Pipodélica
por Jonas Lopes
http://yerblues.blogger.com.br
08/07/2003

Quarenta e duas praias, inúmeros pontos turísticos, uma beleza tropical encantadora... se existe algo pela qual Florianópolis nunca foi lembrada é por ter exportado ao resto do país alguma grande banda de rock. E não é só uma coincidência ruim: com seu clima praiano e cheia de surfistas, a Ilha de Santa Catarina sempre respirou estilos mais "quentes", como o forró, o pagode e principalmente o reggae. Mas isso tem mudado nos últimos anos com bandas como Ambervisions e a Pipodélica alçando vôos mais altos na cena alternativa nacional. Com este empurrãozinho que faltava, inúmeras (boas) bandas surgiram na capital catarinense, como o Gas Pop, Jeans, The Dolls e Superbug, chamando a atenção do público e da imprensa.

Formada em 2000, a Pipodélica tornou-se em pouco tempo a principal banda da cidade. A primeira formação, com Carine Nath nos vocais, lançou o bastante elogiado EP "Tudo Isso" pelo selo local Migué. Completavam o time Eduardo XuXu (vocal/guitarra), o ex-Ambervisions Gustavo Cachorro (bateria), M. Leonardo (baixo) e Dode (guitarra). Dode e Carine deixaram a banda, que ainda contou com uma garota, Carolina, fazendo vocais em alguns shows. Os rapazes não se abateram, recrutando Felipe Batata para as guitarras e os vocais, agora divididos com XuXu. Em 2002 lançaram o segundo EP, "Enquanto o Sono Não Vem", que trazia canções que viraram clássicos nos shows, como "Bla Bla Bla" e "Não Sei o Quê!". Logo surgiu uma proposta do selo paulista Baratos Afins, que acabou os contratando. O resultado desta parceria é "Simetria Radial", primeiro disco da Pipodélica, que vem causando uma boa repercussão em todo o país. XuXu falou com o Scream & Yell sobre o disco, a turnê da banda em algumas capitais e a cena de Florianópolis.


S&Y: Como vem sendo a reação do público e da crítica ao "Simetria Radial"?

XuXu: Creio que bastante positiva. Basta ler as resenhas e reportagens a respeito ou ver o resultado nos shows. Interessante é acompanhar a reação de quem o escuta. Primeiro, a assimilação é difícil, mesmo já sabendo que há algo, digamos, diferente ali. E com o passar do tempo e de outras audições, as pessoas vão ficando bem empolgadas. É quase padrão. O "Simetria" é um disco bastante denso sonoramente, entretanto, é ainda mais forte em termos autorais. Isso parece ser pouco comum nos dias de hoje, ainda mais em se tratando de banda independente. Acho que é um disco que tem surpreendido as pessoas.

S&Y: O que vocês acharam do resultado final? Quais as diferenças do disco para os EPs? Parece estar menos pesado que o Enquanto o Sono Não Vem...

XuXu: Todos nós gostamos bastante do produto finalizado. Foi tudo conforme o planejado, desde a pré-produção. Ele demorou um pouco a sair, mas isso é outro problema. Sonoramente é inegável que é mais rico em texturas que o "Enquanto o Sono Não Vem". Isso não o faz melhor. Apenas retrata o que estava acontecendo com a gente na época. Acho que assim que a Carine saiu da banda houve a tendência natural de deixarmos as coisas mais diretas, afinal, eram quatro caras tocando nervosamente ao vivo, sem amarras. Gravamos o "Enquanto o Sono Não Vem" naquele clima. Já estamos estabilizados nessa formação, a definitiva. Todo mundo sabe que Pipodélica é o M. Leonardo, Cachorro, Batata e XuXu. Cada um de nós é uma parte do todo e não podemos forçar nada. Estamos amadurecendo, tendo outras experiências... O fato é que tudo está suavizando de novo. Assim foi o "Simetria", mais suave. E o processo continua. Nada pára. Estamos seguindo outros rumos 
naturais.

S&Y: Vocês não se sentiram tentados a regravar as faixas que acabaram entrando como bônus no disco, já que são hits nos shows?

XuXu: Não, porque nossos EPs são lançamentos oficiais. Que se dê tempo ao tempo, e outros hits virão desse disco e do próximo. Salvo exceções, por que regravaríamos músicas se queremos e podemos fazer outras?

S&Y: Como tem sido o trabalho com a Baratos Afins? A distribuição está legal? O Calanca parece ser muito fã de vocês.

XuXu: A Baratos Afins é um selo lendário. O primeiro independente. Lançou tanta coisa boa que eu poderia ficar algum tempo citando. Isso de alguma forma, avaliza o disco ou assim deve ser. Entretanto, por ser independente, a distribuição é complicada, ainda que eu tenha notado que atualmente há um interesse por parte de lojistas em contar com cada vez mais produtos independentes em seus estabelecimentos, esse movimento ainda é muito pouco evoluído. Na Baratos Afins sei que o disco vende muito. Mas também cabe a nós fazermos força pra que o disco seja vendido online e que chegue aqui nas lojas-referência. Podemos e devemos fazer isso aqui, em parte do sul. No Brasil inteiro, é impossível.

