Teorias do Mestre Opala
série em 07 capítulos por Eduardo Palandi
01/10/2001

Capítulo 03
Titãs e Primal Scream: se as duas bandas fazem o mesmo, por que a crítica os trata diferente?

Neste capítulo das teorias do mestre Opala, o assunto é algo um tanto quanto inusitado: a comparação de duas bandas que, a princípio, não tem muito em comum. O único lado comum às duas em que pensei foi o ano de lançamento de seus primeiros fonogramas: 1984 é a data de lançamento de Titãs e do compacto de All Fall Down.

A crítica brasileira insiste em malhar os Titãs, especialmente após o Acústico MTV, de 1997. Enquanto isso, XTRMNTR, disco do Primal Scream lançado em 2000, foi saudado como um dos lançamentos do ano. Enquanto tratam o disco dos escoceses como "uma eficiente mistura de rock, música eletrônica, dub, engajamento político e outros elementos", dizem que os Titãs "não definem o que querem ser".

Ao longo dos 17 anos passados desde o primeiro disco, pode-se contar o tanto de facetas que os Titãs já tiveram: começaram fazendo uma new wave bobinha, nos dois primeiros discos; depois, fizeram discos mais "violentos", em algo que tinha um pé no punk: é o caso do disco Cabeça Dinossauro. Em Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, as letras tinham um âmbito contestador, que em nada lembra os versos inocentes que faziam apenas três anos antes. E em Õ Blésq Blom, de 1989, a banda definia um novo caminho para a MPB, seja lá o que essa sigla represente.

Enquanto isso, o Primal Scream, cujo vocalista Bobby Gillespie fora baterista em Psychocandy, primeiro disco do Jesus & Mary Chain e que freqüenta a lista dos melhores discos da história, lançou Sonic Flower Groove, um disco fortemente influenciado por P.I.L. e pelo nonsense do Fall. E em 1989, com o segundo disco, Primal Scream, passou-se a sentir influência das bandas americanas que deram o pontapé inicial nesse troço chamado "revolution rock": MC5 e Stooges.

Nesse ponto, já percebe-se que as duas bandas não trilharam apenas um estilo de som. Tudo bem, David Bowie também fazia isso, nos idos dos anos 1970. Mas, ao contrário das duas bandas, Bowie esteve à frente de seu tempo tanto no som quanto na estética: ajudou a criar o glitter rock e, posteriormente, foi um dos primeiros a perceber a revolução eletrônica dos pioneiros do Kraftwerk (tanto é que seus últimos discos nos anos 1970 foram todos feitos em Berlim).

Passando aos anos 1990: os Titãs começaram 1991 (que comumente é descrito como o último grande ano da história do rock, o que vai ser tema de uma teoria vindoura) com Tudo ao Mesmo Tempo Agora. Um disco que era um grande meio-termo entre o metal farofa do Guns and Roses, em voga no momento, e a sujeira do advento grunge. No entanto, o disco saiu ao mesmo tempo ou mesmo antes dos grandes discos do grunge: Nevermind, Ten, Gish. Nesse ponto, surge uma questão: era pioneirismo do octeto paulistano ou algo comercial, na carona do Guns? De qualquer forma, o disco foi um fracasso de vendas, se comparado mesmo a discos da banda que não venderam tanto. Um dos destaques de Tudo ao Mesmo Tempo Agora é a letra de Isso Pra Mim é Perfume, além do não-hit Clitóris.

Do outro lado do oceano, o Primal Scream apresentava Screamadelica. Um disco que procurava mostrar como seria o som do futuro, se os Stone Roses, que um ano antes eram apresentados como "a maior banda de rock and roll da história", não tivessem mergulhado em auto-indulgência. Mas, ao contrário do quarteto liderado por Ian Brown, o Primal Scream tinha uma veia anos 60. E assim foram criados ótimos momentos como Movin'on Up, que eram intercalados por besteiras como Higher Than The Sun, formando um disco irregular, cujos melhores momentos podem ser ouvidos nos discos dos Rolling Stones até 1974.

