Vega
por
Marcelo Silva Costa
Muita gente
vê a palavra "pop" como palavrão. Abreviatura de "popular",
a música "pop" quase sempre carrega o estigma de ser algo diluído,
descartável, sem alma, em resumo, um xingamento.
Não foi
sempre assim. Como bem disse uma vez o jornalista André Barcinski,
houve um tempo em que os Beatles eram pop. Stones e Ramones também.
E o que o Vega,
quarteto paulistano que está lançando o álbum "Flores
no Deserto", tem a ver com isso. Tudo. O som do Vega é suave, amparado
quase sempre em violões, perfeito para embalar as ondas do dial
das nossas combalidas FMs com um saudável sabor pop que remete,
a primeira lembrança, a grupos como The Corrs e 10.000 Maniacs.
De um projeto
do baixista Mingau, cuja "ficha roqueira" mistura bandas como Ratos de
Porão, Ira! e Ultraje a Rigor, o Vega nasceu com dois músicos
de estúdio tarimbados (Marcos Kleine na guitarra e Caio Mancini
na bateria) e uma musa de vocal particular assumindo a frente (Claudia
Gomes). O S&Y interrompeu um ensaio do quarteto para descobrir qual
é a do Vega e reconhecer que "pop" também pode ser um elogio
. Confira.
S&Y
- Como foi juntar a banda?
Mingau Há
seis anos atrás eu liguei para o Marquinhos contando que eu queria
fazer um lance com vocal feminino, mais pop. A idéia toda nasceu
ali.
Marcos A idéia
inicial surgiu assim, mas como a gente sempre estava ocupado fazendo outras
coisas, fomos adiando. Três anos atrás nós encontramos
a Cláudia, mas também por questões de trabalho fomos
deixando. A gente tinha percebido que havia uma química legal, mas
faltava tempo.
S&Y
Vocês já haviam trabalhado juntos?
Marcos Não.
Mas a gente sempre se via e a química foi rolando legal até
que há um ano e meio decidimos gravar uma demo. A gente já
estava com o estúdio e o Caio entrou na banda. Com isso, todos começaram
a trabalhar pensando na banda. A demo foi gravada em setembro, com cinco
músicas. Deixamos em algumas gravadoras e surgiu a FNM.
S&Y
O Mingau é velho conhecido do público, alias, de todo tipo
de público. Do Ratos de Porão ao Ultraje a Rigor, passando
pelo 365 e colaborações com Dinho Ouro Preto, Ira!, entre
outros. E vocês três?
Claudia Eu
canto desde os seis anos, no Paraná. Eu sou de lá. Eu passei
a minha vida toda em festivais de música de interpretação.
Dos 11 aos 15 eu cantei quase todo fim de semana. Foram 256 apresentações
em festivais. Eu sempre cantei mais música clássica, MPB
e bossa nova e cheguei a fazer um show só com piano e voz baseado
nisso. Até conhecer o Mingau por intermédio de um vizinho.
Depois eu conheci o Marquinhos e quando percebemos nascia o Vega.
Marcos Eu
tive uma banda de rock no começo dos anos 90, um som mais pesado,
mas eu sou professor de guitarra desde os 18 anos. Recentemente eu montei
uma banda que faz versões de temas de seriados conhecidos, tipo
2001, Batman, Flinstones, essas coisas, além de fazer umas trilhas
sonoras para animações (uma, inclusive, australiana). E tenho
o trabalho no estúdio.
Caio Eu vim
do blues. Trabalhei com várias pessoas, como o André Cristóvão,
mas sempre como músico contratado. O Vega é a minha primeira
banda. E eu sempre estou desenvolvendo coisas em estúdio...
S&Y
É uma mistura legal...
Marcos É,
norte, sul, leste, oeste (risos)
Claudia O
engraçado é que no inicio éramos só nós
três e nós chamamos o Caio para tocar no projeto e encaixou
direitinho, formou uma família. No fundo eu percebo que existe uma
admiração mutua entre os quatro. É ótimo você
trabalhar com pessoas que você gosta muito e admira. É como
um presente.
S&Y
As cinco músicas que estavam na demo estão no álbum?
Claudia Estão.
