Entrevista - Frank Jorge
"Pra se confirmar na vida, tem que ter muito amor"

Amor pelo rock e pela vida não falta a Frank Jorge, talentoso vocalista e baixista da cultuada banda gaúcha Graforréia Xilarmônica. Num papo com Douglas Dickel, editor do MusicZine, Frank fala sobre o fim do grupo e sobre a sua embrionária carreira solo.

Scream & Yell - Por que foi mesmo que a Graforréia, tua banda do coração, teve que acabar?

Frank Jorge - Pura e simples desmobilização. Entenda isso como falta de direcionamento. Lá pelas tantas, tocávamos apenas em Porto Alegre, e por bilheteria. Ah! O mercado também teve uma parcela de culpa. O que importa, é que seguimos sendo grandes amigos e, eu te confesso, a ressaca foi grande. Perceber que a Graforréia, não aquela que alguns resumem na música "Amigo punk", mas a Graforréia de shows memoráveis e precursora num tipo de som, não existe mais, foi doloroso.

A palavra Graforréia foi escolhida mesmo ao acaso ou o significado da palavra foi o motivo?

Segundo a lenda, nessa fase embrionária pré-primeiro show, eu não estava lá, foi escolhida, sim, aleatoriamente no
dicionário. Mas se tratando de Graforréia, tudo pode ter acontecido de outro jeito.

Qual a tua história com o Monty Python? Foi esse grupo inglês que te inspirou pra escrever textos e letras nonsenses?

O Monty Python é vital! Vai direto ao rim! Sabe refletir com extremo escárnio sobre os nossos padrões de comportamento. São importantes. Sempre gostei do nonsense, o que não me impede de gostar de coisas idiotas e levadas à sério pelos seus criadores, como a própria obra inteira do Roberto Carlos, alguma coisa de Carlos Alexandre. Para mim, isso é nonsense.

Músicas como "Colégio interno" foram compostas premeditadamente pra que a letra trágica contrastasse com a melodia feliz?

"Colégio interno" foi inspirada num caso da minha família. Minha irmã estava se separando, e eu fiquei pensando o que ela ia fazer com o filho. A construção da música aponta para o que a Graforréia iria definir como o seu som: uma parte jovem guarda lenta, outra parte jovem guarda embalo, parte transgressora e refrão banana surreal. Juro que nada foi premeditado. Esta música é um dos grandes expoentes da parceria Marcelo Birck e FrankJorge.

Como tu define o estilo do Carlo de tocar guitarra?

Definições nunca foi o forte da Graforréia, eu que o diga. É difícil de definir, mas posso dizer sem a mínima dúvida: não tem meio termo, ou tu adora, ou tu odeia. Seu jeito de tocar definiu muito o som da Graforréia e o Carlo arrebatou fãs pelos mais diferentes lugares em que já tocamos. Tem a ver com King Crimson, diga-se Robert Fripp, além de outros guitarristas de rock progressivo, mas também tem a ver com rock dos anos 60. O Carlo é único. A guitarra do Carlo no "Patê" é uma das minhas favoritas, mas poderia citar zilhões de músicas. No caso do "Patê", ele mistura baião, alternando acordes de Fá com sétima ora graves, ora agudos, judiando com alavancacos, mantendo o ritmo sempre, às vezes abafando as cordas.

Quais as tuas bandas preferidas de todos os tempos? E da atualidade? E no Brasil? E no RS?
The Beatles, The Who, The Jam, Beach Boys, Roling Stones, The Zombies, Stevie Wonder, e muito mais... High Llamas, Ibrahim Ferrer, Sean Lennon, Mopho, Mutantes, Roberto Carlos, Video Hits, Bide ou Balde, Tom Bloch, Os The Darma Lovers, Os Galas da Menopausa, Marcelo Birck, Flávio Basso, Plato Dvorak ... 

Fala sobre o disco solo.

Comecei a gravar despretensiosamente em 1998, pela simples e pura vontade de registrar umas músicas minhas. Parou um pouco pelas atividades dos Cowboys (Espirituais, banda country-pop-rock com Júlio Reny, ex-Expresso Oriente, e Márcio Petracco, ex-TNT) e da Graforréia. Gravei três músicas em novembro  de 1999, com o Thomas Dreher, e este ano resolvi corajosamente recomeçar o processo todo de gravação sozinho. O mais importante é que tem a minha cara, sim senhor, tem identidade própria. Quando toco jovem guarda, não imito ninguém, estou fazendo o meu som, mesclando várias influências pop, soando brasileiro pra caramba. Quando toco duas músicas cubanas, estou dando um tempero honesto de algo que faz parte do meu dia-a-dia. E por aí o negócio. Vou falar mais sobre esse CD quando ele sair para a rua, de verdade.

