VIRADA CULTURAL 2007 EM SÃO PAULO
por Marcelo Costa
Fotos: Marcelo Costa e Liliane Callegari
Blog
07/05/2007

Especial Virada Cultural 2007 Para todos aqueles que se assustaram com as imagens de violência na Praça da Sé, na madrugada de sábado para domingo, durante o show dos Racionais MCs na Virada Cultural, é importante frisar que este incidente isolado não pode macular o grande acerto da programação que aconteceu na cidade de São Paulo de 18h do sábado até às 18h do domingo. Se as imagens fortes da madrugada de sábado lhe impressionam, a Revoluttion disponibiliza abaixo imagens dos cinco shows que assistiu durante o evento, alguns deles até já dão saudade, de tão sensacionais que foram. Nem tudo foi confusão em São Paulo. Houve, também, boa música e momentos históricos.

Paulinho da Viola, MIS, 00h15m

"Essa canção que eu vou cantar era uma das preferidas da minha avó. Ela sempre me pedia: ‘Paulinho, grava essa música de novo’. É uma parceria minha com o poeta Capinan, e a gente escreveu ela no Festival da Record, em 1966, e ela ficou com o terceiro lugar. É mais ou menos assim". E foi assim, contando histórias, que Paulinho da Viola encantou o público do MIS, em São Paulo, já na madrugada de sábado para domingo, na Virada Cultural.

O show previa 180 felizardos na platéia. Este público deve ter chegado aos 200, com muitas pessoas sentadas nos corredores laterais para prestigiar o grande sambista. O ambiente intimista só aumentou a cumplicidade (tímida) de Paulinho da Viola com seu público devoto. Ele, com a voz baixa, contando causos e buscando canções na memória, enquanto um trio de instrumentistas aguardava à hora de entrar no roteiro programado. "Eu sei que vocês estão ansiosos para tocar, mas me deixa lembrar esse samba".

E assim se seguiram improvisos (e histórias), como a deliciosa versão para "Jogando com o Capeta", de Moreira da Silva, e o samba "O Velório do Heitor", com Paulinho buscando a letra na memória, e divertindo a todos com a inusitada chegada da dama de preto no velório do respeitado trabalhador. Não faltaram clássicos: "Pecado Capital", "Sinal Fechado", "A Dança da Solidão", "Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida", "Coisas do Mundo, Minha Nega" e "Eu Canto Samba".

Entre os grandes momentos da noite, dois mestres e uma canção inédita. Contou Paulinho: "Eu estava na casa da Marisa (Monte), relembrando uns sambas antigos, quando o Arnaldo Antunes chegou. E ele é uma pessoa muito dócil e atenciosa. Uns dias depois eu fiz uma brincadeira. Deixei uma melodia minha, um samba antigo, anos 40, e pedi para a Marisa dar a ele, para que ele colocasse letra. Era uma brincadeira, e eu achei que ele não fosse aceitar. Uma semana depois a Marisa me liga: ‘Paulinho, aquele samba que você deixou já tem letra, e eu entrei como parceira’". Então ele tocou "Talismã".

Dois mestres marcaram presença no repertório do show: Lupícinio Rodrigues com "Nervos de Aço" (grande sucesso na voz de Paulinho) e Cartola, no segundo bis, com uma tocante versão de "Fiz Por Você O Que Pude", em que o sambista relembrou a história de que Cartola deixou de cantar a música, envergonhado, quando lhe disseram que ele havia colocado uma palavra errada no samba. "Muda a gramática, mas não o samba", brincou Paulinho da Viola, aplaudido de pé pelo público do MIS.

Maria Alcina, Teatro São Pedro, 15h

O charmoso Teatro São Pedro, datado de 1917, e localizado no começo da rua Barra Funda, recebeu a irreverente e divertidíssima performance de Maria Alcina, no meio da tarde de domingo. Acompanhada de um quarteto, a cantora centrou seu repertório em canções de Carmen Miranda, e presenteou o público com uma apresentação contagiante entre sambas-canção ("A Estrela Dalva") e as famosas marchinhas de carnaval, que culminou com Maria Alcina tirando uma pessoa do público para sambar no gargarejo.

