sonhos (além de ser piloto de Fórmula 1 e ou jornalista) era escrever uma série de livros nos moldes da coleção pocket da Brasiliense com pequenos tratados com dicas para consertar o país. O primeiro volume seria o “Como reestruturar o setor educacional”, que consistia basicamente em dar cultura ao povo, e não passá-lo de ano como pessoas sem dinheiro passam por debaixo da catraca. Não lembro os outros livros da série, mas isso permaneceu na minha memória.

É duro demais ser brasileiro, mas eu nunca saberia ser outra coisa, e nem quero. Lembro da raiva de Arnaldo Antunes cantando o trecho de letra que dá titulo a este post na versão ao vivo de “Lugar Nenhum” (do álbum “Go Back”) e entendo sua revolta, mas ela nunca me desceu bem. Nunca. Tenho vontade de encher um barco com uns 500, 900 brasileiros que fazem o país andar para trás, e mandar para o inferno gritando para eles: “Brasileiro o que? Brasileiro o caralho, o caralho”. A chance de outros 900 fdp surgirem, no entanto, é imensa. O problema é a máquina, alguém grita. E está certo.

Volto a repetir a citação de Rousseau: “Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém”. E só tenho uma certeza: estamos longe demais da democracia. Penso com dor na frase de Oswald de Andrade e no choque da lembrança da tecla que sempre bato: somos exemplos. As coisas começam a mudar dentro de casa, na nossa roda de amigos, no nosso trabalho. Porém, tento fazer o melhor, mas já não sei se adianta. Cansaço.

Ps. Perdoe a falta de foco e clareza. Eu também estou tentando me entender.

agosto 8, 2009   No Comments

Attitude is Everything

Essas duas histórias que seguem abaixo estão flutuando na atmosfera da minha mente desde o fim do ano. Mais precisamente no dia 31 de dezembro quando assisti ao especial do programa Alto Falante sobre os festivais europeus. Uma das reportagens chamou a minha atenção. Alguns dias depois, já em Ouro Preto, Lili leu no Estado de Minas uma reportagem interessante que praticamente tinha o mesmo tema. As duas reportagens tratavam sobre… atitude.

Atitude vem do latim aptitudinem e do italiano attitudine, e significa uma maneira organizada e coerente de pensar, sentir e reagir em relação a grupos, questões, outros seres humanos, ou, mais especificamente, a acontecimentos ocorridos em nosso meio circundante. É um dos conceitos fundamentais da psicologia social. Faz junção entre a opinião (comportamento mental e verbal) e a conduta (comportamento ativo) e indica o que interiormente estamos dispostos a fazer. Entrando no coloquial: é quando deixamos de ser imóveis e começamos a nos movimentar.

A reportagem em questão do Alto Falante é a primeira do primeiro bloco em Londres (assista aqui). O chapa Terence Machado entrevista Suzanne Bull, produtora do festival Attitude is Everything, que explica: “É um evento para melhorar o acesso de pessoas deficientes em shows. (…) O projeto começou faz oito anos, quando escrevi para uma revista de música falando como era ruim o acesso para deficientes em shows. Alguém da prefeitura de Londres leu e me ligou perguntando se eu gostaria de receber algum dinheiro para começar o projeto”, conta Bull.

A entrevista segue e Suzanne fala mais sobre o projeto (site oficial), que é bastante interessante, principalmente quando um deficiente comenta que já esteve no Brasil, foi a shows, mas não viu outros deficientes na platéia. “Eu sempre fui a shows durante toda a minha vida, sozinho, e eu queria que todo mundo fosse. O Attitude is Everything é uma boa maneira de fazer as pessoas acordarem. É só tornar mais fácil o acesso a deficientes. Temos dinheiro como todos e queremos gasta-lo em eventos”, diz um entrevistado. O lance todo que quero grifar, porém, é que tudo isso começou com uma carta escrita para uma revista.

Após assistirmos à reportagem, caçoamos pensando como isso nunca poderia acontecer no Brasil. Imagina: você vai, reclama sobre algo que está errado em nossa sociedade (e são tantos erros) e a prefeitura ou o governo, quem quer que seja, liga para você oferecendo um dinheiro para que você monte um projeto para resolver este problema. Lindo, né. E completamente utópico, certo? Bem, mais ou menos. No dia 03 de janeiro, uma manchete de um caderno qualquer do Estado de Minas contava: “Moradora consegue criar Defesa Civil em Brumadinho em uma semana”.

