Wonkavision - Entrevista
por Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br

A FANTÁSTICA FÁBRICA DE BUBBLEGUM

Wonkavision: uma panorâmica muito louca e muito divertida sobre um mundo pouco usual e tão agradável quanto insólito. Ou uma banda de power pop que gosta da fuleiragem de moogs e sintetizadores diversos, mas também de uma melodia assobiável conduzida por guitarras que não perdem a chance de soar distorcidas. Pronto: duas maneiras de tentar especificar o som desse quarteto gaúcho.

O guitarrista e vocalista Will Prestes voltou de Los Angeles (EUA), onde tinha apartamento, carro e emprego bem-remunerado de publicitário, para vir morar no Brasil e montar uma banda de rock que pudesse sair do ostracismo que é o "ouvi falar". 

Seja com shows pelo Brasil ou com seus dois EPs ("Demo Disc #03" e o recém-lançado "Preview"), Will e seus companheiros - a baixista e vocalista Grazi, o baterista Kiko e a tecladista Manu (os dois últimos também fazem vocais de apoio) - o Wonkavision faz o possível para não passar para a "história" como mais uma banda cult à qual só jornalistas e meia dúzia de fãs garimpeiros (que curtem mais a idéia de ter um som pouco conhecido do que a música em si) têm acesso.

O Scream & Yell levou um papo com o articulado Will, que não se esquivou nem das perguntas mais abelhudas e rebateu todas as bolas com categoria, inteligência, bom humor e até um quê de sarcasmo. Características também do som de seu grupo.


S&Y - Qual é o propósito da banda? Onde vocês querem chegar pessoal e profissionalmente?

A Wonkavision quer tocar, tocar e tocar. Queremos gravar um CD também, sem ter que tirar dinheiro do nosso bolso. Queremos poder viver da música. Da nossa música.

S&Y - O nome Wonkavision foi tirado do filme "A Fantástica Fábrica de Chocolate", certo? Ele tem algo a ver com o som de vocês ou foi escolhido simplesmente porque soa bem?

Tem tudo a ver com a proposta da banda. O filme é muito colorido, porém com conteúdo às vezes sinistro. E é um pouco assim que vemos a Wonkavision.

S&Y - Segundo consta, você morou nos EUA por dois anos e largou emprego, apartamento e carro lá para voltar ao Brasil tentar a carreira com uma banda. Por que?

Primeiro porque ter a Wonkavision foi algo que sempre quis, sempre tentei, e na época me parecia o momento
certo para dar uma última cartada. E segundo porque felicidade traz dinheiro e não o contrário.

S&Y - Por que 2000 foi o "momento certo" para voltar? Pela agitação que rolava no Sul ou por razões mais pessoais?

Foram as duas coisas. Eu estava em Los Angeles, numa agência de propaganda, e não estava mais curtindo muito aquilo tudo. Saudade dos amigos, família e tal. E não era o que eu queria fazer o resto da vida. Eu sempre fiz mais ou menos o tipo de som da Wonkavision, e de repente, em 2000 começaram a surgir bandas no estilo, e o público estava ouvindo e gostando. Vi que era o momento.

S&Y -  Durante seu período nos EUA, você chegou a ter alguma banda?

Não. Foi uma época meio que de férias musicais. Ao menos em termos de composição.

S&Y - Já que o assunto é composição, fale um pouco mais sobre suas letras. Combinar John Fante, sexo em público e viagem à Singapura em uma mesma canção inteligível é bem pouco comum...

Nem tanto. Você está falando da letra de "PowerBossa". Que na verdade tem um tema semelhante ao de "O Plano Mudou", só que menos "psicopata". Acho que todas as pessoas têm aquele momento crítico onde querem mudar tudo ou simplesmente jogar tudo pro ar. Cada pessoa tem seus desejos secretos, aqueles que sonhamos em realizar um dia, mas que nunca pomos em prática porque estamos ocupados demais vivendo nossa vida padrão de casa-trabalho-trabalho-casa. É disso que fala "PowerBossa". Fala de pequenos desejos, do desapego às coisas que te prendem nesse mundo moderno padrão que vivemos.

S&Y - Nesse seu processo de retorno à terra natal, o que mais você deixou para trás, além das "coisas materiais"? E o que você ganhou?

