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Dia da Poesia

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Há uma caixa em algum lugar no “armário da bagunça” com mais ou menos três mil páginas datilografadas (em máquina de escrever) de poesias que escrevi entre os 13 e os 30 anos. Era pra ser mais. Aos 15 perdi um caderno que continha umas duzentas tentativas de poemas. Foi – felizmente. Naquele início, meus textos eram inocentemente piegas. Terríveis. Coro só de lembrar.

Não que os textos da caixa do “armário da bagunça” sejam lá relevantes, mas gosto de olhar o desenvolvimento da escrita e do pensamento. São todos poemas numerados, e os primeiros, terrivelmente ruins, só persistiram durante tanto tempo para servir de contraponto de amadurecimento (pessoal e literário) com alguns poemas ali pelo meio que, humildemente, ficaram razoavelmente bons.

Enviei alguns poucos para concursos (animado por leituras de Rainer Maria Rilke), e um deles ficou entre os dez finalistas de um em Ubatuba. É uma das noites inesquecíveis da minha vida. Era uma igreja antiga na orla da cidade, e todos os poemas estavam expostos para um bom público que comentava entre si. Li todos, e até achei que eu tivesse chance (e eu devia realmente ter – meu poema era bom).

Cada finalista deveria ler (ou indicar alguém) seu poema. Lembro que fiz uma encenaçãozinha para valorizar muito da ironia que aqueles versos continham, mas fui atropelado por uma senhora, uns 60 anos, que leu seu poema (que na parede parecia tão sem graça) de maneira tão desoladora que foi impossível não chorar. No entanto, o vencedor foi um português, que por algum motivo estava preso, e foi defender seu poema acompanhado de alguns policiais.

Não lembro palavras de seu poema, mas ele falava sobre as saudades que ele sentia de sua terra natal. Nunca vou esquecer que ele começou sua declamação assoviando o hino português. Naquela igreja, naquele silêncio, não precisou muito para fazer quase todo mundo chorar. Ele ganhou o primeiro prêmio. Eu fiquei em quinto (acho). Dormi na praia admirando o mar e o barulho das ondas.

Outra lembrança boa. Numa Semana da Comunicação, na Universidade de Taubaté, decidimos montar uma sala com varais de poesia, e quem quisesse poderia colocar textos seus ali. Para incentivar, eu e mais alguns estendemos poemas aqui e ali. Haviam cartolinas em branco presas pela sala, caso alguém quisesse deixar algum recado. Numa delas alguém que assinava apenas com as iniciais dizia que tinha “roubado” um poema meu do varal, porque… precisava dele. Tenho a cartolina em algum lugar…

Última. 1999 ou 2000 (a foto que abre o post). Mostra de Cultura Independente, em São Paulo, um evento grande que movimentou a Funarte. O pessoal do Cardosonline estava por aqui. O Thee Butchers’ Orchestra fez um show fodaço no teatro. Eu – ao lado da Alessandra (uma amiga com quem troquei poesias durante muuuito tempo) e do Davi (que, se não me falha a memória, estava dividido entre tocar violão e um copo) – declamei uma seleção de poemas meus intercalados com alguns da Ale e outros escolhidos a dedo (com “Atmosphere”, do Joy Division).

Para o trecho final, separei um cavalo de batalha que eu já tinha usado em um trabalho da faculdade: “Os Provérbios do Inferno”, de William Blake. Um amigo, Cezar Zanin, estava filmando, e ao final da declamação, quando ele veio me cumprimentar, seu filho pequeno, assustado e cabisbaixo, dizia ao pai: “Ele mata criancinhas” (em alusão ao verso de Blake que diz: “Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos”). Rimos e o acalmamos, mas ele ficou olhando suspeito para mim toda a tarde.

Não lembro ao certo qual foi a última vez que escrevi uma poesia. Deve fazer uns oito ou dez anos, e alguns textos sobre discos e filmes até se aproximaram de um verniz poético. Da mesma forma, parei de ler poesia. Amo Ana Cristina Cesar, os primeiros anos de Vinicius, Guilherme de Almeida, vários sonetos de Shakespeare, Rainer Maria Rilke, Drummond, Blake e Maiakovski. Tenho um Borges que comprei uns seis anos atrás, e nunca li. E tentei Gabriel García Márquez, mas faltava algo. Talvez sangue. Sei lá.

De qualquer forma, não me vejo escrevendo poesia hoje em dia. Talvez, um dia, quem sabe, eu invista minha loucura em um romance, mas é impossível garantir qualquer coisa sobre esse propósito. No entanto, vez em quando, volto aos meus poemas antigos, e eles me consolam. Há dias em que os odeio ferozmente. Detesto as citações, as rimas, tudo. Em outros aceito grande parte deles com carinho (e respeito por seus – e meus – prováveis defeitos). É quase certo que, um dia, eu faça um ritual e coloque fogo em cada página (acalanto esta idéia desde os 15 anos).

Por enquanto, meus mais terríveis escritos permanecem escondidos na caixa no armário aguardando o juízo final. Alguns sortudos – menos piores – foram publicados aqui. Outros circularam por diversos fanzines (não lembro quais e muitos vezes me surpreendo quando esbarro sem querer em um). E um deles virou música. Essa aqui. Indiferente aos seus destinos, todos eles tiveram uma função bastante importante em minha história: mantiveram-me vivo.

Um bom motivo para brindar ao Dia da Poesia.

E para ler Manoel de Barros… afinal… “por pudor sou impuro

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