KLAATU BARADA NITKO!
Era uma vez no inverno que nunca começou...
por Marcel Plasse

Lester Bangs jamais admitiria seu status de santo padroeiro da crítica. Ou talvez fosse o contrário, rolasse de rir da piada. Lol, como eles dizem em inglês. No final dos anos 90, algumas variações de seus conselhos cínicos sobre como ser um crítico de rock (veja o link aqui, que eles existem neste site) andaram aparecendo com alguma insistência na imprensa nacional. Claro que nunca trouxeram citação da fonte, publicados feito idéias inovadoras, a última novidade do cinismo tupiniquim.

Vocês provavelmente leram – e se forçarem a memória lembrarão. Mais de 30 anos após os melhores textos de Bangs terem sido publicados, crianças de menor idade os plagiaram no Brasil. E esse plágio não assumido foi brandido como uma forma de rebelião.

É uma ironia que a crítica caia nas mesmas armadilhas da cultura de massas, reciclando idéias antigas como novas para uma geração que não ouviu o original quando ele surgiu pela primeira vez. Já dizia Henri Lefebvre.

Mas o mundo sobre o qual Lester Bangs escrevia parece cada vez mais distante do século 21. Essas linhas não são tortas nem mal traçadas. Não vêm de máquina de escrever, mas do Word, que não entende direito português, o tempo inteiro avisando que sabe mais que um jornalista formado.

Todo mundo pode ter um blog ou criar um site. A democratização da crítica é inversamente proporcional ao vazio da grande imprensa. Todas as tentativas de se criar uma imprensa musical no Brasil deram em nada. A não ser que se conte Rock Brigade e Dynamite. Mas não vejo uma geração crítica saindo dessas publicações.

Claro, vez por outra surgem publicações bem intencionadas, mas que cometem o pecado básico da soberba. As gerações se sucedem, mas parecem brigadas, pois se recusam a aprender com a anterior. Lembro de um texto de Nicolau Sevcenko, de 1982, que reclamava que os adolescentes brasileiros desconheciam U2, pois ainda não tinham desmamado de Led Zeppelin. Este texto poderia ter sido publicado na Folhateen da semana passada, trocando U2 por The Hives.

É uma questão complexa. A crítica ainda quer pular etapas como em 1982, época de fixação da Ilustrada, sem perceber a dissociação que existe entre o que escreve e o que se ouve no rádio. Lulu Santos outro dia me dizia que a MTV não conseguiu acabar com o playlist das rádios, como sua pretensão chegou a anunciar, logo que surgiu no País. As rádios, o jabá, Gugu e Faustão ainda formam 80% ou mais do gosto musical brasileiro.

Sim, é um grande pulo de Lester Bangs a Lulu Santos. Mas aposte o que quiser como ele leu e decorou os textos do americano. O que, por sinal, não vem ao caso.

Tudo isso para chegar no assunto. Hoje há um programa de rádio em São Paulo que destrói CDs nacionais com uma furadeira, lembrando o que Flávio Cavalcanti fazia com vinis em seu programa reacionário de TV nos anos de chumbo. Um instante, maestro, mas falar mal de Titãs, Caetano, etc. não deveria ensejar tanta mise-en-scene. Um dos problemas da crítica brasileira é que ela não surpreende. É esperado que se fale mal do novo disco desses elementos. Quem não sabe que o próximo lançamento do Engenheiros do Hawaii vai ser espinafrado? Ou o CD ao vivo do Iron Maiden, para dar um exemplo internacional?

A crítica está falando as mesmas coisas nos diversos veículos de comunicação há tempo demais. Mas a falta de discordância só significa que, realmente, não existe crítica. O que existe é uma caixa de ressonâncias. Nos anos 80, era um grupo que tinha saído da ECA-USP. Hoje é o País inteiro. Do distante moleque que montou seu site em Roraima ao profissional que recebe para escrever no Estadão há 15 anos. Eles concordarão que os Strokes são ótimos e que não dá mais para ouvir Engenheiros do Hawaii. Não, isto não é senso comum, por mais incrível que vocês possam pensar. Não, não é mesmo natural que o moleque de Roraima e o torcedor da seleção coreana pensem igual sobre os Strokes. Eles apenas reverberam uma informação tão massificada quanto um comercial de TV. A crítica está cada vez mais parecida com isto.