Bom, eu tinha a vida feita em Los Angeles. Porém não estava feliz. Eu trabalhava em uma agência de publicidade e por mais grana que desse, não era o que eu queria fazer pelo resto da minha vida. Aqui, eu pude montar uma banda legal. Ainda não ganhamos a vida com ela. Mas com certeza levá-la paralelamente me deixa muito mais feliz.

S&Y - Estando ausente do país por esse tempo, como você fez para recrutar os outros três integrantes da banda?

Contatos. Eu queria tocar com gente nova, com gente que eu nunca tinha tocado antes em outras bandas. Então comecei a caçada. Levou 6 meses para conseguirmos ter o primeiro ensaio. E muita gente entrou e saiu até fazermos o primeiro show. No fim do ano passado, trocamos de tecladista. Agora tá bem fechadinho.

S&Y - O Wonkavision é uma "democracia" ou você é realmente o líder?

Acho que eu sou um tirano democrático. Tenho total consciência de que apesar de eu compor a maioria das músicas, a Wonkavision nunca soaria Wonkavision se a banda fosse com outros integrantes. Tem muita colaboração de todo mundo. Tanto no arranjo, como retoques nas letras etc. Todo mundo dá sua visão, eu apenas direciono. Eu e a Grazi direcionamos mais. Talvez pelo background mais rock.

S&Y - "Preview" é o segundo EP. Qual é a dele e no que ele difere da "Demo Disc #03"?

"Preview" tem uma produção mais cuidadosa do que o "Demo Disc #03". Nele conseguimos colocar em grande parte o que representamos ao vivo. Tem mais potência. Tem mais trabalho de banda. Na primeira demo, estávamos há muito pouco tempo juntos. O Preview é mais trabalho de equipe. 

S&Y - "Preview" soa exatamente como vocês queriam ou ainda falta algo?

Creio que são poucos os artistas que acabam um álbum e dizem estar 100% satisfeitos. Nós gostamos da sonoridade do Preview, mas ainda não é aquilo que idealizamos. Ainda falta recursos para atingir os 100% de satisfação.

S&Y - As músicas do primeiro EP foram disponibilizadas no www.mp3.com. Em que essa presença na Net ajuda a vocês?

Nossa divulgação na Internet é tudo. Jamais teríamos alcançado o público que temos tão rapidamente, se não fosse a Internet. Ela como um boca-a-boca mais fiel. É só mandar um mp3 que o recado está dado. E a pessoa tem o fácil acesso a mais informação em nosso site (http://www.wonkavision.com.br).

S&Y - São dois EPs totalmente independentes. Vocês não gostam de selos e gravadoras ou eles não gostam de vocês?

Nada contra. Mas o indústria fonográfica está numa super-crise no momento. Entramos em contato com selos e gravadoras, mas nada sólido e razoável se mostrou ainda. Daqui há pouco a paciência acaba e lançamos independente. 

S&Y - Nesse caso, como ficaria o "não gastar dinheiro do próprio bolso"? E a distribuição, problema-mor dos independentes?
Bom, esse é bem o plano B, né? Seria um investimento nosso. E em relação à distribuição, teríamos que bater em algumas portas. 

S&Y - Comenta-se muito que o pop nacional não tem espaço. Boas bandas não faltam, mesmo assim o consumo maior no mercado cultural parece ser do popularesco, não do pop. Você vê essa situação de forma semelhante ou acha que o problema é outro?

Isso é uma questão complicada que tem como personagens a cultura musical do brasileiro, a mentalidade das gravadoras e o mercado fonográfico nacional. Um mix desses elementos leva a um maior consumo de um gênero de música que não o pop rock nacional. Mas isso pode ser mudado, ou ao menos pode-se conviver com isso direcionando o enfoque ao público certo.

S&Y - Você acha então que pode existir uma segmentação maior para o rock que hoje está na independência e não é caricato como parte do mainstream?

Sim, exato. No Brasil tudo é programado em massa. Há pouca segmentação. E não somente na industria fonográfica. Característica de país sem dinheiro.

S&Y - Onde o Wonkavision se encaixa nesse mercado?

