Entrevista com Terminal Guadalupe
por Marcelo Costa
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09/08/2005

A banda Terminal Guadalupe segue na árdua missão de tentar mostrar seu som em um mercado cada vez mais fechado. Os curitibanos estão lançando Vc Vai Perder o Chão apostando na tecnologia SMD, apresentando shows pelo País, e querendo fazer mais barulho, mas com melodia. "Embora seja reducionista, diria que o Terminal Guadalupe é Leoni com Nirvana: pop de garagem. Tem melodia, mas não necessariamente refrão; tem microfonia, mas sem ser gratuita; tem guitarra distorcida, mas não o tempo todo", conta o vocalista e guitarrista Dary Jr. em entrevista ao Scream & Yell.

Vc Vai Perder o Chão é a estréia da primeira formação oficial do Terminal Guadalupe, já que o álbum Burocracia Romântica (2003) e a coletânea Girassóis Clonados (2004) traziam Dary à frente de um grupo ainda em formação. No primeiro disco, a banda Poléxia ajudou o músico a dar corpo e som para a trilha sonora do curta-metragem homônimo. Já Vc Vai Perder o Chão é uma nova fase. "O novo disco mostra a transição de um projeto pessoal para uma banda de verdade", analisa Dary.

O músico, que assina a maioria das letras da banda, só vê crescimento no som do Terminal Guadalupe com a entrada de Allan Yokohama (guitarra e voz), Fabiano Ferronato (bateria) e Rubens K (baixo). "Além de grandes músicas, o Allan trouxe a energia que marca os shows. Rubens é experiente, fez história com outras bandas e, de certa forma, dá credibilidade ao Terminal Guadalupe. Fabiano é jovem, mas já adquiriu o respeito dos músicos locais, tanto que é sempre requisitado para colaborar com outros projetos", conta.

O repertório de 12 canções conta com duas regravações da fase anterior do grupo: Burocracia Romântica e Lorena Foi Embora.... "Elas foram regravadas porque este seria o primeiro disco com distribuição nacional e achamos conveniente mostrar peças expressivas das fases anteriores. As outras 10 músicas (uma delas escondida) são novíssimas", explica o vocalista.

Entre as canções, destaques para Esquimó por Acidente, primeiro single do disco, que une um belo riff de guitarra com uma ótima letra de Dary. O vocal é dividido entre o letrista e o guitarrista Allan. Outra das grandes canções do álbum é O Bêbado de Ullysses, que junta o cineasta Paul Thomas Anderson (de Magnólia e Punchdruk Love) com o músico gaúcho Frank Jorge. Ainda é possível citar a bela balada Tambores ("Um abraço, um beijo e eu descubro que os tambores do meu peito também rufam por você", diz a letra) e O Peso do Mundo, faixa que traz o nome do disco na letra, remete ao grupo norte-americano Flaming Lips e mostra o perfeito entrosamento de baixo e bateria na banda.

E tem também a quase vinheta Por Trás do Fator Gallagher, de letra polêmica, porém amparada por um belíssimo arranjo de cordas, e que foi elogiada pelo dramaturgo Mário Bortolotto. Dary comenta: "Cabe até um esclarecimento. Tenho dito que a canção foi feita para os curitibanos que gostariam de ter nascido em Manchester, mas a verdade é outra. Com bom humor, busquei uma comparação entre os indies e Fernando Henrique Cardoso, já que são muito parecidos", explica. Confira a letra:

"Odeio gente cool
que se acha cool
eu rimo em português
e mando logo tomar no cu

Odeio quem é blasé
ou faz pose blasé
eu rimo em português
e mando logo se foder
"

O lançamento do álbum abriu as portas para a banda, que já tocou em vários festivais pelo País, e que acabaram trazendo grandes surpresas para o grupo. "No Araraquara Rock, teve gente que viajou de Rio Claro, São Carlos, Jaú e Assis até lá para ver o TG. Em Corumbá (MS), nossas músicas tocam nas rádios. No show do Festival América do Sul, ficamos mais de uma hora no camarim para atender aos pedidos de fotos e autógrafos. No Claro Q É Rock, em Florianópolis (SC), conheci pessoas que chegaram mais cedo só para ver o nosso show, o primeiro da noite. Isso é muito estimulante. Agora, turnê mesmo, só quando tivermos uma estrutura maior. Por ora, só nos fins de semana, como temos feito", justifica.

