De uma as duas
de Marcelo Silva Costa

Quase uma da manhã. Venta. Perco a paciência. Olho pela janela. Ouço The Dandy Warhols. São três andares. Acendo a luz. E num ímpeto estranho lembro Clemente cantando que a garrafa de uísque está no mesmo lugar em que pus.
Não sei quem sou. Nem o que sinto. É estranho. Esquisito. Fico sentado ouvindo carros e guitarras. 
Um cara gritando I love you. Tento rir. Penso em você. Ouço alguém. Sou eu mesmo. Parece perfeito. 
Pego o meu mapa astral e leio. Não entendo. Não te entendo. Por que tudo tem acontecer desse jeito? 
Por que Queens of the Stone Age? Tento lembrar por que você não está por perto? Silêncio. Folheio mapas. Traço rotas. Faço apostas. E perco. O vento venta. A chuva chove. É intenso. Tropeço nos travesseiros. 
Caio sobre o inferno de Patrícia Melo. Não é o mesmo. Levanto-me apoiado em anjos que riem. 
Lembram-me que sempre me apaixono assim. Como um bêbado. Não é nada divertido. Aperta o peito. Mas não é o fim. 
É só sincero. É o meu jeito. É um teatro em que só falta chover você no meu quarto. Nos meus braços. No meu colo. 
Sei que pode acontecer. Eu já vi chuva de sapos. Ok, foi num filme de Paul Thomas Anderson. Eu sei. E quero saber mais. Como são seus olhos? Como você fica quando acorda? Qual o cheiro da tua nuca? Quantas horas irão durar essa loucura? Não me pergunte se eu só tenho perguntas. Eu esqueci todas as respostas. Esqueci que devia dormir. Isso foi ontem. 
Não me lembro às horas. Mas me lembro de você. Não me pergunte. Escolho outro cd. New Adventures In Hi-Fi. 
Folheio jornais. Todos eles estão fazendo listas de cinco mais. High Fidellity. 
E as cinco coisas que eu mais queria nesse momento eram você, vinho, sábado, domingo e tudo isso se repetindo. 
Acho que só falta você no meu caminho. Fico sentado imaginando você sorrindo. 
E num ímpeto esquisito ouço Wander Wildner dizendo que eu não consigo ser feliz o tempo inteiro. 
Não sei quem é você. Nem o que sinto. Não desligo. A pilha poderia acabar agora. A insônia poderia ir embora. 
Essa saudade doida me incomoda. E me faz rir sozinho na janela do quarto. Como pode acontecer? 
Queria gostar de cigarro. Acendo um, imaginário. E fumo. Estou sem rumo no tempo/espaço. Fico tentando te encontrar. Penso em caminhar. Abro a porta. Chamo o elevador. Viro as costas. Isso é amor? Fala alguma coisa. Me chame de tolo. Quebre o encanto e traga biscoitos para o café da manhã. Quero acreditar no amor. Quero acreditar na saudade. É verdade. Quero colo. Quero vinho. No umbigo. Quero saber o que é sentir você dormindo no meu peito. 
Onde te pego? Qual o lado? Quanto tempo? Será para sempre? Se eu ligar, você atende? Se eu respirar, você acorda? 
Posso ficar te olhando a noite toda? Eu afogarei minhas crenças para ter você em paz. Abra a porta. Vou entrar. Me deixa. Me beija. Feche os olhos. Vamos sonhar. Juntei os cubos de gelo. Parecia perfeito. Estão todos olhando. Estou com sono. Daqui a pouco saio voando. Isso é Disney. Quem foi que disse que tudo acontece? Eu só queria ver você acontecendo aqui. Não sei mais o que escrever. Retiro o Jon Spencer. Volto a ouvir The Dandy Warhols. Olho para o teto. Perco a paciência. São quase duas da manhã. 

Marcelo
06/11/00