Cinco dias em Buenos Aires
por Marcelo Costa
Fotos - Douglas Cometti e Louise D.D.

maccosta@hotmail.com
17/11/2004

Da dolorida chegada no fim da manhã de uma quarta-feira até a dolorosa partida no começo da manhã de um domingo, Buenos Aires foi minha casa por, aproximadamente, 100 horas. A chegada dolorida tem relação com a dor que acomete o passageiro de avião um pouco antes do pouso no Aeroporto de Ezeiza. Segundo me informaram, parece que é a passagem em alguma latitude por algum trópico que causa a dor, quase insuportável, que parece que vai fazer os tímpanos explodirem. Já a dolorosa partida diz respeito ao amor pela cidade, já que Buenos Aires é uma cidade apaixonante e qualquer tempo é muito pouco estando lá. Quanto à dor, garanto, os ouvidos não explodem e cerca de três minutos depois ela passa. Quanto ao amor, bem, só o tempo dirá...

Antes de tudo, quero deixar registrado que este é um texto misto de diário de bordo com dicas de viagem. Irei colocando algumas informações entre os relatos de experiências, tentando tornar tudo o mais próximo possível. Para começar, vamos rebobinar a fita e imaginar tudo que acontece antes de uma viagem internacional. Primeiro de tudo: o preço. Uma viagem para Buenos Aires, pelas Aerolineas Argentinas (a empresa mais em conta), saí em torno de US$ 300. Isso só o vôo, sem as taxas devidas (de imigração, embarque e o escambau). Para quem vai sem lugar para ficar (casa de amigo, família ou qualquer outra coisa), o ideal são os pacotes. No nosso caso (meu e de mais dois amigos), optamos por um que dava direito a translado de hotel, um curto (porém, muuuito útil) city tour e café da manhã em um hotel três estrelas. O legal é que os pacotes começam, em sua maioria, com dois dias de viagem, e vão se adaptando a necessidade do passageiro. Como queríamos ficar cinco dias e quatro noites, eles só acrescentaram no pacote os extras de pernoite no hotel, que para as agências tem um bom desconto.

Na verdade era para ser um hotel quatro estrelas, o República, que fica próximo ao Obelisco, monumento erguido em 1936 em comemoração aos 400 anos de fundação da cidade. O Obelisco marca o encontro da Avenida 9 de Julio com a Avenida Corrientes, e também das principais linhas de metrô, que na Argentina são conhecidos por subte (abreviação para subterrâneo). É ali que fica o coração cultural da cidade, com várias livrarias, cinemas e teatros, incluindo o Teatro Colón, um dos cinco mais famosos do mundo por sua acústica. Muito blá blá blá para dizer que não ficamos no Hotel República, e sim no Hotel Promenade, que fica na rua Marcelo Alvear, há duas quadras da Calle Florida, da praça Gen. San Martin e da Avenida Libertador: acredite, também muito bem localizado.

O pacote todo, incluindo as tais taxas, saiu por US$ 451 (aproximadamente R$ 1350), que podem ser divididos em até cinco vezes. Resumindo: se neste exato momento você decidir sair de sua casa e ir para Buenos Aires, é isso que você vai gastar com passagens, translado e hospedagem (detalhe que, claro, precisa ser dito: os valores são com base em saídas de São Paulo). O tal Promenade até que é bonitinho, mas nós já vamos chegar nele. Antes, precisamos embarcar em São Paulo, no Aeroporto de Guarulhos, já que Congonhas só recebe vôos domésticos. Para viajar para países que fazem parte do Mercosul não é preciso passaporte. Apenas o RG - com menos de 10 anos de expedição - já vale como documento, mas é o RG ou um passaporte (carteira de motorista, CPF, título de eleitor e carteirinha da faculdade não valem). A viagem pela Aerolineas Argentinas foi muito boa, com exceção da maldita dor arranca tímpanos da descida. Em Ezeiza, um cara da agência de viagens já nos aguardava.

