Esses você precisa ver
Quem é Kevim Smith?

de Alexandre Petillo
texto publicado no S&Y on Paper nº 5
atualizado porMarcelo Costa
Sabe aquele cara gordinho, que assistiu trocentas vezes Guerra nas Estrelas e que ficava em casa lendo gibi de super-heróis enquanto você saia pra catar "as mina"? Esse cara é Kevin Smith. Nerd, claro. Afinal, essa é, definitivamente, a época deles, conforme previu sabiamente a revista General anos atrás.

Kevin é um cara que se diverte pacas com o que faz. E, melhor, ele sabe fazer bem o que gosta. O resultado disso são os filminhos legais que podemos encontrar nas locadoras - já que nos cinemas daqui eles passaram batido.

Uma das grandes sacadas de Kevin Smith é que os personagens e as situações "de fundo" são praticamente os mesmos em seus filmes, causando uma sensação de sermos todos da mesma turma, de repartirmos as mesmas experiências e tal.


O Balconista
, (Clerks - 1994), foi o debute cinematográfico e o primeiro da chamada "Trilogia de New Jersey", que, inclusive, chegou a passar nas telinhas brasileiras, via TV Cultura. É um filme tecnicamente simples, em branco e preto, com um roteiro extremamente genial e divertido, características tradicionais no estilo Kevin Smith.

O filme conta a história de Dante (Brian O'Halloran), balconista de uma loja de conveniência que tem que trabalhar no seu dia de folga. O cara tenta se manter calmo diante de todos os clientes pentelhos e as situações tragicômicas que invadem a loja enquanto sua cabeça segue dividida entre o amor da atual namorada e o tesão pela ex da época de colégio.

Basicamente é isso, não dá pra contar muito sem perder a graça. Certamente é um dos filmes mais bacanas da década de 90, ácido, sutil e ágil. Altamente recomendável para você que quer exercitar o seu separador de orelhas.

Mais? O filme custou pouco mais de US$ 27 mil, grana que Smith juntou estourando o limite do cartão de crédito e vendendo sua coleção de gibis. Ainda. O filme marca a estréia da dupla de heróis mais cool do cinema: Jay e Silent Bob. Este último interpretado pelo próprio Kevin Smith. Os dois aparecem em todos os filmes e são de importância capital no desenvolvimento das histórias. Jay é o falastrão, medito a garanhão e Silent Bob, óbvio, não fala muito, mas quando fala, suas palavras são os pontos-chave dos três filmes. Preste atenção. O Balconista foi um estrondoso sucesso nos festivais de Cannes e Sundance (prêmio da critica no primeiro e o grande prêmio no segundo) e arrecadou mais de 6 milhões só no circuito independente americano, fato que chamou a atenção dos chefões da Miramax, que acabaram comprando o passe de Smith.


Mallrats
(1995), o segundo, saiu por aqui com o título de Barrados no Shopping (palmas para o tradutor) graças a presença de Shannen Doherty (você sabe, a Brenda) no elenco. É o mais fraco dos três, mas em se tratando de Kevin Smith, a diversão é garantida. O filme serve mais como elo de ligação entre os outros, mas já vale pela presença da lenda viva Stan Lee, o chefão da Marvel e criador do, entre outros, Homem-Aranha. É antológico o encontro de Stan Lee com o personagem do ator Jason Lee, quando este pergunta a Stan, grandes mistérios da nossa infância, como se o pinto do Coisa também é de pedra...

Mallrats se passa quase todo dentro de um shopping, e mostra a hilária tentativa de um cara tentando sabotar um programa tipo Namoro na TV em que a sua ex vai participar. Além de Brenda, os bacanas Ben Affleck, Jason Lee e Jeremy London (Part of Five) também participam.


Não importa quem você ama e sim como. Esse é o mote de Procura-se Amy (Chasing Amy - 1997), badalado terceiro filme de Smith, sucesso de crítica e público. Foi o grande reconhecimento da genialidade do diretor. Totalmente inspirado no relacionamento de Smith com Joey Lourey Adams, a Amy do título e do filme, o roteiro descreve as funestas conseqüências das respostas sobre as perguntas que cedo ou tarde você não resiste e acaba fazendo (ou descobrindo) sobre o passado da (o) namorada(o). Fala como lidar com essas informações quase sempre desagradáveis e que na verdade não importam.

É aquele velho papo, não importa o passado, o que vale é o agora, aqui com você e isso, aquilo. Bonito, em tese, mas qeu não funciona na prática. Além da habitual genialidade de Smith aliado ao ótimo roteiro e agilidade dos diálogos, Procura-se Amy destaca-se pela excelente atuação do trio central (Joey Lourey Adams, Jason Lee e Ben Affleck). É o relacionamento amoroso na sua forma mais real: divertido, legal, romântico e, claro, complicado e doloroso.