Arnaldo Antunes então saiu dos Titãs, que mostraram Titanomaquia, quase uma continuação de Tudo ao Mesmo Tempo Agora, que trazia Disneylândia. Em 1994, o Primal Scream deu nova guinada na carreira e lançou um disco que transitava entre o blues e o country americano, Give Out But Don't Give Up. Querendo agradar a gregos e troianos, a banda fez um disco ruim (se você ouvi-lo inteiro, merece um prêmio pela paciência), onde só se salvam Jailbird e o hit absoluto Rocks, mais um plágio dos Stones.

Assim, na metade da década de 90 os Titãs vinham de dois fracassos comerciais e o Primal Scream, de um. Era hora de fazer alguma coisa. A banda brasileira tirou um pouco do peso das guitarras e decidiu apostar em refrãos simples ao absurdo, e em 1995 surgiu Domingo. A faixa-título deu certo nas rádios e a média de discos vendidos, que era próxima a 100 mil, saltou pra 250 mil nesse trabalho. Não era massivo como Cabeça Dinossauro, que vendera mais de 600 mil cópias em 1986. Do lado do Primal Scream, nada ainda. Ouvia-se que a banda faria um novo Screamadelica, que o disco seria mais psicodelia pura.

De volta ao Brasil: a MTV brasileira queria uma banda de primeiro escalão pra participar do Acústico MTV, e logo se falou no nome dos Titãs. Contato e contrato feitos, a banda passou a ensaiar com metais, cordas e tudo o que tinha (e até o que não tinha, vai) direito. O disco foi gravado em duas noites no Rio de Janeiro (sem contar Televisão, que, com Rita Lee e Roberto de Carvalho, era tão ao vivo quanto hoje seria um discurso de Luís XIV) e saiu na metade de 1997. Um estouro de vendas: os adolescentes dos anos 90 descobrindo os hits da banda em versões travestidas de acústico, com algumas inéditas, e o trabalho vendendo quase 2 milhões de discos, algo como a soma das vendagens de todos os álbuns anteriores dos Titãs. Nessa hora, os críticos brasileiros que defendiam a banda desapareceram, e os que a criticavam ganharam mais munição. Falou-se em mais oportunismo, mais reinvenção forçada pelo mercado. Como de bobos eles não tinham nada, assumiram a postura do Acústico: roupas elegantes, postura semi-intelectual, e ao mesmo tempo começaram a participar de programas como o dos Amigos, aquelas duplas sertanejas que infestaram as rádios brasileiras da época.

E o Primal Scream, no mesmo 1997, apareceu com disco novo, Vanishing Point. Se antes era rock garageiro, psicodélico e country, agora a onda é o dub. E aí está, um disco de dub. Com lindos momentos: o único rock, Medication, o single cheio de groove Kowalski e a balada Star, lindíssima mesmo. O único reggae que gosto, por sinal. Estranho foi que ninguém acusou a banda de comercialismo.

Um ano depois, os Titãs afundaram no comercialismo, com o disco Volume Dois, com mais regravações acústicas e a mesma fórmula, e em 1999 bateram os pregos no próprio caixão lançando As 10 Mais, só de covers, pra dar um tempo depois. Quanto ao Primal Scream, lançou XTRMNTR em 2000, fazendo um ótimo uso de música eletrônica, um dos grandes lançamentos do ano, embora tenha quem o ache datado, mas não é essa a discussão.

Novamente, a discussão é: as duas bandas mudaram constantemente de estilo. Então, por quê a crítica massacra uma com base nisso e se derrete em elogios pela outra pela mesma razão? Uns dirão "depende se você faz uso bom ou ruim do novo estilo adotado", mas nada me convence que não há dois pesos e duas medidas no tratamento de Titãs e Primal Scream.

Eduardo Palandi, 19 anos e alguns meses, gosta dos quatro primeiros dos Titãs e dos dois últimos do Primal Scream.