Detalhe importante: o Aeroporto de Ezeiza fica a 35 quilômetros de Buenos Aires. Quem não for de pacote, tem duas saídas: pagar um táxi e morrer em cerca de 45 pesos (o Peso está praticamente "1 por 1" com o Real) ou recorrer a um ônibus particular da empresa Tienda de Lion, que leva passageiros do Aeroporto até o centro por 18 pesos, e deixa o cliente no hotel por mais 8 pesos. Na boa, essa dor de cabeça toda pode ser deixada de lado com o translado da agência de viagens, mas se mesmo assim você tiver afim de encarar a independência, o ônibus é mais seguro, já que estamos partindo do pressuposto que esta é sua primeira vez em Buenos Aires, e nada como chegar na porta do hotel com as malas e em segurança.

Fiz a viagem de van de Ezeiza até o hotel ainda com os ouvidos tampados, o que estava incomodando bastante. O guia contava amenidades sobre a cidade: Buenos Aires é uma metrópole de 10 milhões de habitantes. Era bom tomar cuidado com câmeras fotográficas e dinheiro. Evitar caminhar a noite na cidade também era de bom grado, segundo o rapaz. Na boa, não vi tanta gente assim (risos), não vi tanta pobreza assim e andei muito durante a noite, sem nenhum problema.

Após a chegada no hotel, o check-in e o descarrego das malas, a primeira grande caminhada. De cara, a escolhida foi a Calle Florida, que encontramos por um providencial mapa descolado pela portaria do hotel. Se aquilo entregava o quão turistas nós éramos, também fez com que caminhássemos sempre em lugares "conhecidos". A Calle Florida é um calçadão longo e enorme, repleto de livrarias, lojas de CDs e de artigos em couro, além de roupas de marca, como a Puma. Na Calle Florida se localiza a Galeria Pacifico, um shopping improvisado em uma antiga casa que abrigava uma galeria de arte no século passado, e que na reforma recebeu pinturas nas paredes dos principais artistas argentinos e é muito bonita. Do subsolo é possível ver belos desenhos no teto do local.

Depois da Calle Florida, me aventurei sozinho pela enorme avenida Santa Fé, onde se localizava a Tower Records antes da quase falência. É claro que eu só fui descobrir isso após chegar ao número 1900 e deparar com um espaço vazio. Em compensação, na frente, as lojas Ateneu e Dromo foram um delicioso convite à cultura e aos gastos via cartão de crédito. A loja Ateneu é outra das que se abrigou em uma casa antiga de visual belíssimo. Foi lá, inclusive, que tive um dos papos mais deliciosos com uma portenha. Ela devia ter uns 80 anos, mas rabiscou em um papel vários locais que eu deveria conhecer, sem falta, em Buenos Aires. Percebendo o meu espanhol claudicante, a senhora atacou em um inglês perfeito. Eu entendia tudo do inglês, mas respondia em um portunhol praticamente incompreensível. Mesmo assim, nos divertimos durante uns vinte minutos na fila do caixa do Ateneu. Ela falou de Chico Buaque, cantou "Chica de Ipanema" e declarou seu amor à Salvador e a Jorge Amado. Já São Paulo recebeu o adjetivo de "cidade louca". Eu, apaixonado por essa capital de poluição, tentava defender minha terra. "Meu deus, o que é aquele subte", dizia a portenha sobre os nossos metrôs, claro, sobre a população que invade o metrô ali pelas 17h, 18h... Uma loucura, realmente.

O metrô de Buenos Aires foi o primeiro da América do Sul, inaugurado em 1913, e é um símbolo de que a capital já viveu uma época grandiosa no passado. Os vagões são um charme de tão poéticos. Ladrilhos decoram quase todas as estações, mas hoje em dia já trazem marcas do passado, com a falta de cuidado e o desgaste do tempo. Existe um mundo dentro dos metrôs portenhos, com bancas de revistas, lanchonetes, lojas de roupas e músicos tocando em troca de moedas. Em Buenos Aires existem 5 linhas de metrô, sendo possível fazer baldeações entre elas. O pagamento se efetua através de cartões que custam 70 centavos de peso. Esses cartões são adquiridos nas estações, onde também há mapas que indicam itinerários e destinos. Uma boa dica, alias, são os mapas que ficam na entrada das estações de metrô. Muitos deles trazem um mapa de toda a cidade e como o passageiro precisa se locomover para chegar a alguns dos 46 principais pontos históricos. Eu descobri esse mapa apenas na véspera de voltar ao Brasil... Após as longas caminhadas na Calle Florida e na avenida Santa Fé, hora de comer: o local escolhido foi a Recoleta.