Amy ainda trata com bom-humor os modernos relacionamentos homossexuais. Os pensamentos de Hooper X sobre a política da comunidade gay são, no mínimo, hilários. E reais. Tente não rolar de rir no sofá depois dos 20 minutos iniciais, ou na genial seqüência do bar. Affleck e Lee encarnam a perfeição os personagens principais dessa comédia romântica totalmente anos 90, com histórias de quadrinhos de pano de fundo. O filme trouxe fama e credibilidade a Kevin Smith. Tanto que acabou recusando um convite milionário para fazer o roteiro de Superman V.


O quarto filme de Kevim sobre a guarda da poderosa Miramax não poderia deixar de ser provocativo. E foi. Dogma estreou em Cannes em 1999 e, elogios cinematográficos a parte, levou uma saraivada de criticas das alas mais conservadoras da... igreja católica. A liga católica americana organizou manifestações contra o filme, classificando-o de ofensivo a fé, o que acabou dificultando a distribuição e, no Brasil, a TFP conseguiu que o filme chegasse aos cinemas proibido ao público menor de 18 anos. Mais. A polêmica foi parar no Ministério da Justiça, e debates sobre os efeitos nefastos desse tipo de censura pipocaram em todos os cantos. No final, Dogma foi boicotado pelas grandes redes de cinema, ficando restrito aos circuitos alternativos. É o politicamente correto mais uma vez tirando os prazeres da vida.

O filme conta a história de Loki e Baterbly, dois anjos caídos (os chapas Matt Damon e Ben Affleck) que foram banidos do céu e condenados a passar toda a eternidade na Terra, mas que resolvem voltar ao Paraíso, colocando em risco toda a existência. Para salvar o mundo, uma equipe é formada: Bethany (Linda Fiorentino), a última descendente de Maria, que trabalha numa clínica de aborto para ganhar o pão de cada dia; Rufus (Chris Rock) o 13º apóstolo que nunca fora mencionado nas santas escrituras porque é negro; Muse (Salma Hayeck), a encarnação das musas dos maiores artistas da humanidade e, ainda, os profetas Jay e Silent Bob, claro. A partir daí, piadas sobre o catolicismo e questionamentos sobre ter ou não ter religião inundam a tela. Ah, e sim, é esse o filme em que Alanis Morrissete faz o papel de Deus. Dogma ainda traz Jason Lee inspirado no papel do demônio Azrael e a cool Janeane Garofalo.

O roteiro é ágil e os diálogos são engraçados, além daquelas cenas antológicas típicas do estilo do autor. E, no fim, revela-se bem carola, pregando que na vida, acima de tudo, devemos ter fé, mesmo sem religião. O que sempre importou foi a fé, não importa em quê. Ou seja, a fé é maior que a religião. Bacana.

Em 2001, no resto do mundo, estreou Jay e Silent Bob Contra Atacam (Jay and Silent Bob Strike Back), o quinto filme com assinatura de Kevim Smith. No Brasil, o filme integrou alguns festivais no ano passado, mas sua estréia vem sendo constantemente adiada (a última data era 29 de março).


Jay e Silent Bob Contra Atacam, para manter o clima, desenvolve as autocitações. A dupla central vibra após descobrir que os personagens de histórias em quadrinhos inspirados neles (em Procura-se Amy) serão levados para o cinema. Porém, ao descobrirem que não receberão royalties pela realização do filme, a dupla resolve ir até Hollywood para sabotar a realização das filmagens. A dupla de heróis eleva ao máximo o uso de palavrões e piadas escatológicas neste que o mais fraco dos cinco filmes de Kevim. E, sim, quase todos os atores que apareceram nos quatro filmes anteriores freqüentam a tela em Jay e Silent Bob Contra Atacam.

Aí, você pergunta? Mas por quê que os filmes de Kevin Smith são legais? Ora, são legais porque são legais pô! Eles são auto-explicativos, não tem por quês, são legais e pronto, simples assim, direto e reto, como o melhor pop de três minutos. São filmes que foram feitos pra divertir e fazer pensar. Divertir, essencialmente. Sem pretensões e aquele negócio "sétima arte". E você sabe, é da despretensão que saem os melhores trabalhos. Desencano total. Pois, o rock e o cinema, são artes que não foram feitas para serem levados a sério, ok.

Então, a locadora te espera, porque esses você precisa ver.