Difícil dizer. Estamos num limbo do mercado. Ainda não sabemos se não temos gravadora por causa da crise ou porque nosso perfil não se encaixa. Mas independente disso, o plano é criar nosso espaço. Nem que tenhamos que ativar o plano B e fazer tudo por nós mesmos.

S&Y - Pergunta inevitável numa banda com duas garotas: o assédio nelas não incomoda você e o Kiko?

Que nada! Deve incomodar os namorados delas, isso sim. 

S&Y - Will, para finalizar: por quê ter uma banda?

A pergunta deveria ser: por quê NÃO ter uma banda? É tri legal. Tu ganha ingressos de graça pra outros shows.

S&Y - OK, então, para fechar melhor: por quê não ter uma banda? Existe alguma boa razão para isso ou quem não tem uma está perdendo tempo? (risos)

Se você consegue ser feliz passando 12 horas do seu dia atrás de uma mesa em um escritório vestindo um terno careta, com uma gravata apertada, com um dia lindo lá fora, e um ar condicionado quebrado, e um chefe de mau-humor, em plena sexta-feira aumentando sua pauta, te obrigando a hora extra, sem realmente ganhar um centavo a mais no seu salário já pequeno, te fazendo chegar tarde em casa, sem a mínima disposição para sexo, com a sua esposa braba, por pensar que o serão é mentira, e que jura que o atraso é culpa da amante...bom...então não tenha uma banda e seja feliz do seu modo.



PREVIEW
6 faixas, 20 minutos, muita diversão
por Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br

O Wonkavision não é uma banda difícil. Tocam bem, mas não fazem firulas desnecessárias; tem boas sacadas nas letras sem soarem pedantes ou "engraçadinhos"; são pop sem ser vulgares e abusam de influências do power pop bubblegum mais underground dos EUA (ou seja, não parecem filhos chorões de Weezer e Rentals, apesar de haver influência). Eles têm até fãs famosos, do pessoal do Supertrunfo aos colegas do rock gaúcho, sem esquecer de Fernanda Takai, que faz questão de se declarar apaixonada por eles em praticamente todas as entrevistas que concede. 

Só que a banda ainda não é bem conhecida, falta espaço, blábláblá. Essa parte chata e repetitiva você já conhece, então vamos à música, certamente mais interessante que teses de mercado: "Preview" é o segundo EP deles e é melhor produzido e resolvido do que seu antecessor, "Demo Disc #03". Por enquanto, ambos só podem ser comprados através do site da banda, mas não se surpreenda se encontrá-los em breve na loja de sua preferência, já que o quarteto não quer permanecer na obscuridade.

Méritos para isso existem. "O Plano Mudou" é o maior deles, uma jóia dançante com letra suicida ("Não agüento mais trabalhar aqui/ (...) / Vou pular janela afora / Vou cortar meu pulso agora / Seja o que Deus planejou / O plano mudou"). Valendo-me da minha condição de professor, "testei" essa faixa com vários adolescentes e alguns adultos de classes sociais diferentes, e obtive aprovação sorridente da imensa maioria.

À exceção da fraquinha "Ah! É Assim?" (perdão, a letra é excelente), as demais faixas também têm refrões simpáticos e cativantes, duram o tempo certo para você não se enjoar da melodia, fogem de soluções óbvias e vão gradativamente aderindo à sua mente.

"Preview" é um registro muito bacana que vale por um álbum e instiga o apetite do ouvinte por shows e por um LP. E - felizmente - a banda ainda não é alvo de hype por parte de indies e/ou "modernos". Seu bubblegum é divertido, empolgante e descartável (isso é ofensivo? Por quê?) por natureza, e assim são os Wonkas. Uma boa referência é o Pato Fu do começo: uma banda talentosa e porra-louca, algo sombria, que cria a partir de um referencial evidente sem plagiar. Deixe as afetações de lado e curta a banda com prazer.

Leonardo Vinhas, 23, já jogou tudo para o ar ("PowerBossa"), pirou com um emprego bunda-mole ("O Plano Mudou"), teve rompantes de vaidade pensando em impressionar ("Nanana"), portou-se como um boçal ("Super-Homem"), estudou com gente igualzinha à protagonista de "Comprimidos" e fez juras como as de "Ah! É Assim?".