A Recoleta é um elegante e sofisticado bairro de ruas arborizadas, onde as principais atrações são seus cafés e restaurantes, antiquários, um complexo cultural e o Cemitério da Recoleta. Uma coisa que chama a atenção em Buenos Aires e que ainda não foi dito é sua arborização. O verde vive na capital portenha. Todas as ruas trazem muitas árvores, e na Recoleta é possível encontrar alguns espécimes com mais de 300 anos. O tal complexo cultural é o Village Recoleta, que reúne livrarias, salas de cinema e a abandonada Tower Records, que ainda abre, mas os preços andam muito mais baratos nas lojas concorrentes, acreditem. Alias, já que falamos em CDs, a indústria argentina parece ir bem, obrigado. Além de ter excelentes revistas (a novata Mono e as franquias da francesa Los Inrockuptibles e da norte-americana Rolling Stone), os principais lançamentos do mundo chegam lá muito antes do que no Brasil. Só para se ter uma idéia, os argentinos já lançaram os debutes do The Killers e The Sounds, os novos do Stereolab e do Massive Attack, já receberam as coletâneas do Placebo, Pulp e Marylin Manson, e editaram as versões duplas de The Ravel e Animal Serenade de Lou Reed, dos bootlegs series volume 5 e 6 do Bob Dylan, além de terem no mercado o sensacional Yoshimi do Flaming Lips, a coletânea de singles do Jesus and Mary Chain e todos os álbuns do Portishead. Tudo isso a preços mais em conta que no mercado brasileiro. Pena que o risco de uma taxação na alfândega, aliado ao aumento do preço com o custo do correio, tornem inviável uma importação, mas o mercado é bom para quem curte música em Buenos Aires. Bem, como eu vou visitar Evita no cemitério da Recoleta no próximo sábado, vou encerrar a noitada de quarta-feira por aqui, ok.

QUINTA-FEIRA

O programa de quinta-feira incluía uma festa com shows das bandas The Tormentos, Tandooris e Satan Dealers, no La Trastienda. A festa era organizada por uma brasileira, a amiga, jornalista e cidadã do mundo Sylvie Picolloto. A idéia de partir para Buenos Aires no começo de novembro surgiu após a confirmação do line-up do Personal Festival, o equivalente argentino ao nosso Tim Festival. No Personal, Morrissey e Blondie e Eletric Fix e Death in Vegas iriam se apresentar ao lado de 2manyDjs, Primal Scream, PJ Harvey e Pet Shop Boys. O trio de brasileiros falou com a Sylvie, que providenciou a compra dos convites (100 pesos, as duas noites do festival) e ainda nos colocou nesta festa de rock portenho.

Antes da festa, porém, a amiga nos levou para almoçar no restaurante Cumaná. Meu prato: pastel de papa com carne. Traduzindo: pasta de batata com pedaços de carne e molho bolonhesa, uma delicia. Detalhe: em restaurantes argentinos não existe arroz. A papa (batata) é o ingrediente principal da culinaria portenha. Para refrescar, uma cerveja. Bem, aqui entramos em outro capitulo especial da cidade. A cerveja mais conhecida (pelo jeito) é a Quilmes, fraquinha, fraquinha, pouca coisa melhor que a nossa Nova Schin. E na Argentina não existem garrafas de 600ml, e sim de 970ml. Como disse um amigo, são perfeitas para ficarem no colo (hehehe). A saída para quem não quer beber a fraca Quilmes é se deliciar com a maravilhosa Budweiser. No festival, por exemplo, era só Budweiser, um paraíso. No La Trastienda não havia Budweiser, mas tinha a Iguana, que também é muito boa. Não cheguei a experimentar a Brahma portenha de 970ml, mas fiquei curioso...

