Go! - Entrrevista
por Leonardo Vinhas
leonardo.vinhas@bol.com.br

O que é o Go!? Uma banda de surf music. "Ah, tipo NOFX!" Não. Nem tipo Offspring, Men At Work ou Tribo de Jah. Os surfistas podem escutar esse tipo de som, mas nem por isso você pode chamá-lo de surf music. Partindo desse princípio (rotular um estilo musical pelas pessoas que o ouvem), você terá muitos problemas. Por exemplo: você acha que dá para chamar Tianastácia, Bob Marley e Falamansa de "college music" só porque universitários os ouvem?

Pois é, portanto o Go! é surf music autêntica: instrumental, ágil, dinâmica e muito, mas muito legal. Kid Cane (bateria), voodoo (baixo) e DiMonstro (guitarra) são três cariocas entre 20 e 23 anos que gostavam de heavy metal e do "funk proibidão", mas um dia tiveram contato com os bons e queridos Ventures, associaram o som foderoso dos americanos com a música dos video games das primeiras gerações e acabaram presos para sempre na warp zone que é a surf music. Bom para eles, que ainda são metaleiros (vide entrevista abaixo), mas em  vez de empilhar solos em cima de letras malvadas, resolveram lavar nossos ouvidos com melodias legais.

O registro dessa vocação para a diversão está em "Aventura Sob O Céu", primeiro disco dos caras, lançado pelo selo Navena Muzik, também estreando no mercado. Para explicar essa transformação, e também para falar sobre outras coisinhas, como a produção de Gabriel Thomaz (líder dos Autoramas), selos independentes, Kelly Key e até mesmo música, DiMonstro e voodoo dialogaram com o Scream & Yell numa conversa cheia de claques - é tanta indicação de risos que você pode pensar que se trata de um roteiro de A Praça É Nossa. Com a diferença que aqui as risadas estão garantidas, exatamente como a música.


S&Y - Como é que dois ex-metaleiros e um fã do "funk proibidão" viram uma banda de surf rock?
 
voodoo: É inexplicável! Foi o acaso que fez com cada um mostrasse esse gosto pelo surf rock para o outro. Eu e o Kid já tínhamos em comum uma adoração por "Perfidia" e "Walk Don't Run" dos Ventures, o DiMonstro ouviu a gente e acho que começou a gostar ali mesmo, no ensaio.

DiMonstro: EX-METALEIROS, NÃO! METALEIROS ATÉ HOJE! (risos) Mas falando sério, essa coisa do metal, não diria do funk, serviu muito de base para a gente começar a tocar - e também quem não se derrete ouvindo The Ventures? Por aí começou a vontade de tocar surf.

S&Y - Como é ser uma banda de surf music real numa terra que acha que qualquer coisa que surfista ouça, de NOFX a Midnight Oil, seja surf music? 
 
voodoo: Problemático, pra usar uma única palavra. Mas a gente não só se contenta em tocar por aí, nós também gostamos de catequizar o máximo de almas infelizes que ainda não conhecem a verdadeiro surf music. Para falar a verdade, eu agora gosto quando me dizem: "surf music? Legal, tipo Australian Crawl, né?" e eu posso me explicar - plantar aquela semente na cabeça dos outros, saca?

DiMonstro: Essa coisa da ''surf music'' aqui no Brasil... Tem-se uma idéia completamente diferente do ela realmente é. Em Belo Horizonte, existe o movimento ''O que é surf music'' (N. veja o site do Go! para maiores informações), onde o pessoal distribui flyers pela cidade explicando de onde vem, quem toca realmente a verdadeira surf music e aos poucos vai explicando.

S&Y - Comente essa história do Dick Dale ter ouvido o som de vocês e aprovado.

voodoo: Foi uma surpresa. Saiu na revista Trip um CD só de surf music (muito bom, diga-se de passagem) do Brasil inteiro, e dentro da revista vinha comentários do "Rei da Guitarra Surf", entre eles, um pra gente. Mas ele falou bem de todo mundo!