S&Y
E foi tudo gravado neste estúdio?
Mingau Sim.
A produção é minha e do Marquinhos. Nós ficamos
dois meses trabalhando no álbum. Eu nem ia pra casa.
Marcos - A FNM
deu toda liberdade artística necessária. Nós fizemos
tudo aquilo que estávamos imaginando.
Claudia É,
eles não opinaram em nada, deram total liberdade.
Caio Na verdade,
eles se empolgaram tanto que queriam lançar a demo.
Claudia Acho
que chamou a atenção porque é um trabalho que tem
personalidade. Acho que esse trabalho é assim: ele tem a carinha
de cada um. Não tem como dizer "ah, eu me identifico mais com isso,
aquilo tem mais a cara de não sei quem". O Vega tem a cara de cada
um dos quatro.
S&Y
Quanto tempo?
Mingau Dois
ou três meses. A gravação não demorou muito
tempo. Foi mais produção mesmo. Ficamos ouvindo, ouvindo,
vendo se era isso mesmo.
Marcos A gente
ficou tanto tempo aqui dentro que a gente não tem idéia.
Claudia As
letras foram sendo compostas durante o processo de gravação.
A última música que foi gravada, "O Que Virá", eu
compus às 4 da manhã para gravar às 2 da tarde. As
letras foram nascendo juntas e por isso nós ficávamos ouvindo
muito, analisando "será que ficou legal? será que dá
para melhorar?".
S&Y
Influências?
Mingau O que
eu acho que tem a ver é 10.000 Maniacs que eu ouço bastante.
Marcos Mas
é difícil dizer. Por exemplo, algumas pessoas me disseram
que lembra Cowboys Junkies e eu nunca ouvi Cowboys Junkies. (risos)
Caio Nós
não tínhamos pretensão nenhuma de soar como ninguém.
Não foi pensado. Só queríamos fazer um som com a nossa
cara, a nossa realidade. Nós nunca falamos na gravação
"essa música parece com alguma coisa".
Claudia E
as músicas não foram sendo compostas buscando se basear em
alguém. Foi natural.
S&Y
Mas rolam as covers nos shows, de bandas que acabam sendo parecidas com
o som que vocês fazem, acabam lembrando. Como foi a escolha das covers?
Mingau É,
rola, Patti Smitth, Alanis...
Claudia O
Mingau gosta da Patti
Smith e acabou indicando "Dancing Barefoot". Eu gosto da Alanis e acabamos
encaixando "Head Over Feet", em que eu toco gaita. E veio a do Frente (versão
para "Bizarre Love Triangle" do New Order)...
Marcos Eu
fui na deles. (risos)
Claudia Nós
pensamos em Elis...
Caio E podemos
ainda fazer alguma cover dela no futuro...
S&Y
Shows?
Mingau Nós
ainda não começamos a fazer shows. Fizemos um em outro formato,
mais acústico, que foi muito legal. Nós conseguimos acertar
com um empresário agora, que é o mesmo do Ultraje a Rigor
e do Ira! e isso vai ajudar muito.
Claudia Mas
estamos preferindo divulgar mais o trabalho em rádios antes de fazer
shows.
S&Y
Como que está a aceitação?
Claudia Está
excepcional. Todas as criticas que saíram do álbum foram
excelentes, muita gente falando muito bem. Muitos emails legais.
Mingau Eu
estou impressionado.
S&Y
Como vocês encaixam o trabalho do Vega no cenário atual?
Mingau Eu
acredito que (o cenário) esteja voltando a ser como no inicio dos
anos 80, quando não havia um estilo predominante. Havia espaço
para todo mundo. Eu ia fazer Chacrinha com o 365 e tinha Wando, era tudo
misturado, mas rolava bem. Acho que agora está voltando a ser assim,
o que facilita porque o disco (do Vega) é eclético.
Marquinhos
Tem algumas coisas mais rock, outras mais pop, tem música acústica.
É bem abrangente.
S&Y
Você compôs nove letras para o álbum, Claudia. Como
foi?
Claudia Eu
já havia composto uma vez aos 11 anos de idade
S&Y
Precoce ela... (risos)
Claudia
Aqui todo mundo é precoce. (risos)
Mingau Eu
gravei meu primeiro disco com 14 anos, com o Ratos de Porão. O Marquinhos
tocava bateria com 10 anos...
