Discografia Comentada
Capital Inicial

por Marcelo Costa
2002


Sintomático que a terceira grande banda de Brasília nos anos 80 seja, em 2002, a banda número um do Brasil. Claro que o fato de algumas bandas não estarem mais na ativa (Legião Urbana, Titãs - sim, os Titãs já acabaram, não insista caro leitor) e outras estarem hibernando (Paralamas, Skank) ajuda. E, claro, estamos falando em vendas, já que em qualidade, Pato Fu, Los Hermanos, Ira! e Mundo Livre estão a frente, isso só para citar quatro. Mas também não podemos fechar os olhos creditando o sucesso da banda a fatores externos. Muito do que o Capital Inicial conquistou é merito da própria banda. Isso fica visível nesta discografia comentada. Confira.



Descendo o Rio Nilo/Leve Desespero (compacto) CBS/Sony 1985

A estréia da banda em disco é mediana. Um compacto simples trazendo a ruim "Descendo o Rio Nilo" de um lado e a boa "Leve Desespero" do outro. Os arranjos sintonizam pós punk, mesmo na inspiração funk da primeira música. "Descendo o Rio Nilo" foi inclusa na coletânea pau de sebo "Os Intocáveis". Já "Leve Desespero" apareceu na trilha sonora do filme "Areias Escaldantes".
Nota 4


Capital Inicial - Polygram 1986

Formado por um repertório bastante executado ao vivo, "Capital Inicial", o primeiro disco "cheio", tem punch, mas soa exagerado nos arranjos, culpa principal de seu produtor, Bozo Barreti. As melhores canções do álbum tem assinatura de Renato Russo: a excelente "Música Urbana", a punk "Veraneio Vascaina" e a balada pós punk "Fátima". Está última, mesmo vitimada pelo arranjo duvidoso, tornou-se um dos clássicos da banda. Do repertório próprio, o pós punk reina na excelente "No Cinema" e nas boas "Sob Controle" e "Cavalheiros". Com levada folk, "Linhas Cruzadas" surge inocente e convence. A punk rock "Psicopata" é outro destaque e "Leve Desespero" surge com melhor arranjo. Como a letra de "Veraneio Vascaina" descia a lenha na polícia, a censura (ainda na ativa) proibiu a execução da música. Mais. Proibiu a venda do álbum para menores de 18 anos. Tremenda bobagem da Policia Federal. A proibição foi usada de forma inteligente como marketing e em dois meses o álbum alcançava 100 mil cópias.

Sucessos - "Música Urbana" - "Psicopata" - "Fátima"
Melhor Música - "Música Urbana"

Pior Música - Todas as faixas são boas

Preferida - "Linhas Cruzadas"

Nota - 8


Independência - Polygram 1987

A fome do sucesso atrapalha a banda. "Independência", o segundo álbum, é gravado as pressas, meio que na esteira do primeiro álbum, resultando em um repertório fraco. Para piorar, o produtor que havia comprometido o álbum de estréia é integrado ao grupo. Assim, o disco se divide em baladas rock ("Prova", "Palavras ao Vento", "Porque Nós Não Ficamos Juntos") e funks de branco ("Espelhos no Elevador", "Arrepio", "Fantasmas"). Fugindo dessa linha, a faixa título (um pop rock inspirado) é a grande canção do álbum. E a outra única canção que mereçe nota é "Porque Nós Não Ficamos Juntos", a provável única vez que Bozo Barreti acertou em um arranjo. De resto, a mediana "Autoridades" revela o principal defeito da banda: a falta de um bom letrista (alias, defeito também da Plebe Rude, a segunda banda de Brasilia). O que dizer de "Setas indicando caminhos errados / Chegar só é possível de olhos vendados" ("Prova") ou "Vem bater no meu tambor / Chega de falar de amor" ("Vem bater no meu tambor"), está última, claro, escrita pelo baterista Felipe Lemos. Na verdade, o melhor deste álbum é a belíssima capa de Ico Ouro Preto...

Sucessos - "Independência" - "Prova"
Melhor Música - "Independência"

Pior Música - "Vem Bater No Meu Tambor" - "Descendo o Rio Nilo"

Preferida - "Arrepio"