DiMonstro: Isso realmente foi um momento inesquecível. Seria mesma coisa do que DaVinci olhar para um quadro seu e falar que gostou muito! Quem não se sentiria orgulhoso?

S&Y -Vocês são surfistas mesmos? Ou só surfam no video game? (risos)
 
voodoo: Eu já surfei muito mesmo, de cair todo dia, mas só até os 14, 15 anos. Daí pintou esse lance de música, tomou o meu tempo por inteiro. E é claro, com California Games no Nintendo, quem precisa de mar, sol e mulheres? O Kid caía comigo, mas é outro que seguiu outros caminhos...

DiMonstro: eu já surfei muito até uns 14 anos... Aí comecei a andar de skate e fui largando o surf de lado...Comecei a jogar video-game e fui largando a vida de lado, quando eu fui ver estava com 20 anos na cara e a única coisa que fazia da vida era jogar! (risos)
 
S&Y -Esse lado de game é forte na concepção musical e visual da banda. É essencial para vocês ou isso pode ficar de lado no próximo disco, por exemplo? 
 
voodoo: Boa pergunta. Nós somos influenciados por todo tipo de música e melodia que a gente considere boa, independente da origem. Eu, por ser viciadão e adorar as músicas, vou levar a influência melódica e de estrutura das músicas de video game para sempre comigo, mas pode ser que os "temas" já não sejam mais esses num segundo CD. O que eu quero dizer é que inevitavelmente eu vou usar elementos de música de video game, de Weezer, de Manowar, de qualquer banda ou som que eu gostar, sem o menor pudor.

DiMonstro: eu não diria essencial, mas exerce uma grande influência na nossa musica. Se acharmos que vai ficar legal essa concepção no próximo CD, por que não usá-la? Como pode ser também que não fique legal... 

S&Y - Ainda nesse assunto: qual é seu jogo preferido do Atari? (risos)
 
voodoo: Não sei dizer, minha praia é mais Nintendão, mesmo. Talvez Hero, ou Bob Volta Para Casa. Sexman! 

DiMonstro: de Atari tem Space Invaders, Galaga e Pac Man. De Nintendo tem Super Mario Bros., Contra, G.I Joe, Batman, e por aí vai.

S&Y - Como se deu a presença do Gabriel Thomaz como produtor? Vocês propuseram ou ele se convidou?
 
voodoo: A gente o conheceu quando eu mostrei a nossa primeira demo e ele gostou... O bom é que ele conhece o som da gente desde o começo. Aí, quando pintou de gravar um CD pra valer, a gente propôs e ele topou no ato, na camaradagem.

DiMonstro: Na verdade a gente perturbava ele toda hora. Chegou a um ponto de uma vez  ele falar: "Cara, se mais uma vez você perguntar se eu lembro de você, eu nunca mais vou falar contigo" (risos). Na primeiro vez que eu propus pra ele ser produtor, ele meio que deu para trás, mas acho que depois ele se animou e aceitou a proposta.

S&Y - Qual foi a importância dele para o resultado final  de "Aventura Sob o Céu"?
 
voodoo: Primeiro, na pré-produção (é como eu gosto de chamar os ensaios em que ele veio e deu uns toques), ele pôs a gente "na linha", meio que fez a gente se tocar que tinha que sair bonito e com pressão. Segundo, na hora do estúdio, ele manteve o controle de qualidade dos timbres. O cara é meio que uma "enciclopédia ambulante do rock", então ele saca MUITO de sonoridades.