Após o almoço, um passeio pelas galerias da Avenida Santa Fé. Eu havia caminhado ela inteira no dia anterior, mas não tinha encontrado nenhuma lojinha interessante, além das megastore. Caminhando dois dias pelas ruas de Buenos Aires, também não foi possível encontrar nenhuma pessoa tatuada, nenhuma com piercing e apenas um rapaz com camiseta de banda (Danzig). Fiquei pensando em que lugares se encontravam as tribos na cidade até adentrar na BondStreet, uma galeria que parece um misto da Galeria do Rock com a Galeria Ouro Fino, em São Paulo. Agora estava me sentindo em casa (embora não tenha tatuagem, piercing e nem estivesse com camiseta de banda naquele momento). A BondStreet tem lojas de roupas, CDs e mil e um badulaques. É divertidíssima e vale muitas visitas.

Duas coisas chamam muito a atenção ao se caminhar pelas ruas de Buenos Aires. A quantidade de locutórios e de táxis. Os locutórios são espaços que fazem serviços de internet (a maioria) e de cabines telefônicas (todos). Existem, no mínimo, uns mil locutórios na cidade. Não contei, mas a proliferação de casinhas assim na capital me faz deduzir tal número e se errar, acredito que seja porque chutei baixo. Já os táxis também impressionam. A cada dez carros no transito, sete são táxis. Eles são padronizados na cor preta e com teto amarelo e são uma pechincha. Qualquer viagem pelo centro de Buenos Aires não passa de 6 pesos. Eu não entendia a proliferação de tantos carrinhos pretos com teto amarelo, mas a "ficha caiu" na noite de quinta-feira, junto com uma pequena tempestade.

Para pegar um táxi em dia de chuva em Buenos Aires (ou na hora do rush) é preciso muuuita sorte. O amigo portenho Pablo precisou de uns 15 minutos para parar um e levar metade da comitiva para o Trastienda. A outra metade foi comigo, uma meia hora depois, quando consegui um táxi que, na verdade, estava parando para deixar uma pessoa. O mesmo aconteceu na saída do Personal Festival. O festival acontecia no Clube Ciudad de Buenos Aires, nome que achamos incorreto: ele deveria se chamar Clube "fora da" Ciudad de Buenos Aires, de tão longe que era. Na volta, em ambas as noites do festival, conhecemos as linhas de ônibus da cidade. 145 linhas de "colectivo" operam na capital portenha. A passagem custa 80 centavos de peso e é comprada por meio de uma máquina instalada no veículo, que só aceita moedas. Funcionam 24 horas por dia. Nas duas madrugas, foram os ônibus que nos levaram para casa. O número 130 parava no terminal Retiro, ao lado da ex-Torre dos Ingleses e a cerca de 100 metros do nosso querido hotel. Perfeito.

Segundo a listinha da amada senhora que encontrei no Ateneu, eu deveria pegar o ônibus 124 para ir ao Abasto de Buenos Aires, o mais novo shopping da cidade, e que funciona no que antigamente era a central abastecedora. O shopping, além da grande variedade de lojas, tem praça de alimentação, doze salas do Hoyts General Cinema, um mundo infantil e esporadicamente oferece exposições e palestras sobre temas variados. Do lado de fora, uma estátua de Carlos Gardel, que morou nas redondezas no começo de sua carreira. Ela também me indicou o número 100, que me deixaria no Paseo Alcorta, um local que reúne bons artigos de decoração e perfumaria, além das melhores tendências da moda argentina.