Nota - 5


Você Não Precisa Entender - Polygram 1988

Afundados em drogas, a banda deixa o controle do álbum para Bozo Barreti. Com as mãos no volante, o tecladista enfia o álbum no primeiro poste que vê. Nem Marcelo Sussekind que assina a produção consegue salvar o Capital Inicial do fiasco. "Você Não Precisa Entender" é o pior disco do grupo, quiça, um dos piores do rock brasileiro. Esbajando arranjos tecnofunk, o álbum só tem uns vinte segundos legais, em "A Portas Fechadas" quando, sob uma cama de teclados, Dinho canta: "Meu último desejo / Seu beijo / Seu beijo / Meu último desejo / À luz da lua / Testemunha de um amor / Que com o vento flutua / Sopra-nos a brisa / Lua nua". De resto, uma baladinha normal ("Fogo") e um funk de branco azedo com lema punk ("Pedra na Mão"). Não bastasse estragar o repertório original, a banda joga no lixo uma das melhores letras de Renato Russo. "Ficção Científica" permite que Russo viaje em citações malucas: "Hoje à noite / Flash Gordon / Vai tentar ser / Barbarella / Para ver se aprisiona / O Albert Einstein". No final, um perfeito retrato a lá "Star Wars": "Revolução!! / em selvas tropicais / Raio laser mata índios / Descoberta o novo mundo envelheceu".

Sucessos - "Fogo" - "A Portas Fechadas" - "Pedra Na Mão"
Melhor Música - "Fogo"

Pior Música - "Blecaute" - "O Céu" - "Rita" - "Limite" - "Movimento"

Preferida - os vinte segundos de "A Portas Fechadas"

Nota - 2


Todos os Lados - Polygram 1989

Autocritica é ok e eu gosto. Percebendo que a carreira estava indo para o buraco, a banda procura sanar seus principais defeitos. A primeira decisão é confiar a produção totalmente a Marcelo Sussekind, ex-guitarrista da banda hard farofa Herva Doce e produtor de álbuns como "Vida Bandida" de Lobão (não a toa, o álbum hard rock do grande lobo). Ao contrario do álbum anterior, em que Marcelo apenas gravou, não produziu, aqui ele adiciona peso nas guitarras que contrabalaçam com batidas eletrônicas inspiradas nas bandas inglesas da virada da década. A segunda decisão é melhorar as letras. Com isso, Humberto Gessinger dos Engenheiros do Hawaii passa por telefone a letra bacana de "Olhos Abertos" e o poeta Jorge Salomão surge com "Sem Direção", mas a grande sacada é a admissão de Alvin L (da banda carioca Sex Beatles) que, de cara, assina sete letras. Mesmo soando descaracterizadas, as dançantes "Mambo Club" e "Vênus em Pedaços" são boas. De um argumento de Renato Russo finalizado por Alvin, surge a tocante "Belos e Malditos". Se Alvin acerta na maioria do álbum, na faixa título ele soa estranho quando escreve que "todos os lados ficam de frente" (??). No geral, as decisões surtem efeitos. O único pecado é uma fraca versão de "2001", clássico dos Mutantes.

Sucessos - "Mickey Mouse em Moscou" - "Belos e Malditos" - "Todos os Lados"
Melhor Música - "Belos e Malditos"

Pior Música - "2001"

Preferida - "Olhos Abertos"

Nota - 7


Todos os Lados - BMG 1991

O primeiro sinal que a banda parecia não estar confortável aparece na capa, horrível. Para quem só havia feito capas legais, alguma coisa estava errada. Esse descuido, ao menos, não reflete na parte musical, afinal, é aqui que a banda encontra a essência de seu verdadeiro som: rock and roll com pitadas pós punk e baladas. A produção fica a cargo de Reinado Barriga, com experiência por ter produzido quase todas as bandas gaúchas nos anos 80, incluindo Engenheiros, Defalla, TNT e Garotos da Rua. O álbum abre com uma gaita na bacana "21", excelente letra de Alvin (que ainda assina, entre outras, a balada rock "Kamikase" e a genial "Todas as Noites"). Segue com um versão mais leve, porém aceitável, do hit "The Passenger" de Iggy Pop, traduzida ao pé da letra como "O Passageiro". Boas baladas (rápidas, como a citada "Kamikase", e lentas, como "Noite e Dia" e "Cai a Noite") se destacam, mas a grande canção do disco, e uma das melhores coisas que o Capital Inicial já fez, é "Todas as Noites". Uma excelente letra de Alvin em um arranjo que mistura as guitarras pesadas e com toque grunge de Loro Jones com a bateria dançante de Felipe Lemos.
Ponto fraco: "Auá-auá!!!", resposta de (adivinha) Fê Lemos para o sucesso "Aa Uu" dos Titãs. Dispensa comentários.

