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Queria aprender a fazer nada mais vezes

Ontem fiz aniversário. Mais um. 42. Tirei o dia para fazer algo que tem sido muito raro por aqui: nada. Sinto-me culpado quando fico sem fazer nada, tanto que mesmo nas viagens arrumo mil e uma coisas, e quando percebo volto tão ou mais cansado do que quando sai (este ano foi assim). Neste 05 de agosto, porém, nenhuma culpa. Cheguei levemente bêbado ás 5 da manhã após aproveitar uma noite com alguns amigos, e decidi dar folga para as ideias. E gostei do exercício. Não fazer nada é bom! E, particularmente, neste momento em que estou fazendo mais coisas do que dou conta, que estou esticando os braços para abraçar o mundo (a Oceania e um pedaço do Japão estão escapando), foi bem revigorante. Claro que a semana começa, e o peso do mundo volta aos ombros. Qual a saída? Venho pensando cada vez mais nisso. Hoje recebi dois vinis do White Stripes, dois álbuns que eu já tinha em CD, MP3 e o escambau, e fico pensando se realmente eu precisava dele. Se eu preciso de tudo o que o mundo diz que eu preciso. É uma linha perigosa. Uma rua complicada de atravessar. Temos cada vez mais coisas do que damos conta de dar atenção, e muitas vezes o que precisamos é apenas desligar do mundo e fazer… nada. Funcionaria todos os dias? Quem sabe? Provavelmente eu não conseguiria, mas queria, cada vez mais, pular fora dessa roda da fortuna. Fico imaginando fugas, mas ainda assim precisaria abdicar de muitas coisas. Ok, eu abdico dos vinis do White Stripes, dos CDs (mas não dos MP3!), e acho que levaria um bocado de livros comigo, não muitos, mas um número possível que pudesse manter minha mente sã, a espinha ereta e o coração tranquilo. E trocaria num momento x, quando necessitasse. Porém, essa abdicação não funcionaria em São Paulo, onde se gasta demais apenas para respirar. E dai a coisa toda começa a crescer, o sonho todo começa a enlouquecer, o mundo começa a ganhar asas. Poderíamos morar em qualquer lugar, mas sem ser excessivamente hippie e chato. Poderia esquecer o mundo, e ser esquecido por ele. Talvez tivesse que abdicar do fazer nada. A vida simples, aparentemente, dá mais trabalho do que essa vida carregada de supérfluos. Talvez tivesse que viver – muitas vezes tenho a sensação que sou levado por algum sentido de obrigação, e quando percebo acordei, dormi e não vivi. Talvez não fosse ruim. Não que agora seja, por favor. Sou feliz, só estou cansado. Mas queria aprender a fazer nada mais vezes.

agosto 6, 2012   No Comments

Três filmes: Retratos do Submundo

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“Sid & Nancy: Love Kills” (1986)
Antes de entrar no Sex Pistols, John Simon Ritchie já tinha tocado bateria no Siouxsie and the Banshees e sido cotado para ser vocalista do The Damned, mas Alex Cox não está muito interessado em contar história rock and roll em “Sid & Nancy: Love Kills”, preferindo focar suas lentes na degradação do romance entre o baixista e a groupie mal-encarada Nancy Spungen, casal perfeitamente interpretado por Gary Oldman e Chloe Webb. Ainda assim, alguns fatos históricos do punk rock estão presentes, como o dia em que Sid usou o contrabaixo como um taco de beisebol em um jornalista que havia detonado o Sex Pistols ou a cena épica do famoso show no Tamisa (haviam proibido o Sex Pistols de pisar ao vivo no solo britânico, mas a proibição não dizia nada sobre tocar sobre a água), suavizada pelo romance: enquanto dezenas de pessoas apanham da polícia, o casal sai abraçado atravessando a tudo e todos. Eis o principal problema do filme: não é o amor que mata, mas a relação perigosa do casal com as drogas pesadas, e elas são secundarias na trama (muitas vezes exageradamente estilizadas). Alex Cox, que divide o roteiro com Abbel Wool, sentimentaliza um personagem icônico que simboliza uma Inglaterra decadente, e deu sorte de ter acertado na escolha da dupla de atores principais num filme que sugere dor, perigo, descontrole e violência, mas não as exibe.

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“Eu Atirei em Andy Warhol” (“I Shot Andy Warhol”, 1996)
Valerie Solanas foi uma importante militante radical, autora do manifesto “Scum”, no qual pregava o extermínio de todos os homens da Terra. Os três tiros que disparou contra Andy Warhol em junho de 1968 são o capítulo final de sua história (com um epilogo marcado por prisões, depressão e internação em hospitais psiquiátricos), e “I Shot Andy Warhol”, que surgiu como um documentário, busca contar sua gênese, com flashs de uma infância difícil e uma passagem destacada pela Faculdade de Psicologia, momento em que Valerie se descobre lésbica e parte em direção ao submundo nova-iorquino, vivendo no mítico e decadente Chelsea Hotel, participando de filmes da Factory, de Andy Warhol, e se prostituindo. A diretora Mary Harron (que quatro anos depois assinaria o genial “Psicopata Americano”) apresenta diversos trechos do polêmico manifesto ao mesmo tempo em que lança luz sobre o desejo desenfreado de Valerie pela fama retratando de forma distante um submundo recheado por drogas, sexo e personagens exóticos. Lou Reed atacou o filme, e não liberou nenhuma canção sua para a trilha, assinada pelo ex-parcerio John Cale (ainda assim o CD da trilha é brilhante com belos covers de Wilco, R.E.M., Luna, Pavement e Yo La Tengo). Destaque para Stephen Dorff, que brilha como o famoso travesti Candy Darling, e Jared Harris (o Lane Pryce de Mad Men) como Warhol em outro filme que tem mais valor histórico do que cinematográfico.

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“Boogie Nights” (1997)
Segundo filme da carreira do prestigiado diretor Paul Thomas Anderson (que, posteriormente, filmaria os obrigatórios “Magnólia” e “Sangue Negro”), “Boogie Nights” é um excelente retrato do submundo da indústria pornô no final dos anos 70, começo dos 80. Um jovem bem dotado é descoberto em uma boate por um diretor, e estreia como ator alcançando fama e dinheiro, e junto cocaína. A inspiração de boa parte da trama é o ator John Holmes, ícone pornô que transou com duas gerações de estrelas pornográficas, de Seka e Marilyn Chambers a Ginger Lynn e Ciccolina, tentou uma carreira paralela em filmes de ação (retratada no filme) e se viu envolvido em um assalto (para obter cocaína) que terminou com quatro mortos (passagem também presente em “Boogie Nights”). Com um elenco brilhante liderado por Mark Wahlberg (como o ator pornô Dirk Diggler), Burt Reynolds (como o diretor Jack Horner) e Julianne Moore (como a atriz pornô Amber Waves), e que ainda conta com participações excelentes de Heather Graham, Don Cheadle, John C. Reilly e Philip Seymour Hoffman (entre outros), “Boogie Nights” é uma típica história de ascensão e queda, de pessoas despreparadas para o sucesso em uma indústria perigosamente sustentada pelo proibido, contada com excelência por Paul Thomas Anderson.

Leia também:
“Magnólia”, de Paul Thomas Anderson, por Marcelo Costa
“Sangue Negro”, de Paul Thomas Anderson, por Marcelo Costa

agosto 6, 2012   No Comments