INSTANTE ANTERIOR
A bola da vez
por Bruno Medina

A Video Hits acabou. Que pena, menos uma banda legal. Infelizmente quando se abraça a música como profissão dificilmente é permitido cometer erros. Eles mesmos não cometeram nenhum, mas erraram por eles. Lembro-me que quando "(vo)C" saiu como música de trabalho eu achei que a coisa iria embalar e que logo eles estariam precisando de conselhos sobre superexposição e outras armadilhas do sucesso. Hoje, pouco mais de um ano depois disso, a banda acabou. O que será que aconteceu? A estória que infelizmente nos é cada dia mais familiar: a música não tocou, o disco encalhou, o contrato expirou, e agora Video Hits?

Recentemente li uma entrevista com um dos integrantes da banda e ele falava sobre as dificuldades de passar 3 meses morando todos juntos em São Paulo e sobre shows com condições precárias que toda banda que está começando acaba tendo que fazer. É sabido que se enveredar pelo caminho da música nem sempre é um mar de rosas mas acho que para eles chegou aquele momento que todas as bandas temem, o momento onde alguém diz: "as coisas não estão acontecendo, e agora, o que a gente faz?" Daí para alguém arrumar um emprego com o tio ou
um estágio promissor sei lá aonde é rápido e a banda inevitavelmente deixa de ser prioridade. 

Vou contar uma estorinha: no início de 1999 comuniquei ao pessoal da banda que estaria me desligando do Los Hermanos em breve devido a minha formatura na faculdade e conseqüente necessidade de arrumar um estágio para ter esperança de um dia possuir uma carreira. O pessoal insistiu para que eu ficasse e eu topei ficar até o Abril Pro Rock, para ajudar a banda a
fazer o show completo e ter uma boa estória para contar no futuro. 

Acabou que o sucesso da nossa apresentação nos acertou um contrato e mudou radicalmente meus planos profissionais sendo que hoje sou músico em tempo integral (é estranho pensar que minha profissão atual se deve muito as lições de teclado que me pareciam tão inúteis vez ou outra na casa da Tia Léa quando eu era adolescente) e assim como muitos outros estou aí esperando
que alguma coisa de bom aconteça. Trabalhar com música é maravilhoso tirando os altos e baixos financeiros e a inexistência dessa categoria profissional quando se preenche fichas cadastrais.

Gostaria de estar mais otimista em relação a minha profissão mas acho que bandas sinceras como a Video Hits não sobrevivem muito tempo no "mainstream" . A cobrança implacável por resultados, a forma como as rádios se estabeleceram, tudo é muito difícil para quem não quer rifar a própria
música ou pelo menos seguir as "tendências". Eu odeio bandas que flertam com alguma coisa. Sabe essas bandas que flertam com o eletrônico ou com qualquer outro estilo? Longe de mim ser purista mas flertar é coisa de banda que quer conquistar novos mercados e está com medo de perder a identidade. Prefiro bandas que se apaixonam e que mergulham de cabeça no que estão curtindo no momento. Um cara que eu conheço uma vez me disse uma grande verdade: um
disco nada mais é do que o retrato de um momento na carreira de uma banda. É isso mesmo, são como peças de quebra-cabeça que apenas somadas formam a figura.

Mas se as bandas constróem suas estórias aos poucos a lógica do mercado é imediatista; a cobrança se aplica em cada disco, em cada música. Assim como nos casamentos em Las Vegas tudo está muito simples e padronizado: nos contratos atuais se especifica até que a banda terá direito a um video-clipe (agora isso também é algo para se batalhar) e o tempo para se dar certo é o quanto dura uma música no rádio, apenas uma. Será que isso sempre foi assim? Será que a Legião Urbana, o Capital Inicial, o Titãs e outras bandas que hoje tem 20 anos de carreira nunca tiveram uma música que batesse na trave?

Vejo o Pato Fu, uma banda com quase 10 anos de existência, com um disco excelente embaixo do braço e nenhuma música tocando no rádio, não dá para entender. Salvo poucas exceções, as rádios de hoje são uma vitrine de loja de "tudo por um real" onde o que se vê é a reedição do que um dia deu certo, só que de qualidade bem inferior. O sucesso é quantificado pelo número de semanas que a banda consegue resistir na programação da rádio, e não pela qualidade
do que apresenta. Pobre dos adolescentes que vão crescer ouvindo "a melhor banda de todos os tempos da última semana", comprando sempre o mesmo produto com embalagens um pouco diferentes. 

Das bandas indicadas por esse site como as que fizeram os melhores discos do ano passado nenhuma tem atualmente uma música sequer tocando nas rádios. Será que somos do contra ou o que é bom não funciona? Os critérios atuais para definição das músicas de trabalho seguem padrões conservadores e absolutamente relativos sendo que o formato pop, que já abriu tantos caminhos no passado, hoje se tornou um fardo pesado demais para algumas bandas. Tendo essa  lógica como padrão é bastante compreensível o fim da Video Hits e de muitas outras boas bandas que ficaram pelo caminho por não atenderem as exigências do mercado. No final dessa
equação injusta sobramos nós, órfãos de bandas competentes e inventivas, esperando mais uma daquelas voltinhas do rock que acontecem de 5 em 5 anos torcendo para que alguma coisa que preste seja a bola da vez e que dessa vez dure mais um pouco.

Bruno Medina, 23 anos, é tecladista da banda Los Hermanos e escreve neste espaço mensalmente.


Leia a coluna de março

O Latifúndio Musical e a Dinastia do Essencial


Por que "Instante Anterior"? 

Conversando com uma amiga cheguei a conclusão de que a vida é a eterna iminência de algo bacana. Quando o que você mais sonhava acontece inevitavelmente você sonha com a próxima conquista e isso nos mantém vivos. Já viu um quadro do Hopper? Ninguém nunca retratou a eminência com tanto brilhantismo. Os quadros deles são como acordes tensos que não encerram uma música, como uma sétima maior que prepara o próximo acorde. "Instante Anterior" é mais ou menos isso. 


Sunday, de Edward Hopper, 1926. The Phillips Collection, Washington, D.C