Voltemos à balada. No Trastienda encontrei mais alguns roqueiros. E não consegui entender o que era uma empanada de humita. "É uma bolinha amarela", tentava explicar o balconista. Na dúvida, fui no garantido: "desce uma de carne mesmo". Quando uma amiga chegou por perto, não agüentei e perguntei: "O que quer dizer isso?", apontando para o cardápio. "É milho", respondeu ela, entre risos. Sylvie complicou ainda mais tentando explicar: "Milho aqui tem tanto nome!! Maiz, choclo. No caso, a empanada se chama Humita, quando é de milho". Ahhhhhhhhhh... Do show no Trastienda eu escreverei na análise do festival, mas me impressionou o impacto do Satan Dealers. Já os tinha visto em cena na Funhouse, em São Paulo. Naquela noite, porém, a banda de abertura (Last Pain) havia roubado a festa. No Trastienda não teve como não se render ao rock do Satan Dealers, que fez uma apresentação irretocável, para delírio dos portenhos e dos poucos brasileiros presentes. Um dos grandes shows de rock que vi em 2004 (e não foram poucos). Após o agito na base do pogo, nada como voltar para casa e dormir e se preparar para a sexta-feira...

SEXTA-FEIRA

Na manhã de sexta tivemos nosso animado city tour de, aproximadamente, três horas. Foi bastante útil e interessante. Pelo city tour passamos por alguns pontos curiosos da cidade, além de ouvirmos algumas boas histórias contadas pela guia Sandra. A primeira passagem do city tour foi pela tal de ex-Torre dos Ingleses, um presente da Inglaterra para a Argentina em comemoração aos 400 anos da cidade de Buenos Aires. Porém, após a Guerra das Malvinas, os argentinos passaram a se referir à Torre como ex-Torre dos Ingleses. Mestres em provocação, os portenhos ainda instalaram exatamente em frente à Torre, do outro lado da avenida, uma homenagem aos soldados mortos na Guerra das Malvinas.

Além de ser uma cidade arborizada e de ruas largas, Buenos Aires também pode ser considerada uma cidade visualmente limpa. Não há tantas pixações nas parades, e quando existem é por algum motivo político. Por exemplo: na porta da ex-Torre dos Ingleses, um monumento histórico, algumas frases pixadas atacavam a ALCA ("Não vendam o nosso País"), outras criticavam à Guerra das Malvinas. Porém, o que mais impressionou foram as pixações nas paredes do Banco de Boston portenho. Segundo a guia, após o colapso econômico, muitos argentinos passaram a pixar e a quebrar, diariamente, as paredes de fora e as vidraças da portaria do banco. Resultado: hoje em dia, uma placa de metal toda pixada e com cartazes atacando os EUA toma o lugar do que viria a ser uma porta. Nas paredes se amontoam pixações e só é possível ver símbolos do Banco de Boston de dentro do ônibus, por um vidro mais alto, onde é possível enxergar pessoas trabalhando dentro do recinto. A entrada acabou sendo improvisada na portaria lateral do prédio.

Após a passagem pelo Banco de Boston, chegamos a Praça de Maio, símbolo das manifestações históricas do povo argentino. Ao seu redor está a Casa Rosada, sede do governo nacional, e a Catedral Metropolitana. Ao norte da praça está a "city portenha", área movimentada que marca o centro financeiro da capital. A oeste, está a Avenida de Mayo que se estende até o palácio do Congresso Nacional. A praça estava lotada de turistas e de pessoas fazendo protesto contra a chegada do embaixador inglês. Dizia o papel: "Bienvenido embaixador inglês John Hughes a la República Argentina, El País das Ilhas Malvinas". Em se tratando de protesto, os portenhos são mestres em provocação. Não chegamos a entrar na Catedral Metropolitana (que dizem ser muito linda), mas verificamos que, sim, a Casa Rosada só é rosada na fachada. Segundo informações, a coloração rosa era conseguida com a mistura de alguns ingredientes (entre eles, sangue de algum animal) e a escassez do produto acabou deixando o serviço pela metade. Na boa, nada que uma tinta Suvinil não resolvesse, mas vá entender...