Sucessos - "Todas as Noites" - "Kamikase"
Melhor Música - "Todas as Noites"

Pior Música - "Auá-auá!!!" - "Chamando Todos os Carros" - "Dance Animal Dance"

Preferida - "Todas as Noites"

Nota - 6


Vertigo - Rock It 1993

O desconforto que se prenunciava em "Eletricidade" causou baixas na banda. Bozo Barreti deixou o grupo em 1992 e, meses depois, foi a vez do vocalista Dinho Ouro Preto deixar o barco para embarcar em um outro projeto: o Vertigo. Quer um resumo da banda? Então vamos lá. Numa resenha ferina e irônica sobre o álbum "Titanomaquia", em que os Titãs embarcavam na onda grunge quatro anos após o bonde ter passado, o jornalista André Barcinski "psicografou" (sic) uma pseudo-conversa dos titãnicos sobre o rumo do então novo disco. Nesta conversa, um dos tiãs dizia: "Mas será que (fazer um disco grunge) vai dar certo?" enquanto outro respondia. "Vai sim. Até o Dinho está usando calças rasgadas e tatuou 'eu sou roqueiro' na cabeça". O som é exatamente isso, um rascunho grunge desinspirado. O projeto Vertigo foi produzido por Dado Villa Lobos, saiu pelo selo do legionário, o Rock It, e durou poucos meses resultando em álbum totalmente irregular. Dinho saiu do Capital mas levou consigo Alvin. O parceiro assina quase todas as letras, e quase todas escorregam de forma sofrível para o auto-retrato politico/junkie/burguês, como "Freiras Lésbicas Assassinas do Inferno", "Avenida Paulista" e "Suzi Suicida". Salva-se a balada "Inverno" (ainda inferior a versão que Alvin gravou em seu disco solo, 1997) e uma curiosa versão para "Hush", da primeira fase do Deep Purple, com Mauricio Barros, ex-Barão Vermelho, nos teclados.

Sucessos - nenhum
Melhor Música - "Inverno"

Pior Música - "Freiras Lésbicas Assassinas do Inferno" - "Suzi Suicida"

Preferida - "Inverno"

Nota - 4


Rua 47 - Qualé Cumpadi? Records 1994

Com a saída de Dinho, o trio remanescente colocou um anúncio na rádio 89FM de São Paulo a procura de um vocalista. A escolha foi Murilo Lima. Com o novo vocal, a banda lançou por selo próprio o álbum "Rua 47", balisado pela guitarra pesada de Loro Jones que em shows ainda com Dinho brincava com o riff de "Enter Sandman" do Metallica. Tematicamente sombrio, o álbum não deslanchou, mas permitiu a banda uma sobrevida de shows. Um pouquinho melhor que o projeto Vertigo, "Rua 47" é filho legitimo do "Black Album" do Metallica. Fê Lemos alterna viradas querendo mostrar que tem baquetas para ser um Igor Cavalera (hehehe, brincadeira, mas que ele devia achar isso, ah, devia) e Loro Jones coloca as guitarras em primeiro plano. O rascunho metal/grunge/punk rende boas canções como a faixa título (de clima Sabbath, ou seria Soundgarden?), a hardcore "A Lei da Metralhadora" e a melhor faixa do álbum, "Desdêmona". O grande problema é que mesmo faixas passionais como "Pique-Esconde" ("Me entrego aos seus braços / Me estrague com seus laços / Faça de mim o que você quiser") e "Separação" perdem-se em arranjos exageradamente pesados. E a mistura de peso com a tentativa de rock and roll básico rende canções pifias como "A Saga do Homo Babaca".

Sucessos - nenhum
Melhor Música - "Desdêmona"

Pior Música - "A Saga do Homo Babaca" - "Danação"

Preferida - nenhuma

Nota - 4


Dinho Ouro Preto - Rock It! 1995

O melhor filho da separação do vocalista com o Capital, o álbum "Dinho Ouro Preto" finca base na eletrônica e na produção do iuguslavo Suba com excelente resultado final. As letras de Alvin estão mais leves e, assim, geniais. A abertura arrastada com "Irresistível" ("Eu achava que era o crime perfeito / Eu tinha o mundo na palma da minha mão / Eu achava que eu tinha o direito / Orgulho com um ponto de exclamação / Maior, melhor / Se fosse um dia / Seria Domingo") e a pop "Alguém Como Eu" são excelentes exemplos. O amigo Renato Russo cede uma música ("Marcianos Invadem a Terra", até então inédita e bem melhor que a versão voz/violão contida no álbum "Uma Outra Estação" da Legião Urbana), assim como os parceiros Frejat e Dulce Quental (a dispensável "Ao Som de Um Tambor"). Risco maior: Dinho faz uma versão eletrônica para "Castles Made Of Sand" de Jimi Hendrix e o resultado fica ótimo.

Sucessos - nenhum
Melhor Música - "Marcianos Invadem a Terra" - "Alguém Como Eu" - "Castles Made Of Sand"

Pior Música - "Echo"

Preferida - "Alguém Como Eu"

Nota - 6


Ao Vivo - RB Music 1996

Gravado em Santos, terra do novo vocalista Murilo, no verão de 96, o Capital Inicial transforma seus principais hits em hard rock de arena. Se o resultado beira o interessante em alguns casos ("Fátima", "O Passageiro", "Mickey Mouse em Moscou"), em outros causa estragos irreversiveis ("Música Urbana", "Veraneio Vascaina"). Nas baladas ("Fogo", "Belos e Malditos", "Kamikase"), fica visível que na comparação, Murilo perde de longe para Dinho. Das 15 canções, apenas uma de "Rua 47" (a fraca "Projetos Engavetados"), uma inédita de Murilo Lima (a bluezy "Jiboias Bar") e uma cover imperdoável de Caetano Veloso (a terrível "Podres Poderes"). De bônus, duas faixas gravadas em estúdio que superam e muito o repertório do álbum anterior. "Sera Que é Amor?" e "A manhã" abandonam o peso de "Rua 47" e pareciam vislumbrar um futuro promissor.

