"Embriagados de Amor"
por Drex Alvarez
21/05/2003

Que tal um programa romântico? Sair do trabalho, encontrar sua menina e levá-la ao cinema para assistir a estréia da semana, um filme que responde pelo singelo nome de Embriagados de Amor (Punch-Drunk Love). Tudo perfeito, meu amigo, inclusive pelo saquinho de pipoca que você certamente comprou pra ela. Tudo perfeito, meu amigo, mas agora é que pega: está escrito que qualquer amor que resista à primeira metade de Punch-Drunk Love está fadado ao mais feliz dos finais. Mas não pense que a tarefa vai ser fácil...

Paul Thomas Anderson é um sujeito peculiarmente genial. Se preferir, pode-se dizer maravilhosamente estranho. Depois de ser responsável por dois novos clássicos do cinema, o épico-pornô Boogie-Nights e o indescritível Magnólia, sua intenção era realizar um próximo projeto simples, pequeno, sem o mosaico de estórias e personagens dos filmes anteriores. Só mesmo um sujeito muito estranho para, a partir dessa melhor das intenções, ter a idéia de escrever um roteiro especialmente dirigido a Adam Sandler, o atual astro do besteirol americano. Estranhamente genial, porém, é ele conseguir, depois de Mark Whalberg e Tom Cruise, novamente encontrar talento e dramaticidade aonde menos se espera.

Mas voltemos ao filme. Ou melhor, ao seu encontro romântico. A sua intenção para com sua alma gêmea era criar um clima agradável, fofinho mesmo, propiciando o surgimento de novas oportunidades vindouras. Embriagados de Amor parecia a escolha ideal, afinal, por classificação dos cadernos culturais, é uma comédia romântica. A sinopse também parecia adequada: sujeito introvertido, solitário e controlado pela família tem sua vida pacata e rotineira virada do avesso após algumas armadilhas do destino. Depois do baque, tem a oportunidade de encontrar a salvação nos braços de um novo amor. Estória digna dos maiores clássicos do gênero. O tiro parecia certeiro.

Infelizmente, nada é o que parece, meu amigo. Muito, mas muito cuidado mesmo ao entrar em um filme de P.T. Anderson. Tudo pode acontecer, e você já devia saber disso. Quando o tal diretor ainda cisma em dirigir Adam Sandler então, é melhor aguardar esquisitice grossa por aí. Como era de se esperar, a tal comédia romântica não era nada daquilo que seu encontro romântico gostaria de esperar.

Os primeiros quarenta minutos do filme são extremamente desconfortáveis. P.T. Anderson não dá moleza nem tempo para o aquecimento. Começa a desconcertar tudo desde o início, e a postura de Sandler, sua vida, seu trabalho, sua família, tudo é medíocre, neurótico e depressivo até a milésima potência. Como é de se esperar, tudo isso devidamente ressaltado pelas simbologias malucas de Anderson. E pelos acontecimentos surreais que começam a virar a vida de Sandler de cabeça para baixo.

Já não tinha clima pra namorar, aliás, nem encontrava posição confortável na cadeira. Mas que raios, será que não existem pessoas normais no mundo? Estamos todos condenados às paranóias, traumas, decepções e ataques de fúria? De quando em quando, em algumas cenas peculiarmente ácidas, risadas se espalhavam pelo cinema. Mas eram risadas nervosas, fugitivas. Como a vida do personagem de Sandler, tudo na tela era estranho, inadequado, nervoso.

Felizmente, Anderson é um otimista e acredita no amor. A redenção, pelo amor e através dele, já foi o tema central de Magnólia e volta aqui com força total. Assim como a idéia mais fascinante dos filmes de Anderson: a de que a tal redenção e o tal amor seguem regras tão padronizadas e são tão previsíveis como uma chuva de sapos. Apesar de tudo, de toda a neurose, violência e absurdo da vida atual, quando algo toca o coração, aí não tem jeito: que todos os problemas saiam da frente, há agora força para tudo.

Não conto mais para não estragar o final do filme. Mas digamos que a recuperação de Sandler, o como e o porquê (na verdade, o por quem...) por trás da virada que ele dá em sua vida, são tão singelos e belos que me fazem até esquecer o sofrimento da primeira metade da sessão. Mais que isso, me fizeram até mesmo ter vontade de ver o filme novamente, só para ver se o começo era tão massacrante mesmo. Mas isto já é coisa de cinéfilo masoquista.

Talvez  Anderson tenha exagerado um pouco na esquisitice desta vez. Mas, assim como nos encontro de amor, se você superar o início nervoso, tudo no final vai acabar muito bem. E o saldo, mesmo sofrível, torna-se bastante positivo. Uma coisa é certa: Embriagados de Amor é a comédia romântica mais desconfortável e esquisita que já assisti em toda minha vida. Se isso te atrai, vá em frente. Senão, melhor reconsiderar, ir até a locadora e alugar um filme da Meg Ryan.