Um Adolescente Nos Anos 80 #7 
"Downtown Train", Tom Waits
por André Takeda
Spectorama
2000

Não havia nada pior: além de perder a namorada, era chamado de corno. Tentei de todas as formas esconder que ela havia aparecido com outro na minha festa de aniversário, mas você sabe como é o colégio. Logo, este era o assunto de todas as conversas nos corredores, na biblioteca, no bar, nos bilhetes na sala de aula. Definitivamente, eu era o corno do ano.

E era isso mesmo que eu era: um corno manso. Pior, um corno manso deprimido. Durante duas semanas, não tive vontade de fazer nada. Passava boa parte do tempo matando aula no terraço do colégio, fodendo com minhas notas e meus pulmões. Acho que foram naquelas duas semanas que comecei a ficar viciado para valer em cigarros. Fumava uma carteira por dia, e ainda comprava a marca mais barata para poder fazer render a grana que ganhava dos meus pais. Era um mata-ratos horrível, mas era isso mesmo que eu queria. Sim, eu queria ficar com um gosto podre na boca, com os dentes amarelados, com a roupa fedendo e com a auto-estima lá embaixo.

Talvez fosse o excesso de Tom Waits no walkman, mas tinha certeza que nunca nenhum homem havia sofrido tanto por uma mulher como eu por Julia.

Na verdade, por causa daquele egocentrismo típico de adolescentes, eu acreditava que ninguém jamais iria sofrer como eu. E, então, na terceira quarta-feira, e segunda aula de literatura que havia matado, ouvi alguém se aproximar no terraço. Pensei que fosse Pedro, a única pessoa que conhecia meu esconderijo, mas senti um perfume de sabonete de bebê. E definitivamente Pedro não fazia o tipo de quem usava sabonete de bebê.

"Puxa, você tá mal mesmo, João", ouvi uma voz conhecida falar.

Ainda sentado no cimento frio, levantei minha cabeca e olhei para cima. Era Andrea, uma colega de aula. Fiquei surpreso por alguns segundos. Eu e Andrea éramos de grupos diferentes. Enquanto eu fazia o estilo roqueiro, ela era toda certinha e andava com os surfistas fãs de reggae.

"Oi, Andrea." 
"Posso sentar?" 

"Hã? Sentar? Pode, claro."

Ela jogou um livro no chão e sentou sobre ele. Provavelmente para não sujar seus jeans de grife. 
"Tá surpreso de me ver aqui, né?" 

"Não. Quero dizer, não sei. Talvez." 

"Eu também tô." 

"Tá o quê?" 

"Surpresa." 

"Ah, tá." 

"Tudo bem de eu ficar aqui com você?" 

"Você tá matando aula de literatura." 

"Não tem problema. Acho que não vai ter nada de tão importante assim. Além do mais, já tô de saco cheio de Machado de Assis." 

"Machado de Assis é o maior escritor brasileiro." 

"Pode ser. Mas eu acho que a gente é muito jovem e imaturo pra ler o cara." 

"É. Talvez você tenha razão."

Eu não poderia acreditar. Andrea e eu estávamos conversando. Nós éramos colegas de aula desde a terceira série e, desde então, havíamos trocado no máximo vinte palavras.

"Mas não vim pra falar de literatura." 
"Não?" 

"Vim falar com você…" 

"Comigo?" 

"Sim. É que…" 

"Quer um cigarro?" 

"Não fumo." 

"Importa se eu fumar?" 

"Mais ou menos… Mas se quiser, tudo bem." 

"Valeu. Prometo que não jogo fumaça pro seu lado." 

"Obrigada." 

"Então… Você veio falar comigo?" 

"Vim. É que, hã, tava pensando em tudo que aconteceu com você. Já ouvi todas as versões: que você mereceu, que a Julia foi filha da puta, que você só tá se fazendo de deprimido. Ouvi tudo isso e nada me importa. Não quero fazer julgamentos, nem nada. Só acho que este é um bom momento pra dizer o que sinto." 

"E o que você sente?" 

"Você não sabe, João, mas desde a quinta série passo boa parte do meu tempo…" 

"Continua…" 

"Olha, foi difícil vir até aqui. Tive que juntar toda coragem que tenho e que não tenho. Por isso, você não vai poder me apressar, ok?"

"Ok. Desculpa." 

"Tudo bem. Vamos lá: passei boa parte do meu tempo pensando em você." 

"Em mim?" 

"É, em você. Desde a quinta série, quando você se ofereceu pra me levar de ônibus até minha casa porque meu pai não podia me buscar, desde aquele dia 

constrangedor, não páro de pensar em você." 

"Putz. Tinha me esquecido disso. Você nunca tinha andado de ônibus sozinha e tava morrendo de medo! Que absurdo!" 

"Sei que era um absurdo, que eu era uma filhinha de papai medrosa, mas aquilo João, aquilo foi lindo. A gente não falou nada no caminho inteiro e, mesmo assim, só consegui pensar em você. Sei que nós somos diferentes, sei que você me acha uma mimada sem graça, mas não posso te ver assim arrasado, perdendo as aulas…"

Eu estava pasmo com tudo aquilo. Mas ainda me achava o maior sofredor de todos os tempos.

"Não sei o que você tá querendo dizer, Andrea. Só sei que não posso fazer nada. Tô assim fodido e pronto. Fui um namorado insensível, mereci aqueles chifres. É isso. Sou corno. E não há nada pior do que isso. Ser corno e saber que mereço ser chamado assim." 
"Claro que há coisa pior." 

"O quê por exemplo?" 

"Ser apaixonada por alguém e não ter coragem de dizer. Ser apaixonada por alguém que te acha fútil." 

"Você fala assim porque nunca viu alguém que você gosta com outro." 

"Vi sim." 

"Quem?" 

"Você, seu estúpido." 

"Mas não sou seu namorado." 

"Eu correria o risco de ser traída se você quisesse ficar comigo".

Andrea disse e depois, com uma rapidez de quem era campeã de handball no colégio, pegou seu livro e desapareceu do terraço.

Fiquei um bom tempo ali, olhando para onde Andrea estava sentada, sem saber o que fazer. De repente, deu um frio na minha barriga e comecei a sentir um medo, o mesmo e velho medo estúpido que tanto conhecia, aquele medo de sempre, o medo de estar novamente se apaixonando e não saber o que fazer com isso.

E, quando percebi, já havia descido para a sala de aula. No meio do caminho, ouvi algumas pessoas me chamarem de corno. Não dei a mínima. Afinal de contas, eu já sabia: sim, havia coisa pior no mundo.


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