Como é o teu processo de criação? Das melodias, das letras e dos arranjos.

Espontâneo. Imprevisível.  Posso partir de uma seqüência de acordes, posso partir de uma frase melódica, posso escrever uma frase e desenvolver primeiro toda a letra, arriscando aleatoriamente uma melodia que confiro ou não depois, ao violão. Os arranjos são resultado de múltiplas audições. O lance aqui, é ouvir de tudo e não se policiar na hora de definir o arranjo. Gosto muito de trabalhar os arranjos. Com Os The Darma (Lovers, banda psicodélico-budista com Nenung, ex-Barata Oriental) trabalhei bastante nesta etapa, definindo muita coisa na hora da gravação.

Como surgiu a ideia do Manifesto Jambo? Veio antes o manifesto ou a música? A música vai ser o "carro-chefe" do CD?

Ideia de brincar com esta quase inexistente possibilidade de reflexão sobre as coisas. Um dos meus escritores prediletos era o bambambam dos manifestos, Oswald de Andrade. Cabelos cor-de-jambo são citados numa obra do Monteiro Lobato caracterizando Narizinho, mas, na minha maneira de ver, cabelos cor de jambo ou sensibilidade artística, não é pra qualquer um. O engraçado é que a repercussão é quse nula. Não será a música carro-chefe do CD. O manifesto veio depois da música.

Como tu vê essa realidade de o público sempre preferir cobrar os sucessos? Como tu vai organizar o teu show em relação às músicas da Graforréia?

Natural, mas deveria ser repensada. O público não cobra material novo de ninguém, vide o turbilhão de bandas cover bem sucedidas. Vou tocar as músicas da Graforréia que der na telha, mas bem diferente do que o Charles Master faz com o repertório do TNT.

Quando vai ser lancado o CD? Qual gravadora? 

O CD sairá ainda este ano pela gravadora Barulhinho e chamar-se-á "Carteira nacional de apaixonado".

Conta um pouco como foi a criação do livro "Realidades e Chantillys Diversos" e como ele é.

O livro é uma concretização bacana. Recomendo que todos tentem lançar um livro, para ver como é. Todos têm lá o que dizer, mas a batalha para colocá-lo na rua é grande. Estou feliz com esta vivência. Juntei textos desenvolvidos para o Sarau Elétrico, com mais alguns textos inéditos (contos) e saiu o bicho. Trabalho misturando temas cotidianos tentando expressar minha perplexidade, objetivando a perplexidade do leitor ao ler e se enxergar nesta confusão toda.

Na Graforréia, que letra era de quem e que música era de quem?

Pura ficção tentar delimitar isso hoje, aqui, agora. Tema para outro dia. Conversarei com o Marcelo e chegaremos a um acordo bacana. Estou brincando, mas o lance é bem Lennon/McCartney, às vezes a música é mais de um, às vezes o outro faz questão de assinar parceria, mesmo que só uma frase tenha sidoa colaboração.

O que os filhos Erico e Rafael influenciam no processo criativo geral do Frank Jorge?

São motivadores, a existência deles me inspira um lado criança que nunca perderei.

Tu acha que as bandas de rock brasileiras deveriam se importar mais com e caprichar mais nas letras?

Não sou muito de meter pau nas bandas, mas acho as letras do rock nacional pura merda. O capricho é relativo. Muita coisa bem feitinha não serve para nada. Bandas devem fazer o que acham que devem fazer, não espero grandes coisas de estranhos, e sim dos mais próximos, que eu sei que têm talento de verdade. Rock e música são arte de um modo geral, mas às vezes é pura encheção de saco.

Tu é feliz?

Frank - Sim, mas penso que estou sempre atrasado em relação às concretizações das minhas idéias, tipo, lançamentos de livros e CDs.

"Um pouco de talento não faz mal a ninguém"
Douglas Dickel, 23, é editor do MusicZine e de sua versão e-pombo, o E-MusicZine ( e-musiczine-subscribe@egroups.com ). E o web-MusicZine em breve estará pronto ( www.musiczine.cjb.net )
Mail: douglas@icaro.unisinos.br
Crédito das fotos de Frank Jorge portando o baixo (incluindo a da chamada de seção): Leandro Facchini