DiMonstro:  "Concentração e psicologia", dizia ele. Ele também fez com que comêssemos no rodízio de um restaurante japonês que tinha perto do estúdio toda hora (risos). Maldita hora que eu apresentei a ele esse restaurante (mais risos)
 
S&Y - Vocês parecem não gostar de vocais e letras. Fora os brados em "Amperagem Máxima", a única letra do disco está em "Você Está Se Tornando Um Ser Humano Galático". Aliás, é por isso que o vocal da música está tão baixo na gravação? 

voodoo: Essa música foi meio que um teste, depois de ouvir muita gente pedindo uma música cantada. Ficou legal, a gente gostou e vai ficar no set list para sempre. Mas já não sei se rola de fazer uma porrada de músicas letradas, ou até que ponto esse lado vai crescer na banda. É verdade que agora tem mais uma cantada, que também agradou (a nós, é claro) e que entrou definitivamente para o repertório. Quanto ao volume dos vocais: cara, a gente queria dar aquele toque "Elvis" na música, tipo o cara cantando lá dentro do banheiro e a banda do lado do microfone, bem mais alto mesmo. Acontece que ninguém pescou a idéia!

DiMonstro: No fundo nos somos um banda instrumental com pitadas de vocal. E também o lance do volume da voz é meio "ENTENDA O QUE VOCÊ QUISER"! (risos)

S&Y - Quem fez esses vocais? Parece o Gabriel... 
 
voodoo: (risos) Sou eu!
 
S&Y - Não ter letras elimina muitas possibilidades comerciais. Vocês não estão nem aí para isso?
 
voodoo: Hmmmm... não. Não que eu não queira ter o mesmo tutu que o Mick Jagger tem, mas é que tem que ser guiado pelo coração, sem ouvir o que o mercado tem a dizer.

DiMonstro: Com certeza essa lance de não ter voz fecha muitas portas para a banda, por exemplo, nunca vamos ser contratados de nenhuma major label, DROGA! (risos). Eu acho o seguinte: a gente faz o que gosta de fazer, não temos pressão de lado nenhum, se quiserem nos contratar assim mesmo, MARAVILHA!, se não quiserem, VAI PASTAR! A gente vai continuar a fazer o que gosta de fazer e levando a vida assim.

S&Y - A Cor do Som, uma banda instrumental dos anos 70, tentou colocar vocais em seu som e acabou descaracterizando-se e chegando ao fim. Acham o que o mesmo aconteceria com vocês se colocassem texto no meio  das melodias?
 
voodoo: Espero que não! Acho que a gente não corre esse risco (fácil falar, né?).

DiMonstro: É verdade...falar é fácil (risos). Mas eu acho que rolando algo com voz não vai rolar isso não, a gente tem bom senso. 
 
S&Y - Vocês são o lançamento inaugural do selo Navena Muzik. É grande a responsa? 
 
voodoo: Pode apostar, a nossa expectativa é tão grande quanto a do pessoal da gravadora. Mas a gente faz a nossa parte, tocando bastante e divulgando o CD aonde der para fazer isso.
 
S&Y - Qual é a pior praia musical, brasileira e internacional, hoje em dia?
 
voodoo: Acho que no Brasil, esse lance de Kelly Key é um GRANDE equívoco, musicalmente falando. Lá fora, rap leva o caneco. Os caras desrespeitam as mulheres, só falam merda e posam de marajás. Isso pra mim tem nome: péla-saco!

DiMonstro: Não fala assim da Kelly não, voodoo! Ela é gatinha e não merece ser tratada desse jeito (risos). Eu diria que a pior praia musical é, quero dizer, foi a onda funk. E axé e pegode. Internacional seriam essas boy bands que brotaram aos montes por ai.
 
S&Y - Que outras bandas legais estão na ativa na praia da surf music autêntica?

DiMonstro: É tanta gente, mas vai lá: no Sul tem o pessoal do Maremotos, Ambervisions, Xevy 50 e Limbonautas. De São Paulo temos os Gasolines, Detetives, Orestes Prezza e Los Sea Dux. De Belo Horizonte temos o Estrume’n’tal, Frank Simata e TheSurfMotherFuckers. Do Rio temos os Netunos, Autoramas e Go!. Da Bahia tem os Retrofoguetes. E cada dia que passa isso aumenta cada vez mas. Quem interessar em conhecer essa bandas é só entrar em: http://reverb-brasil.blogspot.com.
 