Claudia Mas
eu nunca compus muito, me dediquei agora e fluiu naturalmente. Eu não
demorava muito. "Flores no Deserto" (a música), por exemplo, em
quinze minutos a letra estava pronta. Teve também "O Que Virá"
que teve sete letras anteriores. Eu escrevia e não ficava satisfeita,
mudava alguma coisa e a última que acabou indo para o cd é
totalmente diferente da primeira versão. Mas foi maravilhoso.
Mingau Quando
eu tinha uma idéia eu ligava para a Claudia, ela vinha e a música
saia rapidinho.
Claudia Foi
assim que começou.
Mingau E ainda
deixamos várias músicas de fora...
S&Y -
Tem as covers do Alvin, certo.
Mingau Uma
é só do Alvin ("Setembro", também gravada pela Marina)
e outra é parceria minha, com ele e o Dinho, ainda dos tempos do
Vertigo.
S&Y -
Tem a parceira com o Dinho... ("Incondicionalmente")
Mingau Essa
música estava perdida e eu sempre achei ela legal.
Caio O Capital
decidiu gravar depois da gente. (risos) (no "Rosas
e Vinho Tinto").
Mingau É
que foi assim. Quando a gente foi gravar a demo eu chamei o Dinho, que
participou. E ele me disse: "Pó, essa música é legal.
Eu vou gravar também" (risos).
S&Y
Então ele chegou a gravar com vocês na demo?
Mingau Chegou.
Alias, estou lembrando agora. Eu tenho várias músicas com
ele que não usamos ainda... já para a "Inverno", fizemos
com uns violinos. Eu queria fazer isso desde a época do Vertigo,
mas acabou ficando ali só com violão. A versão do
Alvin, do disco solo dele, é mais Led Zeppelin.
S&Y
Participações.
Marcos Na
bateria tivemos o André
Jung, grande amigo do Caio, e o Paulo Zinner do Golpe de Estado.
Caio Tem o
Denny, percursionista do Capital, o Zé Younes que acompanha a gente.
Mingau O velho
Luis Carlini...
S&Y
Como vocês chegaram a esse nome, Vega?
Risos gerais
Mingau Cara,
foi uma loucura. Nós pensávamos em um nome e depois descobríamos
que já estava registrado. Foram várias vezes que isso aconteceu.
Acho que a idéia foi de Vega foi do Marquinhos, eu lembro que tínhamos
listas de sugestões dos amigos com uns 400 nomes.
Claudia Depois
de tudo isso nós abraçamos o Vega e sabíamos que era
uma estrela, mas depois fomos ver o significado e é maravilhoso.
Está todo explicado no nosso
site.
S&Y
Como é a parceria com a FNM?
Marcos Eles
apostaram na gente.
Mingau Eu
mandei para todas as gravadoras e não tinha resposta. Nisso eu encontrei
o Marcelo Maski em um programa de tv e eu estava com um demo comigo e deixei
com ele. Dia seguinte ele me ligou com a proposta de lançar pela
FNM.
Claudia O
principal foi que a gravadora nos deu liberdade total. Eles só nos
deram apoio, que é o que nós precisávamos.
S&Y
Mingau, como você vai dividir o tempo entre Ultraje a Rigor e Vega?
Mingau Agora
eu estou mais aliviado, já que o empresário é o mesmo
e assim dá para conciliar as agendas. Mas dá. Eu sempre tive
outros projetos. Eu tocava com o Ratos e com outras três no mesmo
momento, isso desde moleque. O Edgard (Scandurra,
do Ira!) sempre fez isso. Dá para conciliar na boa.
S&Y Ratos,
Ultraje, 365. Como que está sendo tocar com o Vega?
Mingau o Vega
é um filho,
Marcos Quem
começou tudo foi ele.
Mingau - É
o projeto mais pessoal. Eu sempre tive essa coisa de compor mais ao violão,
essas baladas e não dá para colocar essas coisas no Ultraje.
