Faixa a Faixa Especial

Echo & The Bunnymen - São Paulo - 12/05/1987

por Marcelo Costa
Foto Echo em SP: Edson Gomes
2001

No início de maio de 1987 o Echo & The Bunnymen desembarcava no Brasil para um mini turnê que incluía, além de São Paulo e Rio de Janeiro, Porto Alegre. Os Bunnymen voltavam com a formação original, contando com o retorno do baterista Pete de Freitas, que havia deixado a banda um ano antes. Os shows do Brasil, além de ser um experimento para confirmar a união da banda, também serviria para testar ao vivo as canções do quinto álbum dos Bunnymen, conhecido como The Game, que quebraria um silêncio de três anos sem material inédito (a exceção do single Bring on The Dancing Horses).

Nem os quatro Bunnymen, nem o público e nem a critica estava esperando pelo que aconteceu. A Tour Brasil 87 do Echo & The Bunnymen é citada na biografia oficial da banda e seu líder, Ian McCulloch, conta sempre destes shows como alguns dos melhores que os Bunnymens fizeram em toda carreira. No fim do mesmo ano, em uma votação da critica especializada feita pela revista Bizz, os Bunnymen bateram o The Cure no quesito show (que ficou com o segundo lugar) por 44 votos a 19 (em um ano que ainda teve Public Image, Siouxie and The Banshees e New Order).

Se levarmos em conta que, em cima de um palco, os Bunnymen eram praticamente imbatíveis nos anos 80, sempre inserindo covers clássicas entre as clássicas canções originais da banda, o epíteto de "melhor show realizado em solo pátrio" ganha corpo e alma.

As vésperas da terceira passagem do Echo & The Bunnymen no Brasil, o S&Y remexe o baú, limpa a poeira da memória e conta como foi uma das mágicos apresentações dos Bunnymen na tour de 1987.


Texto perdido escrito em março de 2000

"Hoje é 12 de maio de 1987 e estamos prestes a presenciar um dos melhores shows de rock and roll do mundo. Nem eu, nem você sabemos, mas isso não importa. O ginásio do Anhembi está lotado e algo como um canto gregoriano serve de pano de fundo para a entrada da banda e eles entram como se fossem ensaiar, de tão sossegados.

A microfonia da guitarra começa e traz consigo Going Up, faixa que abre o primeiro álbum, Crocodiles, de 1980. Ian, inspirado, brinca com a voz cantando algo difícil de reconhecer por cima da microfonia, até o fim da canção. O público urra. Vem Rescue, até hoje, uma das melhores canções deles ao vivo. Will psicodeliza e Les e Pete acompanham. A viagem arrepia. Essas duas canções já valem a entrada mas o show nem chegou ainda nos dez minutos.

Ian agradece os aplausos, em português (obrigado), e anuncia uma new song, Bombers Bay. Impossível descrever. Em seguida tenta conversar com o público, mas só da para entender o 'good drink' referente a caipirinha bebida e My Kingdom, próximo clássico tocado. Ian canta muito. Alterna o tom de voz, grita e procura chamar a atenção para si mas Will parece impossível nos riffs de guitarra.

All That Jazz é a próxima e é a vez de Pete de Freitas demolir na bateria. O público parece não acreditar e não mais respira, flutua. Outra canção nova é testada ao vivo, Satellite, e parece um presente. A matadora Crocodiles é a próxima trazendo citações de Doors e Stooges.

Outra nova surge, a linda The Game. As palavras começam a faltar. Um violão inicia Seven Seas e aquela inesquecível linha de baixo parece mágica. Bedbugs and Ballyhoo, a próxima, traz como destaque Les Pattisson. O público reconhece o lado b do single de Brings e Les dá um show parecendo querer por o Anhembi ao chão com a linha de baixo. O público vibra.

A próxima Ian nem anuncia. E nem precisava. The Killing Moon mata, mais linda que a versão original. Depois de uma bela The Cutter e mais uma new song, Lost and Found, a festa parece que começa a virar sonho impossível. Ian brinca enquanto conversa com a platéia que grita Doors. Soul Kitchen vem como uma avalanche. O público não para. E nem a banda. Num crescendo mortífero, Ocean Rain hipnotiza.