S&Y - Turnê a caminho?

DiMonstro: Mas "com cerveja"! (risos). Esperamos tocar em lugares onde nunca pisamos antes. Na verdade esta turnê já ta rolando, mas nada concentrado.

voodoo: Se tudo der certo, no fim do ano a gente se manda pro Sul do país e quebra alguns lugares por lá!

S&Y - Qual é a próxima manobra do Go!?
 
voodoo: Manter a constância de shows, o que é difícil e compor bastante.

DiMonstro: Continuar a divertir  as pessoas por onde passamos, tocando surf music e espalhando boas vibrações por ai!. Quem se interessar pela banda é so entrar no nosso site: 

http://www.gosurfgo.hpg.com.br
ou 
http://www.mp3.com/gosurf



GO!
Aventura Sob O Céu
por Leonardo Vinhas

Primeiro ponto: "Aventura Sob O Céu" é um disco legal, muito legal. Não se trata de pagação de pau, é que muita gente crê que surf music é muito repetitiva e chatinha. O Go! sabe que essa história de música instrumental dentro de certa estrutura previamente formalizada pode até chatear... mas só se for gente muito bunda-mole compondo e tocando.

Esse problema a banda não tem. DiMonstro, Kid Cane e voodoo tocam com vontade e não estão a fim de entediar ninguém. Por isso as músicas não têm introduções pentelhas, solos longos ou distorções mil - ou mesmo vocais! Criam os climas que pretendem logo de cara, não enrolam e acabam a canção em cerca de dois minutos, tempo suficiente para você ouvir, curtir, agitar, fazer air guitar (ou bass ou drums) e já partir para a próxima. Resultado: criam minipérolas que se adequam perfeitamente a takes de altas ondas mas que também podem embalar um pogo, motivar uma noitada ou até serem curtidas no aconchego do quarto - lugar preferido por dez entre dez musicófagos para ouvir música.

Facilitando a vida do leitor interessado, dá para divertir as composições em bloquinhos: as mais roqueiras ("Bizarrotron", "Rockman", "Amperagem Máxima"), as com mais cara de trilha de video game ("Bônus do Quadrado Mágico", "La Piége Diabolique", "Destrua O Meu Chip Quando Eu Morrer", "Ninja Gaiden II 3.2"), as de timbres predominantemente subaquáticos ("A Invenção do Parafuso", "Where Do The Puppies Go?") e as meio baladinhas ("Robotic Leisure", "Você Está Se Tornando Um Ser Humano Galático" e a faixa-título). Claro que no disco elas não aparecem nessa ordem careta, nem são tão uniformes, até porque a influência da música de video game é marcante. Mas é ao menos um guia para os "paneleiros" de primeira viagem se orientarem sem tomar caldo.

Contribuiu muito para o bom resultado final a produção de Gabriel Thomaz. Além de ser um grande compositor pop, o candango é um fã e conhecedor das mais variadas e obscuras formações rock'n'roll, garantindo com isso a orientação que o Go! precisava para não ser soterrado sob uma avalanche de lugares-comuns que outros produtores poderiam querer impor.

O que nos leva ao segundo ponto: o Go! é uma banda que gosta do que faz e sabe o que quer, algo aparentemente básico mas raro nas bandas de hoje em dia (não só as brasileiras). São sossegados e desencanados em relação à sua musica, mas não despretensiosos. Atuam num estilo subestimado, subapreciado e de difícil comercialização e não estão preocupados com isso, querem se divertir desse jeito mesmo e azar de quem não gostar. Quer pretensão maior que essa? Aproveite que eles são pretensiosos e embarque na mesma aventura sob o céu. Se não gostar vá ouvir new age sentado em um pufe embolarado, pode ser que isso o agrade mais.

Leonardo Vinhas tentou ser bodyboarder. Ainda tenta, vez ou outra.