Eu acabava fazendo isso com o Dinho, quando a gente tocava junto, tanto
que tinha a ver. Mas eu tinha muita coisa e por isso liguei para o Marquinhos
com essa idéia de fazer uma coisa mais pop. Eu gosto do pop bem
feito.
Caio O mais
engraçado e que quando começamos a gravar era incrível
como os dois sabiam tudo que queriam.
Mingau Estava
tudo na cabeça.
Caio Eu peguei
as bases todas em levada de violão, não tinha nada mais.
Eu ficava pensando "o que é que esses caras querem" (risos). Quando
eu comecei a gravar, logo no inicio eu botava duas ou três viradas
e os caras olhavam feio e eu percebi que não era por ali.
S&Y
Pra fechar, o que vocês estão ouvindo no momento?
Marcos Eu
estou ouvindo muita trilha sonora, coisas variadas e David Mathews.
Caio Eu também
tenho escutado David Mathews, mas também Djavan.
Mingau As
bandas novas, Hives
é legal, Hellacopters
também e as coisas antigas, Hendrix, Led Zeppelin, Red
Hot Chilli Peppers.
Claudia Zimbo
Trio e muita Orquestra, Enya. De vez em quando Silverchair.
Flores no
Deserto - Vega (FNM)
por
Marcelo Silva Costa
"Flores no Deserto" é pop.
Ponto. A explicação da introdução da entrevista
talvez ainda lhe incomode, caro leitor, mas não deveria. Não
dá para querer enfiar na cabeça de sua mãe que o novo
álbum do Death in Vegas é uma das coisas mais maravilhosas
do mundo (e é) nem querer que sua afilhada de cinco anos saia assobiando
"What Happened To My Rock And Roll" do Black
Rebel Motorcycle Club (apesar dela amar Gorilazz). Se o mundo fosse
perfeito, teríamos um lugar no dial para o bom e velho rock and
roll (não, please, as nossas rádios rock não são
rádios, são museus), mas o que deveria tocar em rádios
"normais" são canções pop, aquelas que atingem moleques
de 70 anos, coroas de 20 e vovôs de cinco. Do que eu estou falando?
Estou falando do Kid Abelha de "Como
Eu Quero" e "Fixação", da Rita Lee de "Desculpe o Auê"
e "Mania de Você" e da Marina de "Uma Noite e Meia" e "A Francesa".
Canções pop de primeiro quilate que não foram feitas
para meia dúzia de gatos pingados, mas para um público maior,
um público ahñ... popular. Com isso chegamos ao Vega. O experimentado
baixista Mingau queria criar um projeto acústico com vocal feminino
que soasse ao mesmo tempo pop e de qualidade. Conseguiu.
"Flores no Deserto" finca pé
no folk rrock de bandas como The Corrs, 10.000 Maniacs e Sixpence None
The Richer e, sim, Capital Inicial. Um som suave para preencher tardes
silenciosas com violões, gaitas e o belo vocal da não menos
bela Claudia Gomes. O repertório próprio é uniforme,
o que acaba destacando covers e participações especiais.
Assim, a linda "Setembro" de Alvin L. (aquela que diz que não adianta
afogar as mágoas depois que elas aprender a nadar) ganha uma versão
reverente, próxima a do disco solo do melhor letrista do rock nacional
dos últimos tempos (ok, você já ouviu eu dizer isso,
eu sei). Dos tempos do Vertigo, projeto de Dinho Ouro Preto com Mingau
no baixo e letras de Alvin, foi resgatada "Inverno", mais "cheinha" com
o arranjo de cordas e a quase inédita "Incondicionalmente", gravada
agora também pelo Capital Inicial em "Rosas e Vinho Tinto". Está
última conta ainda com a bateria personalíssima de André
Jung, do Ira!
Entre pop songs de primeira linha,
oras mais acústicas ("Flores no Deserto" "Vozes de Uma Dor"),
ora levemente funkeadas ("O Que Virá" "Pra Não Pensar Mais
Em Você"), "Flores no Deserto" marca a boa estréia do quarteto
paulistano. Resta esperar que as rádios não marquem bobeira
(como fizeram como "Vida
Real" do Autoramas e "Buganvília"
do Penélope) e presenteiem o público com música pop
de qualidade. O Vega merece. E o público também. |