S&Y: A Pipodélica fez recentemente uma turnê por várias cidades do país, tocando inclusive em três festivais (o de 25 anos da Baratos Afins, em São Paulo, o Bananada, em Goiânia e o Senhor F, em Brasília). Como foram os shows e a recepção do público?

XuXu: Foi tudo muito bom. Cada vez que estamos saindo noto que o público, a imprensa e as bandas com que tocamos têm uma postura diferente em relação à gente. Nos respeitam demais. Respeitam porque conhecem o que fazemos. Por conta disso, surgem bons contatos e boas oportunidades. Quanto ao público, é incrível pensar que, tocando em Brasília e Goiânia (lugares que eu nunca tinha ido) haverá um número surpreendente de pessoas cantando letras até complexas inteiras do disco novo. E assim foi. Repercussão de que a tour foi um sucesso por meio da imprensa é uma coisa. Mas a comprovação vem aí, do show. Público ensandecido, cantando as músicas, comprando disco, mandando e-mail. Essa é a cereja do bolo.

S&Y: Os indies paulistanos parecem não ter gostado muito do show de vocês no festival Upload do ano passado. Alguém justificou isso me dizendo que vocês não faziam som pra indie ouvir. O que acha disso?

XuXu: De fato, teve gente que não gostou daquele show. Tivemos muitos problemas também. Eu tive que cantar sozinho porque o Batata estava afônico e os vocais em dupla são algo muito forte pro nosso som. Porém, houve muita gente 
que gostou. Isso é normal, prova que não existe unanimidade. E o perfil das pessoas que não gostaram é bem diferente do nosso, então soa natural. São pessoas que também não gostaram de Tom Bloch, por exemplo (que na minha 
opinião, foi um dos melhores shows do Upload). Gostaram de Forgotten Boys, Valv, Pullovers...  Enfim, perfis diferentes.

S&Y: Eu acho engraçado sempre que perguntam as influências da banda e vocês respondem que elas não vêm só da música, que vocês não ouvem música 24 horas por dia. Isso deve frustrar muito jornalista. Mas, independente disso, o disco tem um apelo bem retrô. Vocês ouvem bandas atuais ou apenas as mais antigas, como Mutantes, Syd Barrett, Beatles, Bowie?

XuXu: Como alguém que faz arte de verdade pode dizer que suas influências são tão limitadas? Na realidade, escuto pouca música. E isso não me faz ser pior compositor, instrumentista, arranjador, produtor ou qualquer outra coisa. Porém, trabalho bastante. E, por certo, há muitas formas de se trabalhar com música. Não só ouvindo e tentando reproduzir algo. Se isso frustra crítico, não posso fazer nada. Não vou mentir se me perguntarem. Quanto ao que ouvimos, cada um de nós tem gosto musical bem diverso. Mas, em geral, te garanto que ouvimos mais coisas atuais que antigas. Quanto a nossa sonoridade, não me parece correto qualificá-la com apenas um rótulo. Lançamos mão de diversas ambiências sonoras para criarmos o que julgamos adequado a cada música. Então, todas as rotulações que já nos deram (psicodelia, pop, garage, indie, oitentista, progressivo, e até jovem-guarda!) mostram-se por si só, naturalmente absurdas. É aquela velha história: tem que colocar em uma gaveta pra que se entenda. Acho que o ser humano pode ser um pouco menos limitado que isso.

S&Y: Como você avalia a atual cena alternativa em Santa Catarina e em Florianópolis, principalmente, em relação às bandas, lugares legais pra tocar e apoio da imprensa? 

XuXu: Eu vivo aqui e não penso em sair de forma alguma. Isso porque minha vida não se resume à música. Mas, nesses termos, não vivemos numa ilha por acaso. Creio que pelo fato de não termos tradição em revelar nomes consistentes, as 
pessoas que controlam as estruturas daqui são completamente desatualizadas e viciadas, parecem não enxergar um palmo à frente do nariz. Assim, o que impera por aqui ainda são as imitações das imitações. Gente que no ano 2003 está imitando o que o Rappa, Jota Quest e Charlie Brown Jr. faziam há 4 anos atrás. Esses subprodutos locais ainda são os mais badalados e explorados por rádio, TV, etc. Porém, alguns segmentos dessa estrutura mainstream (especialmente a imprensa escrita) parecem estar lentamente atentando-se ao o que acontece no mundo. E dessa forma, parcela do público também vem 
desenvolvendo uma crítica mais inteligente. As bandas que criam algo ou representam de fato alguma coisa inventiva começaram a pipocar por aqui. Estamos no começo da festa. Essas bandas têm público e muitas vezes apelo comercial. Que as ruínas então venham para o bem. Por sermos mais antigos e termos um trabalho avaliado como mais consistente, de certa forma, temos sido precursores disso. Me parece normal que, por esse motivo, tenha gente nos chamando de "queridinhos" da imprensa. Mas eu imagino que isso é força da ocasião. Banda boa por aqui na ativa, eu digo que tem Os Ambervisions em Floripa e Repolho em Chapecó. São bandas com experiência, conseguem ver seu papel no contexto musical e tem um trabalho consistente no planejamento, estética, etc. De resto, algumas têm potencial, mas não é possível vislumbrar mais que isso. Ainda são bem primitivas. Lugares legais... Bem, existe o Underground que é um local democrático bacana e que abre espaço pra todo mundo. Porém, fica nisso. Já que existe público pra ir a shows, então, bandas como nós e Os Ambervisions podem se apresentar em lugares grandes o suficiente que comportem esse público. Se as contas do evento pagarem o local, então está tudo certo.

