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Você conhece Roma? E a Roma de Fellini?

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Na primeira cena, a morte (uma garota segurando uma foice) caminha em uma estrada devastada. Close na placa: Roma, 340 quilômetros. A declaração de amor do cineasta Federico Fellini à cidade eterna é simplesmente devastadora e emocionante. O cineasta caçoa da cidade que o abrigou ao mesmo tempo em que faz belíssimas declarações de amor. “Devemos ser leais a nossa natureza”. A frase justificativa é do próprio Fellini no meio do filme, após ser pressionado por alguns estudantes que não querem a Roma de todos os filmes: “simpática, confusa e maternal”. Eles querem ver nas telas os problemas dos trabalhadores, da educação.

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Um produtor, no entanto, se preocupa: “Este filme será exibido no estrangeiro. O que vão pensar da nossa querida Roma? Que Roma é essa cheia de vadios, drogados, hippies nojentos, travestis e estudantes que não querem estudar? As pessoas são más”, diz o senhor grisalho com olhos de quem já viu dias melhores na cidade eterna. A saída de Fellini é voltar ao passado, direto para um velho teatro pré-guerra, em que artistas desafiam o público em números de comédia, música e dança.

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No entanto, o alarme soa e todos são levados para um abrigo antiaéreo. Bombas caem sobra cidade do Papa enquanto geringonças perfuram o subterrâneo tentando expandir as linhas de metrô da cidade. “A cada 100 metros encontramos uma obra histórica”, diz em tom de pesar o dono da companhia. “Chamamos os arqueólogos e as obras param por quase um ano. Sabe desde quando existem planos de metrô em Roma? 1880. Sempre paramos na burocracia e nas obras históricas”, diz o senhor.

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Fellini, no entanto, não desiste de ser leal a Roma que ele vê. Ele destrói a cidade, e a acaricia. Dezenas de pessoas almoçam no meio da rua, ao lado dos trilhos dos bondes. Uma criança grita palavrões. O pai ri. A câmera então leva o espectador para um pedágio de carros, e uma voz em off diz: “Que impressão a Roma dos dias de hoje pode dar aos turistas? Vamos entrar pela cidade de carro pela auto-estrada”. O cenário que se vê é de caos completo. Prostitutas e travestis acenam dos acostamentos, animais invadem a estrada, acidentes param o trânsito, buracos aparecem por todos os lados, a chuva alaga as ruas e o congestionamento é assustador parando no…  Coliseu. Isso é Roma. Ao menos é a Roma de Fellini. Quer mais lealdade do que expor a cidade que você ama com todos os defeitos e qualidades de forma tão… visceral?

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Porém, o diretor não para por ai. Ele desanca o papado em um sensacional e corrosivo desfile de moda eclesiástica. Há muito mais. A câmera passeia pelo bairro do Trastevere e flagra um escritor norte-americano que vive em Roma. Assim que vê a câmera, ele começa o monólogo arrasador: “Você quer saber por que vivo em Roma? Eu poderia dizer que vivo em Roma porque é uma cidade central, mas na verdade Roma é a cidade das ilusões. É uma cidade, antes de tudo, da Igreja, do governo e do cinema. Todos fabricantes de ilusões. Eu também fabrico ilusões, assim como você. E quer lugar melhor do que esta cidade, que já morreu tantas vezes, e ressuscitou outras tantas, para ver o verdadeiro final da humanidade através da superpopulação e da poluição? Me parece o local perfeito para ver se acabamos de vez ou não”.

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A cena termina com um brinde ao final da humanidade. E de Roma. Os restos da cidade, que também podem ser chamados de fontes, são iluminados em um passeio de moto na madrugada que é pura poesia cinematográfica. Simplesmente sensacional. Sensacional. Sensacional.

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