O CEL & o Limite
Coming Of Ages

por Carlos Eduardo Lima
Foto: Cena do filme Lembranças de Uma Vida, Divulgação
05/05/02

Ontem eu fui ao cinema. Despretensiosamente, sem qualquer obrigação de sair da sala de projeção com um novo sentido para a minha vida. "Cinema é a maior diversão", lembram? Apenas isso.

Fui ver Lembranças De Um Verão, do diretor australiano Scott Hicks (o mesmo de Shine e Neve Sobre Os Cedros), com Anthony Hopkins no papel de um sujeito paranormal, que chega a uma cidade do Maine para morar na casa de Bobby Garfield. Bobby é um menino de onze anos, meio infeliz com a morte do pai e o desprezo da mãe (Hope Davis, de Próxima Parada: Wonderland). Não vou falar muito da história, inspirada num conto de Stephen King, mas ela é mais uma menção ao que chamamos de "rito de passagem".

Em inglês fica mais bonito, "coming of ages". É aquela coisa: você cresce. Simples assim. O que você era quando criança não poder ser como adulto. E pronto.

Tenho um fraco por músicas e filmes que despertam em mim a sensação de revisitar os meus "coming of ages" do passado. Podemos também dizer que essas  situações estão presentes no inconsciente coletivo, pois todos os seres humanos já viveram outras épocas em suas vidas e, invariavelmente, as acham melhores que as épocas atuais.

Exemplo? Como explicar a excelência de uma música como Detalhes? Como justificar o motivo para ela estar presente na cabeça de umas três gerações de brasileiros, sendo composta em 1971? Eu tinha um ano de idade. Por que nos identificamos de cara com a narrativa da canção? Por que todos nós vivemos situações quase ou praticamente iguais à da música e todos torcemos que a mulher que nos trocou por outro homem pene pelos tempos, assombrada pelas lembranças que despertamos nela. Eu mesmo desejo isso a alguém. As mulheres, por sua vez, lembram de pessoas que fizeram parte de suas vidas e que foram chutadas pra escanteio. Viveram o que se passou na música. Roberto e Erasmo são então gênios, paranormais ou algo assim? Não, fizeram uma música sobre um rito de passagem, sobre a desilusão amorosa, igual em seu poder transformador para todos nós.

Outro exemplo? Cinema Paradiso. Como explicar a identificação imediata com a história do menino Salvatore Di Vita, que volta para a sua cidade natal na longínqua Sicília, para o enterro do amigo Alfredo, projecionista do antigo cinema da pequena comunidade? Imediatamente nos damos conta de que (assim como o personagem) o tempo passou, tudo mudou, nada ficou, a não ser na memória de quem viveu. Quem não lembra de ir ao cinema com a família, os amigos, ver filmes dos Trapalhões ou a primeira trilogia de Guerra Nas Estrelas, ou ainda Indiana Jones? Quem faz isso hoje em dia, a não ser como uma forma inconsciente de rever um tempo passado? Rever um filme em vídeo tem 50% de nostalgia e 50% de saudade. Do filme? Não. De tudo que ele representa. Do tipo: "quando este filme passou no Cinema Rian eu tinha onze anos. Meu avô me levou..." e por aí vai. Em fração de segundos vem a realidade cruel e me pega, avisando que meu avô e o Cinema Rian não existem mais e me trazendo de volta aos meus 31 anos de idade.

Como que dando um castigo na criança que chora demais. Talvez isso explique porque tantas bandas fazem sons inspirados no passado. Não apenas pela parte técnica, de imitar acordes, sonoridades, solos, mas de tocar e lembrar de seus heróis da infância e juventude. Tentar trazê-los permanentemente para o seu mundo, numa espécie de "lapso temporal", onde não existe tempo. Ouvir Teenage Fanclub, por exemplo, é ouvir Byrds, Beatles, Big Star. Ao ouvir estas bandas, lembramos que tínhamos poucos anos ou ainda nem estávamos aqui quando elas fizeram sucesso. Mas, por que então gostar delas? Porque elas nos lembram de tempos felizes, mesmo que eles nunca tenham existido e, um poeta já disse isso uma vez, há 16 anos: "o que fazer com essa saudade que eu sinto de tudo o que eu ainda não vi?".

Coming of ages, amigos, coming of ages.

Carlos Eduardo Lima é jornalista. Tem 31 anos, é flamenguista, fã de Beatles, Van Morrison, Marvin Gaye e um eterno nostálgico.