Matérias Antológicas

Cameron Crowe
Introdução ao "Not fade Away", de  Ben Fong-Torres

traduzido por Cecilia Gianetti
Novembro 2001


"Ben,

Estou escrevendo para avisar que vou me atrasar com a introdução para o seu livro. Sendo um brilhante escritor, repórter e editor, você está familiarizado com todas as desculpas habituais. De fato, você é um expert. "Eu não estou me sentindo bem". "Eu ainda não tenho o meu lead." "Preciso de mais material de entrevistas." "Meu gravador não funcionou, e eu tenho que reconstruir tudo de cabeça." Em todos os seus anos como editor de música da Rolling Stone, além de ser um dos seus mais estimados jornalistas, você já ouviu de tudo. É impossível te enrolar, então eu vou dizer logo: É muita responsabilidade. Eu não posso apenas lançar alguns parágrafos. Quer dizer, não é só uma pauta, Ben. É você - meu primeiro editor de verdade.

Você lembra quando a gente se conheceu? Como um fã de rock vivendo em San Diego, eu costumava malocar umas Rolling Stones pra dentro de casa. Minha mãe, professora, tinha a mente aberta de muitas maneiras... menos de uma. Rock and roll não era bem vindo em nossa casa. Era, ela dizia, um desperdício de neurônios. Minha primeira escolha para profissão, baseada no filme To Kill a Mockingbird, era a advocacia. Eu queria ser Atticus Finch (...) um pilar da comunidade. Ah, isso ia fazer a família feliz. E aí o rock and roll entrou na minha vida, cortesia de uma irmã que havia retornado de uma visita a São Francisco com uma cópia do "Cheap Thrills", da Big Brother and The Holding Company. Eu comecei a comprar discos escondido. Eu lia seus artigos na Rolling Stone, sem sequer perceber que você era responsável por decidir sobre as pautas e editar todos os outros perfis musicais também. Eu queria entrevistar Crosby, Stills, Nash & Young. Eu queria ser você. Eu comecei a escrever sobre música para um trabalho de escola, e para um jornalzinho local underground chamado The Door.

Estava escuro naquele show em Los Angeles, os Rolling Stones, The Forum, o show de 1973 para levantar dinheiro para a causa da Nicaragua. Você e Annie Lebowitz estavam em turnê com a banda para aquela grande matéria de capa, aquela com Mick de camisa havaiana. (Espero que esteja incluída nesta coletânea). Nós fomos apresentados por Bobbi Cowan (...) Os Rolling Stones estavam prestes a entrar no palco, e as luzes foram apagadas. Você não viu que eu tinha 15 anos de idade. (...) Nos falamos rapidamente; eu te contei que era um freelancer de San Diego. Você perguntou se eu não tinha nenhuma entrevista na lata, qualquer coisa que eu quisesse te mandar. Eu sugeri o grupo Poco. Você me disse pra mandar 750 palavras e você também me disse pra mandar junto uns tearsheets. Eu não sabia o que eram "tearsheets", mas eu concordei. Eu sabia que tinha que ser bom, e nós apertamos as mãos de novo. Os Rolling Stones estavam agora tomando o palco. Mick Jagger atacou de Oh Carol, mas tudo que eu conseguia pensar era que tinha acabado de pegar uma pauta na Rolling Stone com Ben Fong-Torres.

Eu te mandei uma matéria sobre Poco e uns dias depois telefonei.
"É Cameron Crowe, de San Diego".
"Doideira", você disse.
"A matéria tava ok?"
Você remexeu em alguns papéis.
"Tá boa".

Foi simples assim. Minha primeira matéria pra Rolling Stone. Apesar de eu ter escrito um artigo ou dois pro Lester Bangs na Creem, foi aqui que começou minha carreira profissional como jornalista. Mais matérias se seguiram, incluindo uma sobre o Yes. Foi durante esta fase que você ligou pra minha casa, e minha irmã atendeu. Você falou com ela por alguns minutos. Você perguntou quantos anos eu tinha, e ela estava mais do que de boa vontade para te revelar esta preciosa informação que eu não tinha compartilhado com você. "Ah, ele tem 16 anos de idade", ela te disse. Você publicou isso na revista. Foi embaraçoso ser uma curiosidade jornalística... que diabo, 26 anos depois, posso contar isso: Eu amei aquilo. Ainda encontro gente que lembra da revista naqueles tempos e de coisas que você escreveu e editou. Eles lembram de mim como o jornalista de 16 anos. É tudo culpa sua, Ben. Minha mãe, que ainda não consegue acreditar que me deixou entrar em turnê com os Allman brothers, com o Led Zepellin, e com o David Bowie - todas as pautas que você me deu - ainda está choramingando que eu nunca fui pra faculdade de Direito. É sua culpa, e dificilmente passo um mês sem te agradecer secretamente por isso. Mas como é que eu posso colocar isso na introdução de um livro com suas matérias?

Há muito tempo atrás, enquanto eu estava na sua casa em São Francisco, lutando contra minha primeira matéria completa, você me deu um conselho: seja informativo, mas seja também pessoal. Escreva como se você estivesse escrevendo uma carta para um amigo. E eu fiz assim. Obrigado, Ben.

Com amor, Cameron de San Diego."



Nota do editor: Recebi este texto no fim de uma sexta-feira de muito trabalho. Não dei a minima. Imprimi o email e deletei a mensagem. Sai da redação em que trabalho pouco mais de 18h30 e, no ponto de ônibus, cruzamento da Rebouças com a Faria Lima, em São Paulo, lacrimejei paixão pop ao me deliciar com as linhas traduzidas pela Cecilia Gianetti. O texto e vários outros comentários você encontra no blog da Ciça. Peço desculpas a ela por trazer a tradução para o "Matérias Antológicas", mas a paixão pop se fez urgente. São textos assim que fazem o jornalismo e, quiça a vida, valer a pena.