INSTANTE ANTERIOR
A Fábula do Submarino à Deriva
por Bruno Medina

Desculpem, dessa vez escreverei sobre os Beatles. Para muita gente esse texto que aqui se inicia não passa de mais uma pretensiosa tentativa de explicar, de entender ou de opinar sobre o fenômeno que seguramente foi o mais importante acontecimento da estória da música no último século. 

Sim, talvez eu tenha me contagiado com a vastidão de idéias sugeridas pelas músicas do "Sgt. Peppers" ou do "Abbey Road", agora mesmo eu estava ouvindo esses discos e constatando como os conceitos presentes neles ainda são atuais. 

Não é necessário ser um profundo conhecedor dos Beatles (meu caso) para perceber a importância da existência dessa banda para a música que ouvimos atualmente: quatro jovens que perpetuaram para sempre sua marca e estabeleceram padrões que perduram até hoje; mas será que os Beatles eram gênios talentosos ou apenas a banda certa no lugar certo?

Muita gente diz que o mundo perdeu a crença na humanidade e a inocência depois das atrocidades nazistas da Segunda Guerra, eu digo que o que restou perdeu-se com os Beatles: os quatro puderam provar em parcelas iguais o fascínio do sucesso mundial e o desespero da falta de privacidade, tendo como testemunha os olhos do mundo. Todos daquela época assistiram
surpresos ao final precoce e no auge da banda devido ao mostro chamado fama que eles mesmos haviam criado. 

Uma carreira relativamente curta, repleta de sucesso e com um final melancólico. Não houve banda mais famosa que os Beatles e dificilmente haverá. Aquelas músicas, aquela época, depois deles
nada mais foi igual. Pensem que o surgimento dos Beatles se deu apenas dez anos depois daquelas transmissões ao vivo de concursos de dança pela tv onde jovens americanos estúpidos tiravam meleca em frente a camera, na cena que é tão comum nos filmes que retratam a América dos  anos 50.


A lendária aparição do quarteto de Liverpool no Ed Sullivan Show atendeu perfeitamente a demanda das emissoras e dos próprios telespectadores de encontrar alguma utilidade para aquela caixa grande e pesada que ocupava todas as salas americanas. Os Beatles eram a novidade interessante e com potencial para conquistar o mundo, justo o que era necessário para vender

mais aparelhos de tv. O "American Way of Life" do pós-guerra era o padrão mundial de qualidade de vida aliado ao gosto pelo consumo frívolo e os Beatles foram o melhor eletrodoméstico que poderia ter sido inventado: milhões de discos  e muitos outros produtos que se derivaram deles tais como filmes, bottons, cabelos no olho, terninhos e sei lá mais o quê vendiam como nunca sentenciando a banda a ser o Midas de sua época e de quebra um belo sinônimo da ideologia capitalista. Debutaram a indústria musical em larga escala, a música pop que toca no rádio, os shows em estádios, a histeria  e tudo isso é incrivelmente perceptível na música deles! Por isso eu me sinto perfeito para escrever sobre a banda, eu sou o espectador comum, aquele que mesmo mais de 30 anos depois do fim dos Beatles se assusta com as imagens desbotadas das franjinhas sendo engolidas pela multidão, da frustração dos mega-shows e da gritaria ensurdecedora que com o tempo se tornou insuportável.

Os Beatles foram de uma sinceridade poucas vezes demostrada na música e por isso mesmo deixaram um legado maravilhoso e impossível de ser repetido, e essa é uma das coisas que eu mais gosto na banda: a vulnerabilidade das músicas que eles faziam. É possível perceber nitidamente quando o Lennon estava puto com o mundo, quando eles estavam rindo de si
mesmos dizendo para nada ser levado tão a sério ou quando queriam explicar para a juventude, sem que os pais caretas soubessem, que "Lucy In the Sky with Diamonds" até que era legal se bem usado. 

Uma das imagens que mais me impressionam dentre as muitas impressionantes imagens que envolvem os Beatles, é aquela em que Lennon e Yoko estão na cama, rodeados de fotógrafos
querendo clicar e estampar para o mundo aquele estranho casal cabeludo e pelado, uma cena tão ordinária e ao mesmo tempo tão significativa. Aquilo foi um pedido de socorro pois recaiu sobre as costas dos Beatles a responsabilidade de serem os porta-vozes de uma geração, além de
estabelecerem o nível de exposição pública tolerável para um ser humano.

E eles foram até o fim, ou pelo menos até onde puderam, mas em 1971 o mundo já não era mais o mesmo. Já não era mais possível deixar de perceber que a América bacana da década anterior também era capaz de cometer atrocidades no Vietnã e que Woodstock era lindo mas nunca se repetiria da mesma forma. Jimi Hendrix morreu de forma estúpida e alertou para os riscos
de se viver intensamente aquela experiência até então inédita. Na minha cabeça o fim dos Beatles tem a ver com tudo isso e o último show no terraço da gravadora, que culminou com a prisão dos quatro, não deixou restar nenhuma dúvida de que já não era mais possível prosseguirem juntos, não era mais permitido fazer tanto sucesso assim. Apesar disso, dez anos depois veio a prova de que o fenômeno seria eterno e John Lennon morreu para mostrar ao mundo que o sonho tinha acabado.

Depois disso vieram os Michael Jacksons, as Maddonas, os Back Street Boys, todos fenômenos de venda e popularidade, nenhum que pudesse ofuscar os Beatles. Quando eles afirmaram que eram mais populares do que Jesus acho que não estavam se gabando; era apenas uma constatação, uma afirmação que deixou no ar  uma prestação de contas deles para o público, querendo saber quem era o mais responsável por aquilo tudo. Os Beatles foram famosos sem querer e é
exatamente isso que os fez mais famosos do que todos. Suspeitem dos fatos e opiniões citados acima, não tenho certeza de nada. Esse texto, assim como os Beatles, para mim foi uma fábula.

Bruno Medina, 23 anos, é tecladista da banda Los Hermanos e escreve neste espaço mensalmente.


Leia as colunas anteriores

#1 - O Latifúndio Musical e a Dinastia do Essencial
#2 - A Bola da Vez


Por que "Instante Anterior"? 

Conversando com uma amiga cheguei a conclusão de que a vida é a eterna iminência de algo bacana. Quando o que você mais sonhava acontece inevitavelmente você sonha com a próxima conquista e isso nos mantém vivos. Já viu um quadro do Hopper? Ninguém nunca retratou a eminência com tanto brilhantismo. Os quadros deles são como acordes tensos que não encerram uma música, como uma sétima maior que prepara o próximo acorde. "Instante Anterior" é mais ou menos isso. 


Sunday, de Edward Hopper, 1926. The Phillips Collection, Washington, D.C