"Crumb", de Terry Zwigoff

por hugo
Novembro / 2000

Você conhece Crumb? Sabe quem foi Robert Crumb? Provavelmente, para você, seu ingrato, ninguém que interesse, aposto... 

Ele, simplesmente, foi o cara que inventou o quadrinho underground norte-americano (e, por conseqüência, mundial), com a revista ZAP!, nos anos 60. Participou, também, da contra-cultura hippie, mesmo que a contra-gosto, já que odiava tudo aquilo, principalmente o rock. É assim que ele justifica a sua recusa em aceitar uma proposta milionária para desenhar uma capa para os Rolling Stones. Só o fez para Janis Joplin, em Cheap Thrills, por serem amigos.

E o documentário Crumb conta tudo isso. Tudo isso, e muito mais. Se você nunca leu uma história de Crumb (e se é o caso, aconselho que o faça, principalmente se pretende ver este documentário), talvez o que eu vou revelar, não queira dizer muito; mas, tudo aquilo, toda aquela loucura, é verdade. Basicamente, a maior parte do seu material é auto-biográfico. E quando não é, serve somente de válvula de escape para os seus anseios e fantasias (principalmente sexuais), mais sórdidos e sujos.

Mas, dito assim, faz parecer que esteé um filme sensacionalista sobre um pervertido. Nada disso, Terry Zwigoff (que levou seis anos para fazer este filme) é um grande amigo de Crumb, e o conhece desde 1970, sendo que os dois tocam juntos na banda The Cheap Suit Serenaders (especializada - acreditem - em jazz e country dos anos 20): Crumb no banjo e Zwigoff no violoncelo e no bandolim, tendo já gravado três álbuns. Pois bem, nem o filme é sensacionalista (o mais chocante nele, é que nada é buscado ou forçado, tudo é natural. As pessoas sentam-se diante da câmera, e começam a falar e a falar), nem Crumb é um pervertido. Na verdade, ele é totalmente família. O problema, é que a família dele é totalmente insana.

Charles, o irmão mais velho diz, por exemplo, que tentou o suicídio várias vezes e que passa os dias trancado em casa com a mãe (que constrange Crumb em vários momentos, com os seus depoimentos), lendo romances do século 19 e tomando tranqüilizantes (e essa é a boa notícia. A má, é que, um ano depois de terminado o filme, finalmente ele conseguiu se matar). Maxon, o mais novo, que senta todo dia durante horas numa cama de pregos e sai à rua com uma cuia pedindo esmolas, conta como teve um ataque epilético ao tentar "xavecar" uma moça. Crumb conta como era espancado pelo pai (que queria que ele se tornasse fuzileiro), confessa sua tara por pés femininos e assume sua hostilidade às mulheres. E conta que os colegas de escola o ridicularizavam, e as garotas o desprezavam.

Conhecendo-se um pouco da vida de Crumb, percebe-se que ele não é um maluco (e isso foi por pouco: se não tivesse encontrado uma válvula de escape nos quadrinhos, nem pessoas que o aceitassem, teria o mesmo destino dos irmãos. Segundo ele, o seu irmão mais velho era mais talentoso do que ele). Não é um herói, não é um contestador e nem é um imoral (sob certos aspectos, até, é um conservador). Ele só é ... ele mesmo. Sempre. E isso nem requer coragem, pois para ele, isso é a coisa mais natural do mundo.

Neste aspecto, quando eu crescer, quero ser igual a ele.

hugo ( hugolt@hotmail.com ), colabora com este zine e conheceu Crumb através das saudosas e malditas revistas "Porrada!" e "Abutre", das quais ninguém se lembra, só por que foram comtemporâneas da "Animal". Essa vida é mesmo injusta ...