CALMANTES COM CHAMPAGNE
Um CD e sete PSs

por Marcelo Costa
05/10/2002

Você está fodido com o mundo. Tudo está errado, tudo dá errado, se não há nenhum túnel a vista, imagine luz. A vontade real é de ir a merda, como traduz genialmente o personagem principal do filme argentino O Filho da Noiva

Ai, numa quebrada qualquer você encontra Hector Bonifacio. O cara é DJ de uma rádio imaginária onde o rock vive e não morre. Bonifacio rasga-se em elogios por uma banda de rock. A porrada que vem a seguir é capaz de lavar almas. Nome: Queens On The Stone Age, banda daquele baixista que quase foi preso no Rock In Rio por tocar pelado e que ficou famosa por enfileirar narcóticos e alcoólicos em uma canção de seu disco anterior. 

O disco novo, apropriadamente chamado Songs For The Deaf, é a redenção do rock como música, estilo de vida, desagregador social, catalizador de almas rebeldes. 

É um disco para quem conhece o lado escuro da noite, sabe com quantas garfadas se acaba um prato de comida, quanto álcool na goela nos faz vomitar e quanto controle é preciso para não afundar otários na lama. 

Se você está fodido com o mundo, está é a sua trilha sonora. 

Uma coleção de músicas que vai de rocks cadenciados com levadas metal (No One Knows), punk songs ensurdecedoras de estourar caixas de som e tímpanos desavisados (Six Shooter), baterias de dois bumbos batendo no estômago, cortesia Dave Grohl (First It Giveth), vocais insanos de Mark Lanegan (Song For The Dead - Hanging Tree) e canções que colam no ouvido e não desgrudam de jeito nenhum (Another Love Song - Go with the Flow). Dave Grohl (aquele) assume a bateria em todo o álbum, ritmando a porrada com breaks secos e uso constante de pratos. Mark Lanegan (aquele) canta três sozinho e divide o vocal com Josh Homme em outras duas. Nas letras, análises sem demagogia de assuntos variados, seja o amor ("I never told you it would last forever" canta Pete Stahl na excelente Another Love Song, alternando um riff inspirado com teclados setentistas), seja a imagem de Deus propagando a publicidade ("I know that god is in the radio / Just repeating a slogan / You come back another day / And do no wrong", canta Lanegan em God In The Radio), seja o fim do mundo ("Every dog has his day / I paid attention / Cost me so much to today" canta Josh em Sky Is Falling), seja a falsidade ("No more pictures, we ain't friends / It's raining in my room / There's blood in my spoon" diz a letra de I'm Gonna Leave). 

Na situação atual do rock mundial, a procura do novo Nirvana (uma bandinha que agrade a MTv, aos punks, aos rockers e aos titios), Songs For The Deaf afasta com muito barulho a etiqueta do Queens On The Stone Age que, assim, sobrevive aos hypes da indústria lançando o álbum mais inspirado e violento dos últimos cinco anos, pelo menos. 

Se você está fodido com o mundo, ouça Songs For The Deaf. Nem tudo está perdido.

Agora, se você acha que tudo está perfeito e que as coisas são como deveriam ser, vá ouvir o disco novo do Coldplay. Desisto de você.

Ps. Quem é Hector Bonifacio? Ouça o disco que você descobrirá...

Ps 1 - Disco bacana nacional nas lojas: Hate do quarteto de Glasgow The Delgados. Na linha do anterior, The Great Eastern, o álbum deveria se chamar Love de tão bonito que é, mas melhor deixar esses títulos para álbuns de bandas fofinhas, o que não é o caso do The Delgados.

Ps 2 - A se esperar, Nocturama, do Nick Cave. O disco sai só depois do carnaval, mas a lista S&Y já ouviu (todos agradecemos a querida Lara) e garante: discaço.

Ps 3 - Natal é uma porcaria.

Ps 4 - Champagne é cool.

Ps 5 - Caipirinha e praia são imbativeis. Alias, caipirinha é imbativel em qualquer lugar, em qualquer hora.

Ps 6 - O que eu estou ouvindo no momento? A caixa Nomes com quatro cds de Chico Buarque... sei que não interessava, mas me deu vontade de dizer (tsc tsc tsc)

Ps 7 - Vá pro inferno, Joe Strummer. Com tanta gente feladaputa para morrer antes, como você nos abandona assim, aos 50. Bem, esse colunista abre o coração, enche os olhos, tenta lembrar da primeira vez que ouviu Clash (e não consegue) mas já disse, milhares de vezes, e volta a repetir com menção especial: Clash, a melhor banda de todos os tempos. Descanse em paz, meu velho. Você vai fazer falta. 

Marcelo Silva Costa - maccosta@hotmail.com


Leia as colunas anteriores

#1 - Entrevista
#2 - O Futuro da Internet
#3 - Álvaro Pereira Júnior
#4 - Coldplay, Travis, Starsailor