O CEL & o Limite
Que Assim Seja Sonho

por Carlos Eduardo Lima
21/07/05


O céu anoitecia de um jeito quase alienígena. Os tons de rosa e magenta - talvez dourado, que se insinuavam sobre a paisagem do belo horizonte de Copacabana poderiam ser do céu de um admirável mundo novo, mas era apenas o verão.

Pela beira da praia, o casal. Idades similares, diferença de poucos anos, signos ocidentais e chineses compatíveis, mãos dadas, pés descalços beijados e acariciados pelas ondas ocasionais da maré de fim de tarde. O crepúsculo colorido emoldurava, tal qual um quadro de Monet, pintado com quinze anos, ao som de Teenage Fanclub, uma caminhada de amor ao longo da orla. O casal ia, lento, calmo, simples, duas retas em uma, rumo ao fim da praia, perto do infinito e do horizonte, do belo horizonte carioca que se oferecia a todos que tivessem retina para a luz impressionar.

Na mente dos dois iam os planos para o futuro. Os filhos, a casa, a rua, a chuva, a fazenda, as paralelas dos pneus na água das ruas, o caderno, o pretérito perfeito e o futuro do presente. Tudo junto, como veias de fluidos de sonhos, conectados pelas mãos entrelaçadas e pela caminhada calma.

Quem parasse para ver o casal poderia sentir as promessas que seriam realizadas inapelavelmente. Os filhos, os nomes, as reuniões de família, as formaturas de faculdade, o quintal imaginário do sítio, a estrada de terra, o cheiro de mato depois do temporal. O tom de céu abrindo-se em rosa dava uma aura espetacular, no sentido real do termo. Como se Deus, ao saber de tanta importância para a ocasião da caminhada, quisesse ser pintor impressionista e pintar seu Clair De Lune visual só para fazer com que a orla, a praia, a brisa, tudo fosse inesquecível para o casal.

A praia era, nesse nomento, só deles. Os surfistas, os ambulantes que ainda resistiam ao fim do dia, os outros passantes, nada daquilo era para eles, mas, pela generosidade celeste, contemplavam como audiência a moldura do quadro que nem imaginavam ver, uma vez que os dois iam como se fossem elementos da bruma, da brisa. Eu e a brisa podíamos ver tudo mais de perto.

Não eram lindos, mas eram bonitos. Não eram felizes mas eram plenos. Não eram bobos, mas eram ingênuos. Eram simples, mas não eram simplórios. Eram chiques, mas sem querer. Eram tudo o que o outro poderia sonhar em ser. Eram o que sempre haviam querido ter, ser e estar. Eram mais que o sol, a lua. Eram pó de estrelas, caído sobre Copacabana, que quase pedia por uma ponta nesse filme.

Mesmo hospedando Deus e sua trupe em seu firmamanto, Copacabana era o cenário. Mas, sua tradição de Pequena Princesa do Mar dava-lhe crédito para hospedagem sem cobrar cachê. E o casal já ia no horizonte de areia, no belo horizonte de seus sonhos realizados em maresia.

Súbito adiante sumiriam na névoa da arrebentação das ondas que pagaram ingresso para quebrar na areia enquanto os dois passavam. Depois contariam em maré vazante em comunhão com a rosa dos ventos o espetáculo do amor humano, vestido de céu, a beira-mar. E, como mar, elas se arvorariam a ser mais importantes que o céu rosa e o crepúsculo cor de ouro. Mais tarde banhariam mais e mais sonhos que tomariam forma de casal e dariam seu passeio na orla.

Sempre acreditei que passeios assim, no mesmo rumo, sob o céu e ao lado do mar, fossem uma espécie esmerada de milagre das cores, das formas. Mais que isso, que fosse milagre real, de futuro, conjugações de verbos perfeitas, cenas em dejá vu ansiado por tempos imemoriais. Que assim seja, ainda não me lembro de ter visto nada assim.

Carlos Eduardo Lima, o CEL, tem quase 35 anos, é caucasiano, apolítico, incolor, inodoro e insípido. Contato: cel@rockpress.com.br