"O Quarto do Pânico"
Por Leandro Miguel de Souza
leandro_pixies@bol.com.br

"Meg (no alto-falante): Dêem o fora da minha casa!!!
Sarah: Diga porra!
Meg: PORRA!
Sarah: Não mãe, "dêem o fora da minha casa, porra"!
Meg: DÊEM O FORA DA MINHA CASA, PORRA!!!!!!!!!!

Pois é, pessoal. David Fincher está de volta. Depois de provocar rachaduras na estrutura do establishment com o barril-de-pólvora chamado "Clube da Luta", o diretor vem (bem) menos subversivo, mas ainda com o poder de assustar e surpreender o espectador.  Com mais de dois meses de atraso, "O Quarto do Pânico" aterrissa nas salas tupiniquins, se tornando a aposta da Columbia Pictures depois da avassaladora passagem de um certo aracnídeo nos cinemas e preparando o público para seu próximo arrasa-quarteirão: o bobinho, mas legal MIB 2.

A sempre deliciosa Jodie Foster (em boa forma depois do fiasco "Anna e o Rei") e Forest Whitaker lideram o elenco desse moderno suspense antigo. Jodie (que aceitou o papel depois da recusa de Nicole Kidman) interpreta Meg Altman, uma mulher recém-saída de um divórcio conturbado e mãe da jovem Sarah (Kristen Stewart), de 12 anos e temperamento rebelde. Com o intuito de recomeçar a vida e retomar os estudos na faculdade de Columbia, ela compra uma mansão no chique Upper West Side, em Manhattan (com o dinheiro do ex-marido). As duas ficam fascinadas com o lugar, especialmente com uma pequena sala, o tal quarto do pânico. Esse cubículo aparentemente impenetrável, protegido por camadas de concreto e aço, funciona como uma pequena fortaleza contra invasores, com um sistema de monitoramento em vídeo, suprimentos e uma linha telefônica independente. 

A situação já se complica logo na primeira noite na casa, com a invasão de três ladrões (Forest Whitaker, Jared Leto e Dwight Yoakam), que buscam algo que está escondido no... aham... isso aí. Mas não contavam com a presença e a astúcia de Meg e Sarah, que se escondem no... lá mesmo. Aí então segue-se um jogaço de gato e rato, onde nem tudo é o que parece ser (perdoai a expressão batida) e nada mais da história deve ser escrito.

O filme poderia se tornar um suspense superficial, com reviravoltas em piloto-automático, se não fosse a direção firme de David Fincher e, principalmente, o roteiro bem-amarrado de David Koepp (que já assinou este ano a fantástica adaptação live-action do "Homem-Aranha"). Nada é entregue de bandeja, os personagens se desenvolvem naturalmente, revelam novas camadas de suas personalidades, mostram suas motivações aos poucos e, principalmente, soam autênticos, uma coisa raríssima nos suspenses americanos atuais. 

Claro que  roteiro e direção sozinhos não fazem um filme. Num cenário tenso, onde medo, raiva, maldade, covardia, coragem e pateticismo se misturam, o elenco segura o rojão com louvores. Jodie Foster (Hello Clarice) está perfeita como a mãe que se surpreende ao ver dentro dela, uma força que nem ela mesmo sabia que tinha. A cena na qual atende e tenta despistar os policiais que batem à sua porta é memorável. Forest Whitaker mais uma vez comprova a sua competência, no papel de Burnham, o invasor com princípios nobres e que conhece a casa como a palma da mão. Kristen Stewart é uma promessa para os próximos anos, levando no peito um difícil papel.

Mas quem rouba a cena são os dois outros invasores. Jared Leto (aquele loirinho que apanhou de Edward Norton até perder os dentes em "Clube da Luta") está elétrico como o jovem, mentiroso, impetuoso e irritante Junior, suposto líder do trio. Agora, o show pertence a Dwight Yoakam. O cantor de country music prova ser um ator de mão cheia ao encarnar o misterioso e ameaçador Raoul, que passa mais da metade do filme usando um capuz negro. 

David fez um trabalho de direção impecável. O diretor é imbatível para criar climas asfixiantes e incômodos. A casa, gigantesca, sob a lente de Fincher, adquire tons labirínticos, realçada pela fotografia escuríssima de Conrad W. Hall e do fera Darius Khondiji (voltando a trabalhar com Fincher depois de "Se7en"). Com soluções visuais inteligentes, ele se infiltra nos menores espaços, aproveitando cada milímetro da mansão. No início do filme (com créditos em homenagem a "Intriga Internacional", de Hitchcock; na verdade o filme inteiro soa como uma homenagem ao mestre do suspense), o diretor de "Alien3" surpreende o espectador com uma profusão de câmera estática, coisa incomum no seu trabalho. Mas no momento que os invasores invadem (sic) a casa, o David Fincher que conhecemos vem com força total, entrando em buracos de fechaduras e tubulações, atravessando paredes, subindo, caindo, girando e capotando em movimentos vertiginosos, fazendo ótimo proveito dos recursos que a computação gráfica oferece (exibicionismo ou não, funciona perfeitamente no contexto no filme). Quando a tensão se acentua, o diretor não economiza na violência (eu havia falado menos subversivo, não menos violento, pode conferir lá em cima) e em seqüências angustiantes (a cena em Meg sai do Quarto do Pânico para pegar seu telefone é de ranger os dentes). A música de Howard Shore, se não brilhante (como em "O Senhor dos Anéis"), segura bem o clima claustrofóbico do filme. 

Com a direção, roteiro, elenco e equipe técnica funcionando em harmonia, foi só correr pro abraço. O filme faturou U$$ 95 milhões de dólares nos EUA. O chef Fincher fez as pazes com o público, entregando um pedaço de entretenimento incrivelmente saboroso e nos deixando com água na boca para o próximo prato a ser servido: "Missão Impossível 3", em 2004. 

Dentre a carreira do diretor, "O Quarto do Pânico" figura ao lado de "Vidas em Jogo": é cinema-pipoca da melhor qualidade, com personalidade e que deixa a certeza que ainda existem cérebros pensantes no cinemão ianque. Esse definitivamente, não é mais um besteirol americano.