Porém, a banda está no aguardo de convites. "Queremos tocar em todos os lugares onde tivermos possibilidade de ir. Belém, por exemplo. Os custos das viagens é que inibem as turnês. Agora mesmo chegamos de Londrina, Norte do Paraná, onde nos apresentamos graças a um cara, o Luciano, que moveu mundos para viabilizar a nossa ida e estada com conforto. De quebra, conhecemos pessoas e bandas especiais. Mas não é tão fácil encontrar gente como ele. Continuamos à procura de outros malucos", brinca.

Quanto ao SMD, a banda só têm elogios. "A única diferença do SMD para o CD é que ele comporta 70 minutos de música enquanto o CD suporta 80. No mais, é igual: roda em qualquer aparelho, no carro, no computador. As pessoas podem encomendar pelo nosso site, www.tg.mus.br, ou pelo site das Livrarias Curitiba (www.livrariascuritiba.com.br)", diz o músico, vendendo o seu peixe, ou melhor, o seu disco. No entanto, quem quiser conferir o trabalho antes, os três álbuns do Terminal Guadalupe podem ser "baixados" no site da banda.


Confira a integra da entrevista com Dary Jr.:

Vc Vai Perder o Chão marca a estréia da Terminal Guadalupe como banda, já que Burocracia Romântica era algo bem mais pessoal. O que isso acarretou de mudanças no som?
O novo disco mostra a transição de um projeto pessoal para uma banda de verdade. Além de grandes músicas, o Allan trouxe a energia que marca os shows. Rubens é experiente, fez história com outras bandas e, de certa forma, dá credibilidade ao Terminal Guadalupe. Fabiano é jovem, mas já adquiriu o respeito dos músicos locais, tanto que é sempre requisitado para colaborar com outros projetos. O que muda? Eu e Allan temos tendência a compor canções simples, punks, retas. Rubens e Fabiano dão sempre um jeitinho de quebrar aqui e ali e impor variações, surpresas, silêncios, mas com cuidado para não perder o espírito original. Tem dado certo assim.

Há quanto tempo vocês estão tocando juntos?
Como quarteto, estamos juntos há um ano e meio. O projeto começou no final de 2002.

O repertório do álbum é todo novinho em folha?
Sim, exceto por duas canções: Burocracia Romântica e Lorena Foi Embora.... Elas foram regravadas porque este seria o primeiro disco com distribuição nacional e achamos conveniente mostrar peças expressivas das fases anteriores. As outras 10 músicas (uma delas escondida) são novíssimas.

Produção caseira?
Eu e o Allan "produzimos" o disco, no sentido de que rabiscamos o álbum, pensamos o conceito (embora pareça viadagem), passamos mais tempo envolvidos na gravação e tomamos as principais decisões, até porque Rubens e Fabiano estavam muito ocupados e não podiam se dedicar integralmente. Para sabermos se íamos na direção certa, recorremos a um amigo de extrema confiança: Rodrigo Lemos, guitarrista e vocalista da Poléxia. Ele participou da gravação do primeiro disco do TG, conhecia as músicas novas, tem bom gosto. Foi o “diretor artístico”, digamos assim. Colaborou, inclusive, em arranjos de cordas e de metais.

Costumo definir vocês como uma banda anos 80 que passou pelo furacão dos 90. Você concorda?
Sim, na medida em que sou oitentista assumido e o Allan aprendeu a tocar guitarra ouvindo grunge. Eu concordo contigo. Só queria acrescentar que os anos 80 tiveram seu lado b, o que foi decisivo na minha formação musical. Bandas como Último Número, Picassos Falsos, Hojerizah, Mercenárias e Fellini são tão importantes para mim quanto Legião Urbana. E sim, eu gosto de Engenheiros do Hawaii. A Revolta dos Dândis é um clássico do rock nacional. Eh, eh, eh. Esta foi para espezinhar a crítica descolada.

