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Na rota dos vinhos na Argentina (parte 3)

O quinto dia de viagem começou na estrada, e o ônibus (leito confortável), se não é comparável a uma cama de hotel, serviu bastante para deixar a carcaça descansar enquanto a cabeça pensava mil coisas. No iPod, Tweedy, Pescado Rabioso, Miles Davis, Charme Chulo, Nevilton e Sui Generis se alternavam embalando rápidos cochilos, que terminaram assim que o sol amanheceu meio vermelho, depois dourado. A chegada a Mendoza às 7h e tanto da manhã parecia uma segunda-feira de Marginal Pinheiros: congestionada e ansiosa.

A primeira tarefa do dia foi uma das mais agradáveis da viagem, uma palestra de Roberto de La Mota sobre o vinho argentino além do Malbec. Enólogo-chefe e proprietário da vinícola Mendel, Roberto de La Mota é um dos grandes nomes da história do vinho argentino, e discorreu sobre sete uvas: Mendel Semillón 2013, Doña Paula Estate Sauvignon Blanc 2014, Colomé Torrontés 2013 (um dos meus preferidos), Durigutti Reserva 2010 Bonarda, Rutini Cabernet Sauvignon 2011, Pasionado Cabernet Franc 2010 e Decero Petit Verdot 2011.

Na sequencia, uma visita à bodega familiar Bressia, que tem apenas 10 funcionários (cinco são da família que dá nome a casa). Fomos recebidos por Marita, que nos levou em um rápido tour pela bodega (da área de engarrafamento passando pelas barricas e até o setor de rotulagem, totalmente manual), e depois nos serviu alguns dos destaques da casa (o Bressia Pinot Noir 2010 Piel Negra me agradou, mas o destaque geral foi o Bressia Profundo 2010, um blend com quatro uvas: Malbec, Cabernet Sauvignon, Syrah e Merlot).

Da simplicidade encantadora da Bodega Bressia fomos para o luxuoso complexo da Vistalba, que inclui uma agradável pousada, para conhecer alguns vinhos da casa sob a orientação do enólogo Alejandro (me chamaram a atenção os Tomero Malbec 2011 e Petit Verdot 2012 e o excelente Vistalba Corte A) e participar de uma mini-feira de vinhos com sete vinícolas presentes: Lamadrid Estate Wines, Viñedos Urraca, Kaiken (responsável por um dos vinhos que me trouxe para essa viagem), Lagarde, Casarena, Septima, Clos de Chacras e Argento.

Uma minifeira de vinhos funciona mais ou menos assim: cada vinícola monta sua apresentação em uma mesa com dois até quatro vinhos, que serão degustados pelos participantes, que vão rodando as mesas e fazendo suas anotações. É bem corrido (a viagem toda foi bem corrida), mas permite se deparar com rótulos excelentes. Como novato, fiquei na cola dos amigos experts, que me indicavam coisas imperdíveis (“Não deixe de experimentar o Lagarde”, dizia um; “Prove o Cabernet Franc da Casarena”, dizia outro).

Grande parte das minifeiras termina em almoço ou jantar, uma agradável confraternização entre enólogos, representantes e donos de bodega com os convidados, momento que permite aprofundar a conversa sobre vinhos, a combinação com pratos e tudo mais. Desta forma, a mesa de jantar na Bodega Vistalba (após um belo entardecer) foi uma das mais divertidas, com ótimos vinhos (provei novemente o Torrontês da Kaiken), comida excelente e um azeite (Corte V) delicioso de edição numerada produzido pela própria bodega (ganhei o de número 397).

O sexto dia de viagem (e o segundo em Mendoza) começou com uma visita à Trivento (aqui dois vinhos me chamaram a atenção: Trivento Golden Reserve Cabernet Sauvignon 2012 e Eolo Malbec 2012) e, na sequencia, à Bodega Norton (mais três pra lista: Norton Cosecha Especial Vintage 2010 Extra Brut; Lote L-109 Malbec 2009 e Gernot Langes 2008, um blend de Malbec, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc). Meu humor não estava dos melhores, e decidi não participar da minifeira, um erro duplo que mereceu um digno puxão de orelhas.

