MATÉRIAS ANTOLÓGICAS

Dois discos muito importantes por razões muito pessoais
de André Forastieri

Todo mundo tem um disco que mudou a sua vida. Ou dois, ou três. Mais que cinco não vale. 

Não é disco que a gente gostou, é disco que realmente marcou uma época e levou a gente a mudar de alguma maneira. Muitas vezes é um disco famoso de um cara importante. Às vezes é uma bobagenzinha. 

E as vezes é uma bobagenzona. Por exemplo: da minha lista, um dos discos reúne trechos de um grande show de caridade e o outro é a trilha de um filminho adolescente idiota. 

Flashback 1980: Concert For Campuchea, um álbum duplo de capa vermelha, registro de um showzão que rolou em Londres em 1979, em benefício de desabrigados, crianças carentes e miseráveis em geral do Camboja. Comprei a única cópia que tinha na loja, que era a Som 6, a maior da minha cidade. 

Foi meu primeiro contato com Clash, Elvis Costello, Pretenders _e só por esse choque do novo já teria sido importante o suficiente na minha vida. O velho vinil está quase furado em Armageddon Time, The Imposter e Precious (Chrissie Hynde era um tipo novo de mulher. Um tesão). 

Mas também tinha Queen, The Who, Paul McCartney, Robert Plant. Velhinhos, talvez não tão velhinhos assim naquela época. Campuchea era uma combinação de gêneros e épocas que dava uma pala da variedade que o rock estava para ganhar. 

Flashback 1983: Times Square, trilha sonora de um filme com a Trini Alvarado e, se não me engano, uma moreninha chamada Phoebe Cates. O filme estava disponível em cópia pirata numa locadora da avenida Rebouças, e um amigo meu comprou o disco. 

Lembro claramente da gente ouvindo o disco sem parar, no quarto do Beto e do Sérgio, fumando como uns desesperados e apagando os cigarros num balde gigantesco de cinza, que eles guardavam em cima de uma estante. Esse disco tinha Ramones (I Wanna Be Sedated), Gary Numan (Down In The Park), Tubes (acho), Joan Jett. Gravei, gastei a fita, joguei fora, vou acabar comprando em CD (que nem sei se existe).

E Bryan Ferry, que verei (vi) sexta-feira à noite. Bryan Ferry com o Roxy Music, tocando Same Old Scene, a música a que o Duran Duran deve sua carreira glamurosa, cocainômana, com um arranjo luxuoso, mas intenso. Fru-fru relevante. "Nothing lasts forever, that is true/now I've made an offer you can't refuse." O choque do novo, parte 2. 

A compra desses dois discos levou à compra de discos de todos esses caras acima. E das bandas antigas de alguns deles. E de gente que fazia parte das mesmas ondas. Esse disco acabou virando uns cem discos na minha prateleira, pelo menos. 

Por causa deles, talvez mais do que por causa dos outros três ou quatro discos que mudaram a minha vida, é que comecei a ler sobre música. Tentar me informar, conversar com os amigos, tentar entender o que se passava. Isso tudo deu no fato de que, quando fui contratado para ser repórter, rapidinho comecei a escrever sobre música. 

Quer dizer, em boa parte devo a esses dois discos o fato de estar, hoje, escrevendo isso, e você lendo. Achei que você gostaria de saber... E é por tudo isso que fui ver Bryan Ferry. Senti que devia isso a ele. 

Este texto foi publicado na coluna "Ondas Curtas" (10/04/95) que o jornalista André Forastieri teve durante um bom tempo no caderno Folhateen do jornal Folha de São Paulo. Forastieri foi editor da Bizz, da General e agora comanda a Editora Conrad.