Com várias trocas de figurinos e uma empolgação de menina que valoriza ainda mais seus 34 anos de carreira, Maria Alcina fez o teatro tremer ao som de dois de seus maiores sucessos: "Kid Cavaquinho", de João Bosco e Aldir Blanc, e "Fio Maravilha", de Jorge Ben, música com a qual ela estreou como cantora defendendo a canção em um festival, em 1972, e que retornou empolgante no bis, para fechar uma apresentação irreparável.

Garotos Podres, Rua Barão de Itapetininga, 13h15

"Nós estamos completando 25 anos... sem sucesso", contou o vocalista Mau, dos Garotos Podres, para uma horda de fãs punks que sabia de cor todas as canções que o grupo gravou neste um quarto de século em que está em atividade. Assim, na hora que anunciou sua primeira música censurada, a clássica "Johnny", a multidão foi ao delírio, e com punhos cerrados e corpos sendo jogados ao alto, cantou a história do rapaz desordeiro que veio parar no Brasil, "aquele país que está na corda bamba, que só tem carnaval, futebol e samba".

O show previa a apresentação completa do álbum "Mais Podres do Que Nunca", de 1985, mas a banda não limitou seu repertório, tocando canções mais novas como as versões de "Born To Be Wild" (vertida fielmente no refrão como "Nasci Pra Ser Selvagem", mas com uma letra sarcástica e divertida), "Ainda Vamos Aprender a Tocar Bossa Nova" e "A Internacional", este último um poema de Eugêne Pottier escrito em 1871. Mas as que mais agitaram o público foram as clássicas "Papai Noel, Velho Batuta", "Anarquia Oi", "Subúrbio Operário" e "Vou Fazer Cocô".

João Donato, Theatro Municipal, 21h

A fila ao redor do Theatro Municipal dava voltas, mas o show começou pontualmente às 21h, sem atrasos, com os 1580 lugares do teatro totalmente tomados. João Donato entrou no palco "donaticamente", vibrando com os aplausos calorosos, e se escondendo sobre o gorro de uma blusa. Assim que sentou ao piano, começou a desmascarar uma de suas obras primas, o álbum "A Bad Donato", de 1970.

Comandando a apresentação, Donato regia a banda na hora dos solos, tanto dos metais (Ricardo Pontes, no sax e flauta; José de Arimatéa inspirado no trompete; e Bocato sempre arrasador no trombone) como no baixo de Luiz Alves, na bateria de Robertinho Silva e nos efeitos do teclado de seu filho Donatinho, com pose de rock star que conquistou a platéia.

No repertório, além das canções do "A Bad Donato" em longos e matadores improvisos (como "A Rã", "Mosquito" e "Malandro"), também marcaram presença "Amazônia" (em uma versão acachapante), e "Bananeira", que finalizou o show com João Donato nos teclados, solando o refrão da música enquanto Donatinho martelava as mesmas notas no piano. Um dos grandes momentos da Virada Cultural, e da música popular brasileira neste ano.

Jards Macalé, 3h, Theatro Municipal

Quem esperava um teatro vazio às 3 da manhã para assistir Jards Macalé apresentar o repertório de seu álbum de estréia, se enganou profundamente. Tomado – novamente – pelo público, o teatro veio abaixo assim que o compositor apresentou os músicos de sua banda: Arismar no baixo, Robertinho na bateria e... Lanny Gordin, na guitarra. Nada mais lógico, já que Lanny gravou todas as guitarras e baixo do álbum "Farinha do Desprezo", debute de Macalé em 1972, uma obra-prima da música (im)popular brasileira.

O show seguiu a ordem do disco, abrindo com uma monumental versão de "Farinha do Desprezo", e manteve o êxtase do público em alta com versões acachapantes de "Revendo Amigos", "Let’s Play That", "Meu Amor me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata", "Farrapo Humano", chegando ao ponto mais alto em que um show pode chegar – musicalmente, liricamente e emocionalmente – nas versões de "Movimento dos Barcos" e, principalmente, "Mal Secreto", um momento mágico de beleza.

"Quando eu estive em Londres, em 1971, para gravar o ‘Transa’, do Caetano Veloso, eu comprei essa boina. Na volta, nós entramos no estúdio, eu e Lanny, e gravamos esse álbum que está sendo apresentado aqui. É bom saber que essa boina ainda cabe na minha cabeça depois de tanta porrada que eu tomei na vida", brincou Macalé, encerrado o show, no bis, com uma versão de "Vapor Barato". Histórico.