Random header image... Refresh for more!

De Stanley Kubrick para Luis Buñuel

bunuel.jpg

Seis dias. Fazia tempo que eu não devorava um livro tão ferozmente como este “Kubrick, De Olhos Bem Abertos”, de Frederic Raphael, um senhor que ganhou o Oscar de Melhor Roteirista por “Darling, a Que Amou Demais” (1965), e em que em 1994 foi procurado por Stanley Kubrick para adaptar um trecho de um livro do escritor austríaco Arthur Schnitzler (“Breve Romance de Sonho”).

O que se segue é a rotina de um roteirista contratado por um grande diretor em um trabalho (quase) conjunto de um grande filme. “O roteirista nunca tem o mesmo poder de um diretor. No entanto, ás vezes, pode ter a ilusão de tê-lo”, escreve Frederic em certo momento, enquanto relembra uma vez em que Diane Keaton, impressionada com um roteiro seu, fez apenas uma reclamação: “Por que eu não podia escrever seu personagem com peitos maiores?”.

Frederic brinca com analogias clássicas para explicar a função de um roteirista em um filme: “Nenhum homem é herói sem seu mordomo, mas o mordomo, por essa mesma razão, nunca é um herói”. O roteirista é o mordomo, e em boa parte do livro, Frederic imagina o momento em que, trabalho entregue, será dispensado. “Stanley não quer um colaborador”, reflete em certo momento. No fim, justifica para si mesmo: “Tenho o consolo da prostituta: o que quer que seja, ele me escolheu”.

O livro alterna três formas de escrita, que facilitam bastante a leitura, partindo do roteiro clássico (com posições de cenário – “Externa, portão da casa de Stanley Kubrick”… – e conversas diretas entre F.R. e S.K.), passando pelo diário do escritor (que destaca vários trechos em que o autor tenta entender o mito Kubrick) e por trechos a la romance, que invariavelmente refletem o processo de feitura de “De Olhos Bem Fechados” enquanto o roteirista conta histórias com Audrey Hepburn, Marcello Mastroianni, Billy Wilder…

Cinema é o tema de alguns telefonemas que Kubrick faz para Raphael, discussões curtas como: “Você viu Pulp Fiction?”, pergunta Kubrick. “É um filme que precisamos levar em consideração, eu acho”, continua o diretor. “O ritmo, observe o ritmo”, finaliza. Envia o “Decálogo”, de Kieslowski, ao roteirista, diz que Woody Allen fez uma casa muito grande para o personagem de “Maridos e Esposas” (“Ele – o personagem – não ganha tanto para ter uma casa daquele tamanho”, justifica, alertando: “Não podemos cometer o mesmo erro”) e fala sobre seus filmes.

Valeu o esforço? Com a palavra, Frederic Raphael, após finalizar a segunda versão do roteiro:

– Ele acha melhor tentar acertar para que o filme seja feito. É a primeira vez que diz alguma coisa sobre fazer o filme.
– Espero que tenha valido a pena – comenta a esposa.
– Deus queira que em meu epitáfio não conste apenas “Ele trabalhou com Stanley Kubrick. Uma vez”.
– E queira Deus que não sejam duas vezes – diz ela.
– Ele é o melhor.
– É bom mesmo que seja.
– O que acha de sairmos para jantar? Hora de comemorar. Mesmo sem saber o quê, exatamente.
– Ter sobrevivido, talvez?

Fica a dica. Na Estante Virtual, site que reúne centenas de sebos do país inteiro, o livro de Frederic, lançado pela Geração Editorial, custa entre R$ 12 e R$ 25. Vale.

“Ele é, começo a suspeitar, um diretor de cinema que por acaso é um gênio e não um gênio que por acaso é um diretor de cinema. Minha dificuldade será adivinhar o que ele realmente quer de mim. E a dele será a mesma. Vou acabar descobrindo que, como sempre acontece com os bons diretores, ele quer apenas as habilidades que não consegue obter por si só. Uma vez que eu as fornecer, elas lhe parecerão tão banais que ele facilmente se convencerá de que é menos um caso de não possuí-las do que o de estar muito ocupado para poder aplicá-las. Fui contratado para preparar a festa, mas a festa com certeza será dele”…

Agora… Luis Buñuel…

0 comentário

Nenhum comentário no momento

Faça um comentário