O disco que recebe quatro estrelas na Rolling Stone provavelmente ganhará elogios na grande imprensa nacional. Não vou discutir as causas, que são óbvias. Prefiro chegar mais rápido à questão central deste texto, que é a subcultura da subcelebridade que tem criado a subcrítica dos dias que correm.

O culto da celebridade vem do início do século 20 com o star system de Hollywood. Mas hoje, época de Big Brothers assumidos, qualquer anônimo com cara de pau e corpão para aparecer na TV tem direito ao dobro dos 15 minutos de fama profetizados por Andy Warhol. Conseqüência disto é o surgimento de uma imprensa especializada em notícias de celebridades. É na verdade o ramo da imprensa que mais tem crescido no País – veja-se as Ti-Ti-Tis, Minha Novela, Caras e outras subContigos nas bancas, sem falar na inflação de programas de TV dedicados a dissecar celebridades.

Por algum desvio qualquer, a crítica criou um equivalente "insider": as colunas que, em vez de cumprir sua função, gastam espaço falando do novo penteado de fulano, do show que foi ótimo e que todas as celebridades do mundinho freqüentaram, da foto em que o herói da guitarra da semana mostrou o dedo médio, do decote da cantora bacana, do novo lançamento da banda que está na moda, da briga que rolou entre os líderes de uma e outra banda, do último download disponibilizado no site dos queridinhos de plantão, daquilo que todos têm que fazer e ouvir para pertencer ao mundo da moda da última rebelião do rock. Exagerando, do cheiro diferenciado do peido da banda obscura da hora. Confesso que não vejo tanta diferença assim entre isto e as subContigos.

A crítica faz propaganda descarada de seus artistas favoritos – artistas favoritos de toda a crítica em qualquer lugar -, ao mesmo tempo em que ignora os produtos descaradamente massificados. Kelly Key, por exemplo. Por que nenhum fã dos Strokes, digo crítico, não buscou uma entrevista divertida e, quem sabe, reveladora com a moleca. Fico nela para não fugir do universo pop a que me prendi desde o início – não apenas do início deste texto.

Lembro da única reunião de pauta que participei na Bizz sob a gestão de Pedro Só. A Rolling Stone tinha acabado de colocar os Backstreet Boys na capa. Lembro que o Pedro dizia que, se fizesse o mesmo, a Bizz acabaria. Outra gestão veio, outra editora inclusive, e os Mutantes foram parar na capa da revista, que nem mais Bizz era. Os Backstreet Boys ou Britney Spears ou Sandy & Junior, nunca. A Bizz acabou.

A gravadora de Sandy & Junior não é a mesma de Eminem, por acaso? Ou da maravilhosa Angie Stone? É a mesma indústria. A crítica tem preferido puxar o saco de alguns artistas em vez de outros. Mas puxa do mesmo jeito. Não estou querendo discutir critérios de qualidade ou gosto, aqui, mas práticas. A Rolling Stone consegue fazer matérias interessantes com a Britney Spears, que é uma porta. Jaan Wenner disse a frase célebre de que não queria fazer um fanzine, mas um império.

A crítica brasileira, por mais bem intencionada que se acredite, não quer construir impérios. Por isso não temos mais a Bizz. Por isso não existe uma revista de música pop no Brasil. Por isso diversas publicações não passam do número seis. Eu sei. Eu fiz isso.

Claro que a Rolling Stone de hoje não é a mesma dos anos 60. Eles até falam bem do Led Zeppelin, hoje em dia. Mas o ponto é que não adianta se achar melhor que a massa e fazer uma revista para os convertidos. É preciso converter. Jogar a isca e fisgar. Que mal há em se clicar uma linda Kelly Key numa capa se, lá dentro, houver diversos ganchos para o adolescente que nunca ouviu White Stripes descobrir que essa banda é legal e tem discos lançados no Brasil?

Por que tanto purismo de uma imprensa que cultua celebridades do underground do mesmo modo como a Contigo cultua novelas?

Isto é só o começo de uma discussão. Ela segue noite adentro. Em colunas futuras. Esta é apenas a primeira, digitada no inverno que nunca começou. Ouvindo The Spencer Davis Group – o disco que nunca aconteceu: "With Their New Faces On". Depois de ler que a Virus Girl conheceu seu namorado Hacker. E percebendo que enrolava demais para começar a escrever. E de repente terminei.

Marcel Plasse é Marcel Plasse, um dos jornalistas que inspiraram a criação do império S&Y. :) Plasse escreverá neste espaço bissextualmente, ou conforme as noites se transformarem em madrugadas e as madrugadas se transformarem em manhãs.