A história de Ilma Cândida Sobrinho é o melhor exemplo de que atitude é tudo. Em 24 e 25 de novembro de 2008, Ilma, 53 anos, participou de um seminário em que o meteorologista Ruibrant dos Reis alertava para um volume alto de chuvas na cidade de Brumadinho, que poderia causar enchentes e muita tragédia. Preocupada com a previsão, Ilma procurou a Defesa Civil da cidade e descobriu que ela só existia no papel. “Isso acontece muito. Decretam o órgão apenas para captar recursos”, conta a moradora para a reportagem.

Ela não desistiu, foi atrás do procurador-geral de Brumadinho, que autorizou a reativação do conselho. “Fizemos, em uma semana, o estudo que era para ser feito durante todo o ano”, conta. Segue a reportagem: Na segunda 15 de dezembro, ela, temendo a forte chuva prevista, e já com o mapeamento das áreas de riscos em mãos, retirou três famílias de imóveis que poderiam desabar.  Na quarta, 17, a previsão se confirmou: Brumadinho foi alagada pelas águas do Rio Paraopeba, que chegou a subir 10 metros. A família de Alessandra Silva dos Santos foi uma das que foram retiradas antecipadamente. “Se estivesse lá quando a tempestade chegou, eu e os meus cinco filhos não sobreviveríamos.”

Nesse dia, centenas de casas ficaram submersas. Cerca de 2.000 pessoas ficaram desalojadas, 200 famílias desabrigadas, 25 casas totalmente danificadas e quatro pontes atingidas, sendo que duas delas foram levadas pelas correntezas. Ilma acionou centenas de voluntários, Corpo de Bombeiros, Polícia Militar e a Defesa Civil do estado. “Já tínhamos avisado todos os habitantes, por isso, eles estavam preparados. Mesmo assim, foi uma loucura, porque a nossa preocupação de salvar todos era imensa, tanto é que fui à rádio da cidade pedir ajuda da comunidade”, conta. Brumadinho teve uma vítima: um senhor de 64 anos foi levado pelas correntezas do Rio Paraopeba.

Em dezembro de 2007 escrevi um longo texto chamado “Sonhar é permitido, viver é permitido”, em que entre outras coisas dizia: “se já sabemos que não podemos confiar em ninguém, que não existem sonhos quando o assunto é política, dinheiro e poder, então está na hora de fazermos as coisas nós mesmos. E, mais do que nunca, deixarmos o social de lado e agirmos no pessoal. Sim, mudarmos as coisas ao nosso redor primeiro. Sempre fomos acomodados demais, mas precisamos mostrar que se as coisas podem dar certo, elas tem que começar a dar certo dentro da nossa própria casa, do nosso próprio ambiente de trabalho, da nossa família, do nosso bairro. Sempre acreditei que fazer o bem é a melhor coisa que uma pessoa pode fazer para mudar o mundo, e apesar de parecer a coisa mais piegas, é no que eu acredito realmente.”

Quando esses três episódios (as duas reportagens e a lembrança do post antigo) se juntaram na minha cabeça, algo meio que pedia um texto como esse. Reclamamos demais. Da família, do emprego, do governo. E o problema não é reclamar. Reclamar é essencial. Acomodados não reclamam e acabam se aconchegando na monotonia de uma vida errada.  Evite isso a todo custo. A partir do momento que temos noção de que algo está errado, de que as coisas poderiam ser diferentes e bem melhores, precisamos nos mexer. Com inteligência, cautela, malandragem e boa vontade. Precisamos criar atalhos para que as saídas se tornem mais claras. Não dá para ficar parado olhando o mundo girar. Não dá para chorar sobre a cerveja derramada. A vida passa rápido demais. É bom se mexer.

Links:
– Assista ao programa Alto Falante no Youtube (aqui)
– Leia a reportagem do Estado de Minas sobre Ilma (aqui)

janeiro 29, 2009   No Comments