"Os Incríveis"
por Marcelo Miranda
Fotos - Divulgação

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23/12/2004

Final de ano não é só filme da Xuxa. Quando tudo parecia perdido, a Pixar coloca em cena sua penúltima parceria com a Disney. Este impressionante Os Incríveis não apenas mantém o padrão que já marca as animações do estúdio, como sobe um degrau a mais. A abordagem de personagens "reais" (no sentido de, pela primeira vez, não serem brinquedos, insetos, monstros ou criaturas do mar, mas gente mesmo) é o primeiro dos sinais de diferença, mas apenas um deles.

Os Incríveis passa longe de uma sátira aos super-heróis. É, sim, um autêntico filme de super-heróis, repleto de humor e piadas debochadas (algo como o inglês Todo Mundo Quase Morto fez recentemente com os filmes de zumbi). Fala de Beto Pêra, o Sr. Incrível, homem ultraforte que é processado por uma das pessoas salvas por ele por tê-la impedido de se suicidar. O governo, então, proíbe as atividades dos heróis, obrigando todos a se aposentarem. Beto, recém-casado com a Mulher-Elástica, abre mão de seus instintos em nome da lei.

Quinze anos depois, vemos o ex-Sr. Incrível, já pai de três crianças, enfurnado num escritório. Infeliz, ele sente a necessidade de ajudar, de exercer a qualquer custo o seu "super-heroísmo". Não hesita ao receber uma misteriosa missão e começa a agir às escondidas, sem que sua mulher suspeite. Obviamente ele vai criar, primeiro, um conflito familiar, para depois cair na aventura acelerada.

Interessante perceber que a Pixar mantém ao longo de todos os seus filmes (pelo menos nos longas-metragens) um tema recorrente: a presença da família como propulsora dos acontecimentos. Em Toy Story, vemos um garoto que vive com a mãe para depois conhecer os brinquedos dele, que ganham vida a cada ausência dos humanos; em Monstros S.A, a menina, de casa, onde mora com a família, vai parar no mundo de monstrinhos de armário; Procurando Nemo tem como premissa exatamente um pai viúvo em busca do filho, perdido no mar imenso; apenas Vida de Inseto foge um pouco dessa linha, mas ainda assim pode-se considerar aquela organização dos pequenos animais como uma grande e variada família de insetos.

Os Incríveis explicita essa temática ao colocá-la como mote principal. Beto é um frustrado, e nem seu casamento está fora de perigo por conta de sua agonia. Ao omitir para a esposa que voltou a agir como herói, ele desestabiliza o meio familiar, causando desentendimentos, tratados pelo filme de maneira muito bem-humorada, mas não tão longe do que acontece no nosso cotidiano. A família é o cerne onde se sustenta a trama, é da necessidade de mantê-la que o protagonista será procurado pela esposa (aliás, a busca é outra obsessão da Pixar: em todos os seus filmes, um personagem sai à caça de alguma coisa ou alguém, e no caminho vai descobrindo outros mundos e amadurecendo).

Como proposta de atingir o público infantil, Os Incríveis é igualmente bem sucedido. Beto Pêra, desde que largou o uniforme, vive à margem, não tem boa vontade para nada. Ele se completa apenas com o "super-heroísmo", com a atividade para a qual nasceu. Não pode negar sua natureza, ou a infelicidade vai surgir. Para a criançada, o discurso é óbvio: seja aquilo que seu instinto pede. Nada mais que uma idéia de vocação, de exercer o trabalho no qual se sente bem e faz a diferença. Siga sua natureza, não se meta em nada que não lhe sirva ou lhe traga insatisfação. O vilão da história foi um moleque que tentou ir contra a sua própria natureza e tornou-se um adulto tão frustrado quanto o Sr. Incrível, mas perigoso e mortífero. Se tivesse seguido a real vocação (construção de máquinas e invenções), não teria causado tantos problemas ao mundo ou a si mesmo. Quando os pais liberam o filho para correr nas maratonas da escola, mesmo ele tendo superpoderes, não estão fazendo nada além de deixá-lo seguir seus instintos e evitando futuros ataques de frustração.

Muito melhor do que a idéia elitista e consumista de O Expresso Polar, outra animação recente. Não apenas nisso Os Incríveis supera o filme de Robert Zemeckis. A própria forma de animar o filme é superior, em contraponto à pretensão de Zemeckis de tornar seus personagens os mais reais possíveis. O traço quase caricatural da Pixar convence dezenas de vezes além do olhar apagado e inexpressivo do garoto protagonista de O Expresso Polar – por mais que as propostas sejam diferentes.

Os Incríveis segura firme a qualidade da Pixar, e desta vez com ambições maiores: cheio de seqüências de ação explosivas, menos piadas que o tradicional e com discurso por vezes mais sério e cruel (o assassinato dos demais heróis), o filme cria um novo padrão para o estúdio. Certamente é o mais adulto e maduro dos já lançados desde Toy Story, e dificilmente o próximo, Carros (a última parceria Disney-Pixar, programado para 2006) vai superar Os Incríveis nestes aspectos.

Leia também:
O Expresso Polar, por Marcelo Miranda
Procurando Nemo, por Diogo Mattos

Site Oficial do filme Os Incríveis