Sucessos - nenhum
Melhor Música - "Será Que é Amor?"

Pior Música - "Podres Poderes"

Preferida - "Será Que é Amor?"

Nota - 4


Atrás dos Olhos - AAbril Music 1999

Poucas vezes dá certo, e esse disco entra no quesito "exceções". O Capital retoma a formação original e longe de apelar para ao vivo ou acústicos, solta um excelente e inspirado álbum de inéditas, disparado, seu melhor disco desde a estréia. Gravado em Nashville e trazendo o plebeu Phillipe Seabra tocando guitarra em "Religião", "Atrás dos Olhos" destaca as parcerias com Alvin, como a garageira "1999" e as baladas inspiradas "Terceiro Mundo Digital" e "Eu Vou Estar". O Viper Pit Passarell libera o hit "O Mundo". Abuso maior: uma regravação pesada de "Assim Assado", clássico dos Secos e Molhados. Não estragou a original, mas ficou estranha. Mesmo assim, uma excelente volta.

Sucessos - "O Mundo" - "Eu Vou Estar"
Melhor Música - "Terceira Onda Digital"

Pior Música - nenhuma

Preferida - "Terceira Onda Digital"

Nota - 8


Acústico MTv - Capital Inicial 2000

De bem com a vida, a banda encara um "Acústico MTv" e realiza um dos melhores álbuns da série. Se em discos de carreira a banda alterna altos e baixos, a reunião dos principais sucessos só poderia render um belo projeto. E rendeu. Não bastasse os "clássicos" da banda, duas inéditas de alto nível ("Tudo Que Vai" e "Natasha") e uma cover de Kiko Zambianchi ("Primeiros Erros") que também participou do disco.
Outra participação especial surgiu com Zélia Duncan, que divide os vocais em "Eu Vou Estar".

Sucessos - Praticamente todo o disco. A gravadora mandou promos mensais para as rádios com uma música de trabalho. Em dado momento, após o oitavo single, decidiu mandar o álbum inteiro de uma vez.
Melhor Música - "Tudo Que Vai"

Pior Música - nenhuma

Preferida - "Fátima"

Nota - 9


Rosas e Vinho Tinto - Abril 2002

"220 volts" abre o disco com guitarras chupadas de "O Eleito", música de Lobão. Na seqüência, "A Sua Maneira" é uma versão de uma versão de uma música que os Paralamas do Sucesso haviam gravado no excelente "Nove Luas", original da banda argentina Soda Stereo. A suavização da canção não honra nem Paralamas nem Soda Stereo. Passado o desconforto inicial causado por estas duas canções, o Capital Inicial preenche o resto do álbum com aquilo que sabe fazer melhor: baladas rock. Apesar da introdução com guitarra distorcida, a levada de "Como Devia Estar" é leve, como praticamente todo o resto do álbum, exceções de "Quatro Vezes Você", tentativa pueril de retratar o cotidiano classe média alta (como no projeto Vertigo), e a bacana faixa título em levada punk rock inspirada. Pinta como um acústico volume 2 e não há problema nenhum nisso. Alvin L assina onze canções, o que eleva a qualidade do álbum. Como um todo, "Rosas e Vinho Tinto" está um passo a frente do álbum anterior de estúdio, e surge como um dos melhores álbuns da banda. Um segunda versão do disco acrescentou ao repertório as faixas "De Música Ligeira" e uma versão acústica de "Olhos Vermelhos".

Sucessos - "A Sua Maneira"
Melhor Música - "Pra Ninguém"

Pior Música - "Olhos Vermelhos"

Preferida - "Rosas e Vinho Tinto"

Nota - 8


Obs. Com exceção da canção "Descendo o Rio Nilo", primeira versão, toda a discografia acima já foi lançada no formato digital. Os quatro primeiros álbuns foram lançados em um box e não são vendidos separadamente. A trilha sonora do filme "Areias Escaldantes", "Eletricidade", "Ao Vivo" e "Dinho Ouro Preto" são fáceis de achar em sebos e boas lojas. Já, Vertigo e "Rua 47" são raridades. Os três últimos álbuns podem ser encontrados em qualquer megastore ou bar da esquina.

Links
Site Oficial do Capital Inicial