Já que falamos em tinta Suvinil, corte rápido para o Caminito, uma passagem de uma só quadra localizada no coração do bairro de La Boca, povoada por artistas de rua e por tangueiros de coração que fazem apresentações ao ar livre. A passagem é toda decorada com pinturas de várias cores nas paredes das casas. O bairro de La Boca é um bairro pobre da cidade, que nasceu à beira do porto, com as casas sendo construídas com chapas de metal que sobravam das indústrias. É todo colorido e é um charme. É no bairro de La Boca que nasceram os dois principais times de futebol da Argentina: o River Plate e o Boca Junior. No entanto, com a ascensão e com o dinheiro ganho, o River Plate abandonou o bairro e construiu seu estádio em um local mais refinado da cidade, enquanto o Boca Juniors se manteve no bairro com seu famoso estádio La Bombonera, que tem esse nome porque seu formato lembra o de uma caixa de bombons.

Nesta semana que chegamos em Buenos Aires haveria um clássico Boca x River no domingo. Ingressos? Sem chance. "Acabaram na semana passada", informou um taxista. "Isso porque é no estádio do River. Se fosse em La Bombonera, eles nem colocariam para vender. Apenas os sócios do Boca já lotam o estádio. Nem torcedor do River entra", explica o solicito condutor. Segundo o jornal norte-americano Financial Times, dos dez eventos de esportes mais importantes do mundo, que precisam ser vistos ao menos uma vez na vida, o clássico Boca x River em La Bombonera figura em primeiro lugar... mas não será nessa viagem que irei apreciar esse momento histórico do futebol mundial.

O city tour passou pelo Puerto Madero, uma antiga zona de armazéns portuários, que foi toda remodelada e hoje representa a melhor opção gastronômica da capital, seja para saborear massas, frutos do mar ou para provar o melhor da carne argentina. É no Porto Madeira que também fica o complexo de cinemas Cinemark da capital. Após a passagem pelo porto, pela embaixada brasileira, pela imponente Faculdade de Direito e por vários jardins (Rosedal, Jardim Botânico, Jardim Japonês, Planetário), voltamos ao centro da cidade e fomos entregues em nosso hotel. Dali, fomos almoçar bifes de chouriço na Recoleta. Explica-se: os apetitosos bifes de chouriço deles são a nossa alcatra. Nada demais, mas muito boa.

Outra coisa que faz o charme da cidade são os cafés, muito recomendados por amigos que já visitaram Buenos Aires. Porém, segundo o Douglas (um dos caras que encarou a viagem comigo), os locais são agradáveis, mas os cafés não são lá grande coisa. Bem, existem cafés em todos os cantos da cidade, claro, muito menos do que os locutórios. Em um dos cafés, o garçom curtiu a minha camisa do Corinthians, mas disse que preferia o Santos. É claro que o papo desembocou no clássico River x Boca... A noitada de sexta foi gasta com o Festival Personal (destacando PJ e Primal Scream). Após o festival, uma longa caminhada até encontrar o milagroso 130 que nos deixaria a 100m de casa. E dormir.

SÁBADO

A manhã de sábado foi gasta novamente na Recoleta, que tem uma feira de artesanato bem bacana aos fins de semana. Aproveitamos e fomos visitar o túmulo de Evita, o mais procurado no cemitério da Recoleta. Um prédio que achei interessante, próximo a Recoleta, foi o de Obras Sanitárias. Fica quase ao lado da Faculdade de Medicina e é assustador a noite, parecendo ter sido transportado diretamente da Transilvania para Buenos Aires. De dia não impressiona tanto, mas é admirável.

Minha última visita histórica antes da segunda noite do Personal (e da partida de avião no domingo de manhã) foi no Museu de Belas Artes. O Museu Nacional de Belas Artes é o museu mais importante da Argentina e conta com variadas obras de artistas nacionais e internacionais, como Rodin, Monet, Renoir, El Greco e Goya, além de realizar exposições temporárias. Logo na entrada, me fez apaixonar como há muito tempo eu não me apaixonava por um quadro. Ela tem 131 anos, nasceu na França e atende pelo nome de La "toilette" de Vênus.

