Cake
por Fábio Sooner


Comfort Eagle 
(Sony) 

Qual América foi derrubada no dia 11 de setembro? A bélica, que acredita no Pentágono como o símbolo maior da segurança e do poderio militar sobre todas as coisas? A financeira, megalômana, que eleva torres gêmeas gigantescas como se 
afirmasse "eu posso tudo"? Ou a patriótica, que se julgava inatingível em seu próprio terreno? 

Nenhuma das três - a América que caiu foi a caseira, que ignora o que acontece à sua volta de forma sistemática. A América ciosa de sua posição a ponto de varrer para debaixo do tapete seus próprios atentados ao mundo, à livre circulação de informações e ao diálogo bilateral. Uma América que vive hoje de aparências, onde se permite que jovens slackers cantem a palavra "fuck" 55 vezes - afinal, é rentável, serve bem à balela de que os EUA são o país da liberdade de expressão e deixa o caminho livre para os candidatos a yuppie sonharem com um andar no... World Trade Center? 

Não é à toa que o Cake nunca conseguiu ser mega nessa América: sensibilidade é quase uma afronta em um cenário desses. Além disso, a banda de Sacramento, California, insiste em seu quarto álbum nas historinhas pessoais cheias de ironia contida, momentos quase-disco, fraseados de trompete costurando arranjos clean e melodias que remetem aos musicais da Broadway tanto quanto ao Velvet Underground. Comfort Eagle seria mais um disco de uma banda subestimada, ímpar 
e consistente. Seria. 

Talvez seja o momento; ou talvez John McCrea, vocalista e compositor de todas as faixas, esteja no auge de seu potencial. Mas há algo de diferente nessa mistura de bolo. As três primeiras faixas sugerem mais do mesmo, ainda que "Opera singer", que abre o disco, seja um belo cartão de visitas para uma banda amarga, de canções ressentidas e ao mesmo tempo resignadas. 

Aí vem "Short skirt/long jacket", a música dançante de trabalho, uma espécie de "Never there" menos chiclete e com um plágio descarado de "Sweet Jane" (olha o Velvet aí) escondidinho em uma ponte estrofe-refrão. "Eu quero uma garota com 
uma saia curta e jaqueta longa/ eu quero uma garota com bons dividendos/ vamos nos encontrar acidentalmente no banco/ e começar a conversar quando ela pegar minha caneta emprestada". Otimismo e esperança? "Commissioning a symphony in C" vem em seguida com tecladinhos, ahn, '" fofos" que remetem a Weezer - mas quer coisa mais Cake do que a descrição do júbilo de um compositor ao ver sua sinfonia prendendo a respiração da platéia? Sim, júbilo. 

"Arco arena" vem em seguida, e os detalhes entrando um a um no arranjo sugerem que a qualquer momento John McCrea vai começar a cantar - e nada. Uma música instrumental do Cake? Quando se ouve então a bateria marcada e a guitarra 
pesada, circular, da faixa título, as dúvidas se dissipam: o Cake cansou de ser Cake e ao mesmo tempo não consegue deixar de ser. 

O que se ouve é a banda em uma câmara de eco - como a voz de John McCrea, normalmente gravada sem efeitos, está em "Comfort Eagle" sendo ampliada, tendo suas possibilidades exacerbadas. Todo o sarcasmo contido em três discos anteriores explode nesta canção, um discurso que tende ao infinito com frases dedo-na-ferida como "estamos construindo uma religião/algumas pessoas bebem Pepsi, outras Coca-cola/ e ele está ganhando a grana, ele está servindo a comida". 

Por debaixo dos escombros, se acha ainda mais quatro receitas tradicionais, com destaque para "Love you madly", outra canção de amor dançante e esperançosa. Mas o estrago já está feito. Otimismo? Júbilo? Esperança? Dedo-na-ferida? 
Alguma coisa aconteceu, muito antes dos aviões se espatifarem nos símbolos americanos, e transformou o Cake em uma das grandes surpresas do ano. Assim como o cenário novaiorquino, esta banda nunca mais será a mesma. Será impossível ignorá-los agora: Comfort Eagle é um atentado à acomodação, vindo da banda mais focada no próprio umbigo que existia por aquelas bandas. E isso tem que significar alguma coisa.