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Acthung Baby - U2 (1991)

por Alexandre Petillo

Em 91, o mundo passava por uma estranha mutação. As pessoas ainda estavam aprendendo a brigar e a amar através de computadores. Coube então ao U2, criar a trilha sonora desde novo mundo.

O U2 dominou toda a segunda metade dos anos 80 deixando de lado as suas raízes irlandesas e mergulhando na cultura americana. Eles visitaram Graceland, cantaram com um coral gospel do Harlem, fizeram um dueto com B.B. King, pagaram tributo à Billie Hollyday e ainda paparam alguns Grammys. A música estabeleceu o U2 como a primeira banda em anos a oferecer ambição, grandiloqüência e liderança, características de gente como Beatles e outros grandes dos anos 60. O U2 tinha cruzado o limite.

Em 31 de dezembro de 89, no final de um show em Dublin, Bono disse para uma platéia lotada que o U2 estava dando um tempo. "Para podermos sonhar tudo de novo", foram suas palavras. Daí em diante, Bono, Edge, Larry e Adam trataram de desaparecer do mundo pop. Até Novembro de 91. Depois de brilhar sob todos os holofotes do rock, o U2 voltou de Berlim, na Alemanha, com os resultados de uma incisiva viajem à escuridão. Achtung Baby foi gravado no legendário Hansa By The Walls, estúdio onde Brian Eno ajudou David Bowie a finalizar Low e Heroes, entre 1976 e 77. O disco saiu em um ano em que o rock estava obcecado por ódio e raiva. Inspirada pela atmosfera de mudança da recém unificada Alemanha, Berlim e Eno reiventaram o U2. E, por conseguinte, a música pop.

O disco começa com Zoo Station. Uma guitarra heavy-metal de filme de terror anuncia os novos tempos. Bono, com a voz cheia de efeitos e sufocada, diz que não está nem aí. "Estou preparado para o gás do riso/Estou preparado para o que vier". Mas nada disso poderia preparar o mundo para o que estava ouvindo. O U2, último bastião do rock estava soando.... eletrônico. Larry Mullen Jr., o baterista, agora socava seu bumbo acompanhado de sequencers e batidas pré-programadas dançantes. Ninguém esperava que a banda que fez Sunday Bloody Sunday fosse aparecer com músicas que misturavam dance-music, hip-hop eletrônico e guitarras pesadas. Ao lado de Daniel Lanois, Eno criou um disco cheio de textura e pequenos detalhes numa época em que a tosqueira reinava.

Em toda a sua discografia o U2 nunca soou tão coeso como em Achtung Baby. Edge, que fora chutado pela sua esposa poucos dias antes do início das gravações, se apaixonara de novo pela sua guitarra, agora vigorosa e potente como nunca. Com seu estilo minimalista, Edge deu novo significado para o uso de ecos e feedback. Bono, que apenas preocupava-se com responsabilidade social e consciência política, apareceu de couro preto e óculos mosca, intrigado com as dúvidas concretas quanto aos descaminhos do coração. A maioria das 12 faixas que compõem o álbum falam de desapontamentos e dúvidas - em uma via de mão dupla, o amor pode ser a lei maior, te chapar e ser doloroso. Na dilacerante One, Bono canta os versos com tanta paixão e urgência que parece uma revelação. "Nós somos um / Mas não somos iguais / Temos que nos carregar". O compositor, que sempre foi evasivo mesmo em suas canções de amor, resolveu se abrir e deixar escapar sentimentos secretos. Chega a parecer vulnerável em alguns momentos. "Desperation is a tender trap/It Gets you every time", canta, na acusatória So Cruel.

No entanto, o pop tem a incrível habilidade de transformar válvulas de escape emocionais em músicas dançantes. Assim, o U2, em sintonia com os então novos grupos ingleses, como Happy Mondays e Jesus Jones, canalizou os beats da nova era e fez o planeta dançar. Even Better Than The Real Thing invadiu as pistas com seu riff repetido. Em The Fly, a segura linha de baixo de Adam Clayton conduz até ser soterrada pelas batidas de Larry. Sobre uma parede de guitarras a la Sonic Youth, Bono questiona sua posição como performer. "Every artist is a cannibal / Every poet is a thief". Misterious Ways e seu swing oriental apresentava as nova regras: a globalizada visão multiculturalista mistura tudo, enquanto garotos dançam a noite toda chapados de ecstasy.

A banda se entrega em Love Is Blindness. Enquanto Bono canta que "o amor é a cegueira / não quero enxergar", Larry e Adam constróem um clima angustiante, que explode no solo cortante de Edge, como a explosão de uma paixão subentendida. Desde sua capa, o U2 trazia em Achtung Baby todos os conceitos do mundo que se criava: tecnológico, pornográfico, sufocante, hedonista, cínico, selvagem, andrógino, não-romântico, glamouroso e bombardeado por informações ultra-rápidas.

Achtung Baby delimitou o som dos anos 90, e todo mundo que no fim do século, misturou eletrônica à guitarras pesadas, utilizou o disco como referência. De Radiohead ao drum'n'bass. Ok Computer não teria existido sem Achtung Baby. Seja isso bom ou ruim.



Bônus 1: Ano de lançamento: 1991, produzido por Daniel Lanois e Brian Eno

Bônus 2: Desde seu lançamento, Achtung Baby já vendeu mais de 8 milhões de cópias em todo o mundo. Em 91, o disco assumiu o primeiro lugar da parada inglesa e americana. O U2 acabou ganhando o Grammy de melhor álbum de rock do ano e Lanois e Eno foram eleitos os Produtores do Ano.

Bônus 3: Quase metade do álbum reverteu-se em single. Em ordem: The Fly, Mysterios Ways, One, Ever Better Than The Real Thing e Who's Gonna Ride Your Wild Horses. Muitos remixes e covers, além de algumas faixas ineditas, apareceram nestes singles. Entre as covers: Satellite of Love (Lou Reed), Night and Day (Cole Porter) e Paint It Black (Rolling Stones).