Como dizia Pedro Só, só vão reconhecer o valor dos Engenheiros quando algum astro da MPB gravar o Humbertão. Paralelamente, com que bandas na atualidade vcs se sentem à vontade, como se estivessem na mesma linhagem musical?
Violins e Tom Bloch, sem dúvida. São bandas distintas, mas trabalham com melodias, ruídos, distorções, microfonias e apuro nas letras.

Com Vc Vai Perder o Chão vocês estréiam uma nova mídia, que é o SMD. É garantido?
Totalmente. A única diferença é que ele comporta 70 minutos de música enquanto o CD suporta 80. No mais, é igual: roda em qualquer aparelho, no carro, no computador... Tivemos um probleminha em algumas cópias com filetes de cola que grudaram nos discos, mas bastou orientar as pessoas para usar algodão e água na limpeza, já que tirar com o dedo pode riscar. Avisei a empresa que gerencia a fabricação do SMD sobre a falha e ela já foi resolvida.

De quanto foi a tiragem? E como as pessoas fazem para comprar o CD?
A primeira tiragem foi de 2 mil cópias. De mão em mão, vendemos 500 em dois meses. A previsão é soltar mais 5 mil cópias – só o disco, sem a revista com a história da banda, que veio na primeira remessa. As pessoas podem encomendar pelo nosso site, www.tg.mus.br, ou pelo site das Livrarias Curitiba (www.livrariascuritiba.com.br), uma rede com lojas nos três Estados do Sul, mas que entrega em todo o País.

Desde o lançamento do álbum, em maio, vocês vem se apresentando em festivais. Como tem sido a experiência e quando vocês vão botar o pé na estrada?
Quem tem banda e só toca músicas próprias sabe que, normalmente, viajar significa pagar para tocar. Os cachês para grupos autorais são pequenos e mal cobrem o transporte. Hospedagem e comida, então... Graças aos festivais para os quais fomos selecionados, estivemos onde jamais tínhamos ido tocar e não ficamos no prejuízo. Essas experiências têm permitido melhorar o entrosamento no palco e fortalecer a amizade entre os integrantes. Os contatos com grandes bandas e músicos também têm sido muito produtivos. Mas o que mais nos surpreende são os fãs que nem sabíamos que tínhamos. No Araraquara Rock, teve gente que viajou de Rio Claro, São Carlos, Jaú e Assis até lá para ver o TG. Em Corumbá (MS), nossas músicas tocam nas rádios. No show do Festival América do Sul, ficamos mais de uma hora no camarim para atender aos pedidos de fotos e autógrafos. No Claro Q É Rock, em Florianópolis (SC), conheci pessoas que chegaram mais cedo só para ver o nosso show, o 1º da noite. Isso é muito estimulante. Agora, turnê mesmo, só quando tivermos uma estrutura maior. Por ora, só nos fins de semana, como temos feito.

Mas há interesse de vocês em tocar em lugares como São Paulo, Porto Alegre, Recife e Salvador?
Queremos tocar em todos os lugares onde tivermos possibilidade de ir. Belém, por exemplo. Os custos das viagens é que inibem as turnês. Agora mesmo chegamos de Londrina, Norte do Paraná, onde nos apresentamos graças a um cara, o Luciano, que moveu mundos para viabilizar a nossa ida e estada com conforto. De quebra, conhecemos pessoas e bandas especiais. Mas não é tão fácil encontrar gente como ele. Continuamos à procura de outros malucos. Eh, eh, eh.

Uma das canções que chama a atenção em Vc Vai Perder o Chão é Por Trás do Fator Gallagher, que é uma quase vinheta, e já foi elogiada por Mario Bortolotto. É uma carta de intenções?
Ah, ah, ah. Nada disso. Cabe até um esclarecimento. Tenho dito que a canção foi feita para os curitibanos que gostariam de ter nascido em Manchester, mas a verdade é outra. Com bom humor, busquei uma comparação entre os indies e Fernando Henrique Cardoso, já que são muito parecidos. E mais não digo.