O show está quase terminando quando outra cover nos faz imaginar como o mundo pode ser perfeito: It's All Over Now Baby Blue, de Bob Dylan. Magnífica. Ian está inspiradíssimo. Oferece caipirinha para a platéia, pergunta se estão gostando do show e apresenta mais uma canção inédita, New Direction.

Dizer que Ian está inspirado talvez seja desmerecer Will, Les e Pete o que é uma tremenda injustiça. Will dá um show de riffs e conduz a parte instrumental da banda como um maestro. Microfona, sola, um perfeito guitar hero. Pete e Les não ficam atrás. A bateria é crua, seca e forte. O baixo passeia pela atmosfera charmosamente. Que banda! A próxima é o épico morrinsoniano Thorn of Crows que só falta fazer a alma de Jim Morrisson descer dos céus e se ajoelhar frente a banda. A viagem continua com Over The Wall, alucinação pura. Do It Clean é a derradeira, cheia de microfonia e citações.

A banda sai e a platéia grita. Eles voltam. O público pede The Back Of Love mas Ian apresenta outra canção nova, Lips Like Sugar. O show vai caminhando para quase duas horas e Ian ainda grita como um apaixonado: 'sugar kisses'. O público delira. Ian volta a conversar com o público e propõe que eles contem o 'one, two three' para a próxima canção. O público topa e grita rápido (como querendo ouvir a canção depressa) onetwothree mas Ian pede, 'slow', e a nova contagem traz ao cabo Villers Terrace, sublime, quilômetros a frente da versão do álbum, se você conseguir imaginar isso.

O bis termina mas o público clama a volta da banda ao palco. E eles voltam mais uma vez. Ian entra brincando (novamente) com o público que delira ao reconhecer a introdução de Paint in Black, dos Rolling Stones. A derradeira (de verdade) canção final é Run Run Run do Velvet Underground e dá para imaginar um show terminando assim? Um sonho de mais de duas horas e meia. Um sonho de olhos abertos. Um sonho.

Bem, em 12 de maio de 87, na hora do show, provavelmente eu já estava dormindo, puto por não ter tido grana para ver os Bunnymen. Aquela altura eu já era um fã incondicional que tinha conhecido a banda em 85 quando comprei Ocean Rain e depois com a coletânea de pérolas pop, Songs To Learn And Sing.

Crocodiles acabava de ser lançado no país e só mesmo falta de grana para me fazer perder um show desses. Mas é claro que eu não imaginava que aquele seria "o" show. O próprio Ian começou a dizer tempos depois que os shows do Brasil estavam entre os melhores que o Echo and the Bunnymen já fez. É de se desconfiar. Mas ouvir o show (numa versão pirata - qualidade de som questionável - a lá Velvet Underground Live at Max Kansas City) inteiro 13 anos depois justifica a opinião do vocalista.

Que show. Que espetáculo! Passei os doze anos seguintes ouvindo falar desses shows com brilho nos olhos, como se falassem de um sonho. Quando o Echo anunciou a vinda ao Brasil em 99 as comparações foram inevitáveis. Mesmo assim lá estava eu num Via Funchall lotado, sonhando acordado. Um belo show. Sai de alma lavada. De alma lavada, mas mãos sujas afinal, por mais que tenha sido um grande show, a lembrança de 87 sempre me acompanhava, como a saudade do que a gente nunca viu e nem sabia que existia.

Nessa semana chegaram em minha casa, por intermédio de um amigo, dois tapes contendo a apresentação que foi descrita acima. Raridade é pouco. E lá pelo meio eu me peguei chorando. Pode até parecer piegas mas eu chorei. E só quem gosta realmente de música pode sentir uma sensação dessas, pode entender isso sem se envergonhar. Só quem se emociona com o mistério e a magia das notas musicais pode entender isso. É impossível descrever. É como voltar no tempo. Mas é impossível voltar no tempo. Alguém dúvida? Por algumas horas, no dia 22 de março de 2000, eu me desloquei para 12 de maio de 1987. E foi emocionante".


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