CALMANTES COM CHAMPAGNE
Universo em Expansão?
por Marcelo Silva Costa
Especial para o Coquetel Molotov
Agosto de 2003

Desde criança que eu sempre achei estranho esse papo de que o planeta Terra gira ininterruptamente e que nós, nesse girar incessante, nem percebemos. Detalhes da maravilhosa ciência, a mesma que está retomando a teoria de que o universo se expande, e que a parte visível do Universo é considerada uma pequena fração de um Universo muito maior. 

Ok, se de um lado, a coisa se inflaciona, de outro, se retrai. Sim, o babaca aqui está teorizando o Universo para falar de música pop (yep, o perfeito astronauta). E nem é música pop mundial (seria preciso um livro para analisar todas as correntes atuais), e sim nosso micro cenário independente.

Independente? Alternativo? Hummmm... há controvérsias. O fato principal é que a música popular brasileira vive um momento particularmente suicida. Isso mesmo, suicida. A culpa, claro, é do dono de gravadora, aquele cara que fica sentado numa saleta com ar-condicionado rodeado de discos de ouro e platina. Esse nosso amigo é o culpado pela falência da música no Brasil. 

Fim de 2001 e lá está o jornalista encarando uma pauta em lojas de instrumentos musicais. No bate papo com o lojista, o desabafo, perfeito: "Cara, a indústria está matando a música no Brasil. Essa coisa de sertanejos, pagodeiros, Sandy & Júnior, é um atentado. E eu não digo isso por gosto pessoal. Siga meu raciocínio. Um cara que cresce ouvindo estes artistas, não tem em que se espelhar. É diferente de duas décadas atrás. Você tinha roqueiros, por exemplo, que faziam no palco coisas que você sonhava fazer. Então, se o Jimmy Page tocava guitarra, você ia e comprava uma guitarra para tocar como ele. E assim por diante. Chegava uma hora em que você montava uma banda e, de repente, o cara era tão famoso quando o Led Zeppelin. Agora não tem como ser assim. O moleque vê um desses sertanejos tocando, gosta, admira, mas aquilo não o faz querer ser como esse cantor. Ele vai comprar o que? Um microfone? Não há mais aquela coisa do cara montar uma banda para querer ser como o ídolo e, depois, acabar descobrindo sua própria identidade musical. As coisas surgem tão mastigadas hoje pela indústria que o máximo que pode acontecer é uma réplica de Sandy & Junior, Daniel e outros. É uma lástima.". Fecha aspas. 

É claro que o lojista está vendo, no depoimento acima, o seu lado. Mas há muito o que se destacar nesta declaração. O principal é que quem faz música por prazer está sendo relegado ao segundo escalão, ao esquecimento, à margem da mídia. Ou você segue a lei das gravadoras ou está ferrado. 

Está mesmo? Outro ponto que gera muita controvérsia. E aqui entra a cena independente. Bom, mais do que qualquer coisa, temos que entender que cena independente é algo que começou à margem da indústria por não se encaixar no mercado e hoje é algo que surge como uma ideologia. É claro que, no mundo moderno, tudo está posto a venda, até mesmo as ideologias. 

Bem, mas se existe uma cena independente a margem do grande mercado, também deveríamos ter o contrário, também conhecido como mainstream. Deveríamos, mas não temos. O fato é que, se o Universo está mesmo em expansão, é só ele. A cena de música popular no Brasil está cada vez mais retraída, veículo de poucas e escolhidas (a dedo) pessoas. 

É claro que a porta se abre para os ídolos remanescentes dos anos 80. E só para eles. A idéia de rock nacional hoje em dia sobrevive apenas em guetos, ao menos nos grandes centros. Excetuando a região sul, principalmente a saudável Porto Alegre, o resto do país é refém de jabás e marketing. Só toca o que o dinheiro paga. A voz do povo deixou de ser a voz de Deus. 

Dessa forma, bandas que teriam grande apelo popular (nomes como Penélope, Autoramas, Bidê ou Balde, Leela) não conseguem furar o bloqueio das grandes corporações. Isoladas em seu próprio universo, acabam amparadas pelo cenário alternativo. Tudo piora se pensarmos que no Brasil não há espaço para uma cena alternativa. Os lugares para show ou são macro (casas luxuosas e enormes) ou lixos (casas pequenas sem nenhuma infra). Não há o pensamento do meio termo. Num mundo cada vez mais voltado para a identificação de pequenos grupos/segmentos, a ala da música parece abandonada (quem te viu, quem te vê). 

É tudo questão de princípios, acredito. Ou de classificação da sociedade. Temos a elite e a ralé (nem tão ralé assim, já que muitas vezes ela é muita mais inteligente em propostas que a camada superior). Os alternativos (termo que já não designa muita coisa, afinal, Elomar, o mestre caipira, é muito mais alternativo que, digamos, Thee Butchers Orchestra) caminham em um pequeno corredor balizado por uma série de festivais que buscam a luz da mídia. As bandas vão, tocam, são elogiadas e desaparecem. Onde comprar cd? Qual o contato mais fácil? Respostas quase sempre complicadas demais para uma massa cada vez mais guiada pela facilidade (aperte aqui e ganhe 10 quilos de felicidade por tanto dinheiro – frases diretas – faça, compre, leve, ganhe, pegue).

Desse modo, alternativo acaba sendo alternativo porque fica cada vez mais restrito há um público cada vez menor. Cada vez menor porque, assim como o Universo, a massa não pensante também está em expansão. Que graça vai ter montar uma banda para tocar para os familiares? Que graça tem não poder fazer um show em tal lugar porque amanhã de manhã você tem que bater ponto no trabalho?  

Mais do que qualquer coisa, o alternativo também é vendável (todos aprendemos a lição Nirvana, certo). Tudo é vendável nesse mundo maluco. Até mesmo a rebeldia. O que é alternativo? Hummm, sinceramente, eu não sei. Nesse marketing em que a máxima é conhecer os grupos mínimos, alternativo é só mais um chavão preguiçoso que delimita artistas que não tocam em rádio por serem fora dos padrões. Quais padrões? Boa pergunta para um dono de gravadora. Com certeza não é qualidade...

E assim, o mundo gira, a Lusitana roda e a música popular brasileira segue cavalgando no lombo de uma égua pocotó. Lindo, não? 

maccosta@hotmail.com


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