By The Way
– Red Hot Chili Peppers
por
Leandro Miguel de Souza
leandro_pixies@bol.com.br
Eu adoro pop. Não essas boy-bands
e virgens fabricadas que infestam as "supostas" rádios pop. A música
pop a qual me refiro é aquela de bandas como Beatles,
Byrds,
Big Star,
Teenage Fanclub:
canções que grudam no seu córtex em um estalar de
dedos, harmonias vocais precisas, melodias capazes de aquecer o mais gélido
dos corações. Nos últimos tempos pensava-se que esse
nosso amigo estava esquecido em algum canto da Escócia, escondido
demais para aparecer nas rádios mais populares e somente ao alcance
de poucos felizardos.
Pois é, acho que estávamos
enganados, o Pop está bem, e mais radiante do que se possa imaginar.
Quatro senhores chamados Anthony Kiedis, Michael Balzary (a.k.a. Flea),
John Frusciante e Chad Smith voltaram para relembrar que é na Califórnia
onde o sol brilha mais forte (alguém falou Beach
Boys?). Ladies and Gentleman, The Red Hot Chilli Peppers are back.
"By The Way" solidificou o processo
de transição do grupo, demonstrado no ótimo "Californication",
de três anos atrás. O predecessor demonstrou novos rumos para
os rapazes, que cada vez mais se afastavam de seu bombástico mix
de funk-rap-rock-e-o-escambau de álbuns como "Uplift Mofo Party
Plan" (1987) e o histórico "Bloodsugarsexmagik" (1991) (na verdade,
onde a transição timidamente iniciou) e buscavam harmonias
e arranjos mais trabalhados. Anthony Kiedis provou que sabia cantar, Frusciante
descobriu a felicidade nas pequenas minúcias que uma guitarra pode
proporcionar à uma canção e Flea viu que uma bela
melodia pode valer muito mais do que slaps furiosos no baixo. Chad Smith
trocou a quebradeira pela simplicidade e lá encontrou abrigo.
O primeiro single do disco (a faixa-título)
pode até enganar o ouvinte menos atento. Uma mistura bem-sucedida
entre uma levada turbinada a cargo de Flea e os vocais "rapeados" de Kiedis
com um refrão marcante lembra o RHCP de antigamente, mas só
por um instante. O estilo Peppers de outrora só é reverenciado
em algumas faixas como essa e a maravilhosa "Can’t Stop", outra de forte
apelo radiofônico (no melhor dos sentidos).
Agora, chegando para dar uma olhadinha
mais de perto, dá pra sentir uma certa tristeza no ar (de novo).
As fotos e pinturas do artista Julian Schnabel (que dirigiu o filme sobre
a vida do pintor Basquiat) presentes no encarte do álbum não
escondem o fato (vide a contracapa do disco). Essa tristeza encontra-se
presente também nas letras: "Don’t Forget Me" (prima-irmã
de "Otherside", do disco anterior), casa uma letra torturada e um arranjo
pungente com os urros do vocalista. Mas, na maioria dos casos, os Peppers
conseguem perpetrar arranjos tão iluminados que versos amargos como
em "Tear" encontrem sua redenção na luz das músicas.
"Warm Tape" e "The Zephyr Song" mostram que "Pet Sounds" flutua pelas ondas
sonoras do trabalho. Sem medo de inserir arranjos de cordas nas canções,
cometeram maravilhas como "Midnight" e a deliciosamente "sixtie" "Universally
Speaking", a trilha sonora perfeita para um manhã de sol.
Quem disse que o RHCP é banda
de só dois caras (Flea e Kiedis) vai ter que engolir em seco desta
vez. John Frusciante rouba o show do início ao fim, com backing
vocals perfeitos e guitarras idem. "Dosed", a melhor faixa do disco, não
teria um quinto de seu impacto sem o refrão cantado por ele e o
riffzinho arrepiante de sua guitarra. A letra é outro primor: "Way
upon the mountain where she died. All I ever wanted was your life". Triste
sim, piegas nunca.
Confesso que é um pouco espantoso
ouvir versos tão românticos saindo da boca de onde saíram
versos como "I wanna party on your pussy, baby". Mas nada como cantar o
amor. Kiedis abre o coração na linda "I Could Die For You":
"Feche a porta e ninguém terá que saber como somos". Esse
clima rende outras pepitas como as já mencionadas "Zephyr Song"
e "Universally Speaking" ("Eu vi a correnteza de seu amor fluir"). Outra
bela canção é a introspectiva "Venice Queen", que
parte de um arranjo simples calcado em um riff de guitarra básico
e efeitos hipnóticos para terminar sobre uma base de violão
poderosa segurando os vocais: "Seu estiloso cabelo prateado desarrumado,
uma mulher como você é tão rara".
Embora os destaques sejam de Anthony
Kiedis e John Frusciante, Flea não deixa de dar o ar de sua graça,
estraçalhando o seu baixo no sacolejante ska "On Mercury", que também
conta com um inesperado, mas bem-vindo acordeon completando o arranjo (popíssima,
popíssima...) e em "This Is The Place", uma atualização
de "Californication", com sua crítica urbana.
Talvez o grande mérito do álbum
seja a sua total despretensão. Sem necessidade nenhuma de provar
mais nada a ninguém (essa frase ficou estranha, não?), sentiram-se
á vontade de incorporar novos elementos ao seu (novo) estilo. Frusciante
detona no violão para apresentar "Cabron", o resultado do namoro
do grupo com a música flamenca. E acreditem: ficou muito legal.
Flea canta a pedra na perigosa "Throw Away Your Television", uma sedutora
jornada repleta de efeitos de guitarra, uma bateria parruda e versos surpreendentes.
Rick Rubin, o produtor dos Peppers desde "Bloodsugar...", deixou o som
redondinho, colocando todos os pingos no "is".
inalmente o grupo conseguiu
lançar um álbum à altura do clássico de 1991.
Mas seria até injusto comparar os dois trabalhos, tamanha a disparidade
entre eles. De um lado, o festival de suor, sangue e baixaria, regado a
muito funk e rock, e do outro, a melodia, a beleza, a pureza do pop beirando
à perfeição. Pois é, o tempo passa, as pessoas
mudam, mas o talento fica. Só muda a maneira de mostrá-lo.
"By The Way" chega como a melhor coleção de canções
pop do ano até agora. E saindo das mãos de um dos grupos
mainstream mais talentosos da atualidade, é uma grande coisa. É
reconfortante saber que sair de carro num Sábado ensolarado, ligar
o rádio e escutar pérolas como "Minor Thing" não soam
apenas como um devaneio, um sonho impossível. Estamos tranqüilos.
De novo.
Leandro Miguel
de Souza, 18 anos, estudante de jornalismo, adora pop, reconhece que falou
a palavra pop inúmeras vezes durante o texto e deseja a todos uma
bela vida: façam exercícios diariamente, comam moderadamente,
sejam legais uns com os outros e não misturem crack com absinto
na mesma noite. |