O lance das minifeiras é que, bem, o pessoal está ali para vender vinho e a turma de brasileiros para anotar interesses, trocar informações, movimentar o mercado. Não me senti muito à vontade em ficar ocupando tempo dos exibidores, porém eu não contava com a astúcia deles: a lista de profissionais presentes é apresentada quando o convite é feito para uma minifeira, ou seja, eles sabiam que eu estaria lá. E só descobri isso na mesa do almoço, quando comecei um papo animado com um enólogo sobre carnes, vinhos, cerveja e música.

“Você não provou o meu vinho”, foi a primeira coisa que ele me disse antes mesmo da entrada do almoço ser colocada na mesa. Respondi (de bate pronto) que iria provar naquela hora, na mesa, mas o que me surpreendeu foi sua resposta quando comentei que era Sommelier de Cerveja: “Eu sei. Entrei no seu site essa semana. Tem entrevistas bem boas sobre música lá”. Engoli seco e, não bastasse o arrependimento (e a certeza bacana de que a paixão pelo vinho é algo sério), amigos do grupo disseram que essa foi uma das melhores minifeiras da viagem…

Tudo bem, haveria uma segunda chance no mesmo dia, quando partimos para a agradabilíssima Bodega Tapiz, também pousada (e também produtora de um azeite delicioso), em que além de conhecer os vinhos da casa, haveria outra minifeira (haja vinho, amigos, haja vinho). Da Tapiz, um dos destaques do dia foi o Black Tears Malbec 2010. Na minifeira, a linha Revancha, de Roberto De La Mota, foi um dos destaques, mas só tive olhos (e paladar) para o Mascota Opi Malbec 2013, um dos meus preferidos de toda a viagem. No jantar, um dos sucessos foi o espumante Brut Nature Colonia Las Liebres feito 100% com uva Bonarda.

O terceiro e último dia nosso em Mendoza foi especialíssimo pelos extremos: de manhã partimos para a Bodega DiamAndes, um projeto arquitetônico impressionante do escritório Bormida & Yanzon de deixar a gente sem ar aos pés da cordilheira. Na parte da tarde visitamos a Gouguenheim Winery, uma bodega na total contramão tecnológica da DiamAndes, que ainda produz vinho da mesmo forma com que os primeiros donos da casa produziam nos anos 40, uma experiência lúdica que abre horizontes: há bons destaques em ambas as casas.

Na DiamAndes me apaixonei pelo DiamAndes de Uco Viognier 2013 e, principalmente, pelo DiamAndes Gran Reserva 2008 (a ponto de compra-lo durante a visita – das 23 garrafas que vieram na mala, apenas mais uma foi comprada diretamente na bodega durante a visita). Da Gouguenheim Winery gostei muito do Syrah Bonarda 2013 e do Red Melosa 2010 (Malbec, Sauvignon, Merlot e Bonarda). Na DiamAntes houve minifeira. Meus destaques: o excelente Pinot Noir da Bodega Laureano Gomez, o Malbec 2012 da Alpasión (com um dos melhores rótulos de toda a viagem) e o trio da Bodega Masi Tupungato, que aproxima a Itália da Argentina (em blends de Corvina e Malbec).

A despedida de Mendoza aconteceu mais à noite, no elogiado restaurante Siete Cocinas da Argentina, com o chef Pablo Del Rio caprichando no menu e a companhia na mesa de representantes das vinícolas Roca, Rutini e Decero. Abrimos a noite com um Rutini Apartado Gran Chardonnay 2013, passamos para um Alfredo Roca Pinot Noir 2010, seguimos com um Alfredo Roca Bonarda 2012, Decero Petit Verdot 2011 e Decero Amano 2011, e fechamos a noite com um Rutini Apartado Gran Malbec 2010 e um indie Cara Sur Bonarda 2013.

Não deu muito para caminhar por Mendoza nos três dias, mas foi possível conhecer um número inimaginável de vinhos da região, o que me faz já ter vontade de fazer planos para uma volta mais calma e sossegada. O trecho final da viagem mapeia a terceira região de vinicultura da Argentina: passaremos por San Juan, onde visitaremos a Bodega Finca Las Moras e Casa Montes e, no dia seguinte, partiremos para La Rioja, para as últimas duas visitas: La Riojana e Paiman. Trecho final de viagem (e já está dando saudades).

Turismo: Na rota das vinícolas argentinas (aqui)

outubro 24, 2014   No Comments