S&Y: E em relação ao Brasil, que bandas têm lhe chamado mais atenção?

XuXu: Dentre as grandes, Los Hermanos e Mundo Livre são minhas preferidas. Falando de bandas independentes mais acessíveis, ou com sonoridades mais próximas do rock e pop, gosto muito das bandas do Rio e do Nordeste em geral. Leela, 
mim, Vulgue Tostoi e Lasciva Lula fazem o Rio ser destaque nesse cenário. Gosto de Wonkavision, Laranja Freak e Tom Bloch no RS. O show da Bidê ou Balde e Cachorro Grande são muito bons, bem como os dos Ambervisions e Repolho, daqui de SC. Do centro, o Phonopop é fantástico. Gosto também de Violins e, quando tocam em casa, Mechanics, Hang the Superstars e MQN fazem shows realmente imbatíveis. No estado de São Paulo, gosto dos Brilhantines.

S&Y: Você acha que hoje em dia existem melhoras na estrutura da cena independente nacional? O que precisa ser melhorado para que se atinja um nível legal de sustentação e profissionalismo?

XuXu: Estou certo disso. O ano passado não foi tão bom como este está sendo. E o ano que vem, vai ser ainda melhor. É o processo, o amadurecimento de todos que estão envolvidos com isso. Acho que esse processo de maturação e suas próprias dificuldades vão nos ensinar, até chegarmos num ponto em que uma banda será independente por opção e não por ser aquilo que lhe resta. E que ser independente não queira dizer ser amador. Isso passa por imprensa, público, produção de eventos e principalmente pelas próprias bandas.

S&Y: Quais são os planos da banda para os próximos meses?

XuXu: Bem, nós voltamos agora de uma tour pelo centro do país. Fizemos Curitiba, SP, Goiânia e Brasília em 4 dias. Estamos armando agora pra voltarmos ao Rio e fazermos Vitória, se possível. E nesse meio-tempo, seguem os shows aqui no interior e vem algo em Porto Alegre. Estamos compondo novas músicas e começando a planejar a gravação do segundo clipe do disco (já gravamos o de "Histeria Coletiva" em 35mm e antes foram feitos os clipes da "Valsinha #3" e "Blá Blá Blá"). Fazer clipe é algo bem divertido. Então, tem tudo isso. Muita coisa pra pouco tempo...

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Simetria Radial - Pipodélica (Baratos Afins)
por Jonas Lopes

1967 está de volta! Os tempos de lisergia, solos viajantes e barulhinhos estranhos estão bem presentes em "Simetria Radial", o primeiro disco da Pipodélica (após dois EPs). Mas a banda consegue a façanha de não ser prender somente a isso e, melhor, consegue juntar experimentação e teor pop de maneira louvável, atingindo um resultado que, apesar de complexo, é bastante acessível aos ouvidos tão castigados pelas atuais FM's. Onze equilibradas canções (além de uma música escondida, três bônus do "Enquanto o Sono Não vem", EP anterior, e o clipe multimídia de "Valsinha #3", de "Tudo Isso", EP de estréia da banda) cujos refrões grudam deliciosamente na cabeça. Afinal, isso é música pop.

Além de compositores inventivos, os integrantes da Pipodélica conseguem algo notável para o meio alternativo: serem bons instrumentistas. Porque parece que a cada dia isso é menos relevante, virou cool não saber tocar. Batata (guitarra) e M. Leonardo (baixo) são os que mais se destacam, com riffs competentes e solos que conseguem não beirar a chatice. Canções como "Memória Multicolor", "Meio Sem Fim", "Experiência Extracorporal" e a excelente "Tudo Em Preto e Branco" já são hits em shows, destacadas pelos duetos vocais de XuXu e Batata, marca registrada da banda. O lado psicodélico do disco se acentua em "Histeria Coletiva" e a barrettiana "...e o Sono Chegou". Ecos de Mutantes, Secos e Molhados e Graforréia Xilarmônica também são claros, mas sem prejudicar o lado autoral dos rapazes.

Mais do que um bom disco, "Simetria Radical" é a prova de que a Pipodélica é não só a melhor banda catarinense, mas também uma bela promessa para a cena independente nacional.