De autoria de William Bouguereau, La "toilette" de Vênus me impressionou com seus detalhes e com sua beleza. No Belas Artes ainda é possível contemplar "O Beijo" de Rodin, a "Orillas del Sena" de Claude Monet, "La Ninfa Sorprendida" de Edoaurd Manet, "Círculo con Castaño" de Wassily Kandinsky, "Bañistas en Bretaña" de Paul Gauguin, "Mulher Chorando" de Cândido Portinari, "Mujer Acostada" de Pablo Picasso, "Composición con Reloj" de Diego Rivera e "Le Moulin de la Galette" de Vincent Van Gogh. A título de informação (já que eu só passei em frente), no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, Malba, inaugurado no ano 2000 com base no acervo particular do colecionador argentino Eduardo Constantini, é possível admirar o "Abaporu" de Tarsila do Amaral ou "Autorretrato Con Chango y Loro" de Frida Kahlo.

Antes de encarar a segunda noite do Personal, uma boa soneca e mais café. Os destaques da segunda noite seriam Morrissey e Blondie. Ainda haveria 2manyDjs às 3 da madruga, mas era preciso lembrar que o translado iria passar no hotel às 5h20 para nos levar para Ezeiza. Como eu já havia visto o duo no Tim Festival do ano passado, no Rio de Janeiro, não esquentei perder a discotecagem rock. Mas passando na porta deu para ouvir uma remixagem pesada com... "Don't Cry For Me, Argentina"...

DOMINGO

Uma noite curta de sono, shows de Brian Wilson e Libertines para se ver no Brasil e uma mala pesada para carregar. A viagem de volta foi a mais sossegada possível. Não precisei trocar os pesos que me sobraram, já que foram apenas algumas moedas. Já que falamos em troca de Real por Peso, e vice-versa, na chegada a cidade vale trocar assim que passar pela setor de migração no aeroporto de Ezeiza. Nesta semana eles estavam pagando 0,97 de Peso por 1 Real.

Cinco dias em Buenos Aires deixaram meus joelhos esbugalhados, a planta do meu pé dolorida e minha conta bancária em uma perigosa situação vermelha. Porém, foi uma viagem praticamente perfeita, com muitas novidades, curiosidades e momentos divertidos. Os portenhos merecem uma visita. As baixinhas portenhas também. Ah, esqueci de falar sobre isso.

Praticamente não há negros na Argentina. Todos morreram na Guerra do Paraguai ou vítimas da epidemia de febre amarela que dizimou grande parte da população em 1870. Também vi muitos poucos orientais. Por mais que o filme Abraço Partido mostre uma Argentina multicultural, não foi isso que presenciei. A Argentina foi o país latino-americano que recebeu mais imigrantes na primeira metade do século XX, a maioria proveniente da Espanha e da Itália. Desta forma, as mulheres lembram muito as espanholas. A grande maioria é baixinha, de nariz enorme e deliciosamente empinado. Umas gracinhas. No show de sexta, no Personal, uma proliferação de PJs portenhas bateu ponto e "perfumou" o local. Já os homens são mais estilosos, altos e fortes.

Por fim, Buenos Aires é uma capital sem cara de metrópole. O tradicional e o vanguardista abraçam o visitante, ao som do tango, da arquitetura antiga, das sombras das árvores, do repouso dos cafés e das praças. É um passeio adorável, inesquecível e imperdível.

Post Script: Uma viagem sempre depende das companias, seja para São Thomé das Letras, Ubatuta, Porto Alegre, Londres, Buenos Aires ou para a cidade vizinha. Nada mais justo que agradecer a excelente experiência por terras portenhas aos amigos André, Douglas e Louise. Mais: a queridíssima Sylvie, ao portenho Pablo, e ao casal campineiro Walkiria e Dani. Por tudo. E por nada. Até a próxima.

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Links
Site da Rolling Stone argentina
Site da Los Inrockuptibles argentina
Museu de Belas Artes de Buenos Aires

Moda na BondStreet
Informações sobre Buenos Aires