The Police, Estádio do River Plate, Buenos Aires, 01/12/2007
por Renato Beolchi
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04/12/2007

Bye bye, Brazil

É fato: os produtores brasileiros dos megashows me perderam como público. Depois da experiência vivida para se assistir à apresentação do The Police no último 1º de dezembro no estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, é bem provável que eu opte mais por ver as apresentações dos grandes shows na Argentina do que no Brasil. Não se trata de antipatriotismo ou rebeldia castelhana. Mas, nós, o público, merecemos mais. A álgebra é simples: separe os fatores que, justiça seja feita, os shows no Brasil já têm, como, qualidade de som, bons palcos e bons locais para show. Agora, adicione à equação preço justo, organização, respeito, transparência e pontualidade. O resultado é óbvio.

Peguei um vôo direto de Porto Alegre a Buenos Aires na manhã de sábado. O preço da passagem compensava: bem menos do que um vôo para o Rio, e em menos tempo. Cheguei na capital argentina às 10h. Por 30 pesos (uns 10 dólares) um ônibus semileito me levou do Aeroporto até o centro da cidade numa viagem de 20 minutos e muitos quilômetros.

Menos de uma hora depois do meu desembarque já estava na fila para a retirada de ingressos em uma das lojas da Ticketek (uma espécie de Ticketmaster dos hermanos). Havia comprado os ingressos ainda em agosto, pela Internet. Apresentei o cartão de crédito, o passaporte (mas podia ser o RG) e "voilà": tinha em mãos a garantia de que veria em algumas horas o trio Sting, Copeland e Summers.

Caminhadas, almoço junky e uma esticada nas pernas num quartinho de um albergue há alguns metros do Obelisco (este também pré-reservado pela Internet) e lá fui eu antes das 18h para o estádio. O Monumental, casa do River Plate e sede dos jogos da Seleção deles, fica afastado do centro de Buenos Aires, no nobre bairro de Nuñez. O táxi até lá me custou menos de 20 pesos e me deixou há três quadras do estádio: as ruas mais próximas estavam fechadas para circulação do público.

A sacola pendurada nos meus ombros trazia um moletom, uns documentos, cigarros, grana e duas câmeras digitais. Meio ansioso, ensaiava mentalmente a forma como submeteria minha bolsa à revista sem que encontrassem as câmeras. Sei que todo mundo leva, mas sou péssimo de lábia, e sempre acho que serei feito de exemplo por algum segurança que resolveu naquele momento cumprir o seu dever.

Vamos nessa. Parei de contar nos 20 os fiscais e funcionários do show que orientavam cada uma das entradas. O meu ingresso dizia: campo traseiro, setor X-Y. "Tres cuadras y derecha", me informou um deles. Cheguei à entrada de um chiqueirinho. Tudo muito vazio e tranqüilo. Caminhei e cheguei à entrada. Nada de catracas apenas uma barreira de fiscais conferindo e recolhendo os ingressos. O que me atendeu dobrou cuidadosamente o picote e arrancou a parte que lhe cabia. Devolveu-me a minha parte intacta: vai pra coleção! Cansei de perder ingresso rasgado de qualquer jeito.

E os policiais fazendo a revista? Não tinha. Ninguém pra apalpar, pra ver se meu maço de cigarros não tinha maconha, revirando os pertences dentro da mochila. Nada. Apresentei o ingresso e entrei no local. No mais, a estrutura era parecida com o que estamos acostumados no Brasil, refrigerante (no copo de isopor) e água (de garrafinha) a 5 pesos cada, empurra-empurra e pouca educação.

Às seis e pouco da tarde os argentinos do Cuentos Borgeanos subiram ao palco. Visualmente, parecia uma mistura de NX Zero com Cachorro Grande. Banda que toca de gravatinha pra mim já sai com nota abaixo da média. O som não era tão ruim quanto parecia. Tirando uma ou duas baladinhas realmente insuportáveis. O vocalista, um certo Abril Sosa, tentava agitar o público sem muito sucesso. No ápice da afobação chegou a perder o microfone. Mas mostrou que emo também é macho, e foi cantar no meio da pista. No meio mesmo! Pelo menos foi rápido: nota 6.

Logo em seguida, às 19h, Beck iniciou sua apresentação. Fez falta um local fechado para um show só dele. Os sessenta minutos que ele ficou no palco, de chapéu preto enterrado na cabeça, olhos constantemente fechados, distanciaram demais o show. Nem o repertório competente salvou. Considerando que foi de graça (já que muitos compraram o ingresso antes de saber que o Beck faria a abertura), valeu. Mas pra quem é fã, e eventualmente foi só para vê-lo, faltou muita coisa.

E lá vamos nós. Uma hora de troca de palco e tudo pronto para o show do Police. Mas ainda faltavam 30 minutos para chegar às 21h30 estampada nos ingressos. Confesso que já vi uns raros shows no Brasil começarem no horário. Cinco minutos antes, nunca. Em Buenos Aires sim: 21h25 e as luzes se apagam. Copeland surge iluminado ao lado de um gongo. Uma pancada depois e Sting e Summers simplesmente brotaram no palco: lá vem "Message In A Bottle". O repertório que se seguiu por quase duas horas não deixou nenhum hino de fora. Já quem esperava alguma coisa mais obscura saiu de mão vazia.

O palco era relativamente simples: cinco telões de alta definição (três no palco e dois nas laterais) fizeram uma espécie de videoclipe ao vivo. Além disso, um arco de luzes no alto emendava com dois painéis luminosos gigantescos das laterais que reproduziam cores e elementos das capas dos discos do Police. Efeitos visuais que dançavam ao som da cozinha de Sting e Copeland e das guitarradas de Summers.

Tenho o pé atrás com banda de velho. Preconceito mesmo. Vi o MC5, Sex Pistols e outras reuniões caça-níqueis fazerem apresentações bastante canalhas. Sting é um cara difícil, todo mundo sabe, até ele admite. Por que um show do Police, que durante anos foi brigado, seria um exemplo de coesão e cumplicidade musical? Por que Sting sequer fechou a cara quando Summer errou feio durante um solo?

Pode ter sido a Maracujina que o vocalista tomou ou apenas maturidade. Mas os três estavam ligados pela música do Police. E qual a novidade disso? Os Ramones passaram anos sem se falar direito e fizeram shows espetaculares até o fim da carreira. Por isso, da próxima vez que sua banda favorita se separar alegando "diferenças irreconciliáveis" encha os pulmões e diga sem dó: "bando de florzinha".

O saldo é o seguinte: se você é fã do Police, vá ao Rio de Janeiro ver o show. Se você não é fã, também vá. Se não tiver como ir, assista à transmissão que o Multishow vai fazer. Se não tem TV a cabo, peça pra alguém gravar. Se não tiver amigos, compre o DVD do show de Buenos Aires que foi gravado e deve ser lançado em 2008. Mas, se você não vai ao Rio, não tem como ir, não tem TV e nem amigos e está sem grana... Bem, nesse caso, sinto muito: essa "reunion" vale muito a pena.

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