Então: Blur ou Oasis?
O Blur acabou há pouco, com a saída do Graham Coxon. Era uma grande banda. Já o Oásis acabou em 1997, mas deixou boas canções. Não tente arrancar mais de mim. Meu negócio é confundir.

Bons meninos vão para o inferno mesmo?
Não, só os clientes da Daslu. Eh, eh, eh. Parece até que a gente já adivinhava quem seria o novo papa... A Igreja que insiste em condenar o homossexualismo é a mesma que faz acordos judiciais milionários para abafar os escândalos dos pedófilos na sacristia. A música é sobre isso.

Os temas do TG se dividem bem entre relacionamentos e política...
Diria que variam entre o que vimos e sentimos, principalmente. O disco novo é mais de observação: violência doméstica, moradores de rua, arrogância, ética na imprensa e na política, terceira idade, intolerância religiosa, suicídio. O momento é tão duro que não dava para ficar só no chororô de pés-na-bunda, né?

Desde que você lançou o álbum com a Lorena Foi Embora... até agora, como você vê o crescimento da cena curitibana e a nacional?
De 2002 para cá, bandas surgiram, bandas sumiram. Algumas ganharam visibilidade, outras despontaram para o anonimato. Temos muitos grupos bons em Curitiba, como OAEOZ e Pelebrói Não Sei?, para citar dois extremos de qualidade. A cidade ferve em garagens e estúdios. É uma variedade tão grande e rica só comparável a Goiânia, mas a cena me parece menos organizada do que lá. A impressão que tenho é de que os goianos são mais unidos em benefício da produção cultural local. Curitiba é autofágica. Não te parece estranho que tenhamos tocado mais fora do que em Curitiba neste ano? A despeito disso, as bandas daqui continuam produzindo – e bem. As bandas que mais ouço são curitibanas e goianas. Os grupos gaúchos que eu ainda escuto não existem mais, exceto Tom Bloch e Bidê ou Balde. Minha diversão é acessar a página do Diego Medina (ex-Video Hits) e baixar as loucuras dele. O cara é um gênio! Do Rio de Janeiro, Seres e Polar são bandas que merecem ser ouvidas. São boas demais, cada uma com suas peculiaridades. Ah, Cuiabá tem a Vanguart, que ganharia o Brasil se cantasse em português. De São Paulo, quase tudo que ouvi é cosmético, exótico ou conchavo de jornalistas. A sinceridade de bandas como Ludov e Zona me agrada mais. Hoje em dia, e talvez seja a sua vez de concordar comigo, Belém faz música mais interessante do que São Paulo.

Com certeza, e o Suzana Flag está ai para não nos deixar mentir. Na contra-mão, estão surgindo em Curitiba sites bacanas como o Movimento Leite Quente e o Tinidos, e ainda tem o vitorioso Bacana, que mostram muito da cultura musical do Estado. O que você acredita que precisa ser feito para que o Brasil descubra Curitiba? Porto Alegre não deu sorte nisso e, nos anos 80, as bandas de Brasília precisaram se mudar pro eixo RJ/SP...
Olha, Marcelo, primeiro é preciso que Curitiba descubra as bandas curitibanas. Depois, que o Paraná as ouça. Daí, sim, vamos pensar nas outras regiões. Temos bandas maravilhosas aqui que não são conhecidas nem na própria esquina. Os sites que têm surgido ajudam a documentar as cenas que coexistem, já que a mídia dá de ombros. No entanto, mesmo tocados heroicamente pelos seus idealizadores, são iniciativas com pequeno poder de fogo. As emissoras de rádio e televisão é que são fundamentais para criarmos público. Houve uma tentativa de reservar 20% da programação das rádios de Curitiba para artistas paranaenses, mas o prefeito tucano vetou. Os gaúchos, ao menos, conseguiram montar um circuito próprio. Alternativas? Vamos acompanhar, em breve, a gravação do DVD da Relespública com a chancela da MTV Brasil. A gravadora da banda, Villa Biguá, que é curitibana, está investindo alto para custear a gravação. É um projeto caro e ousado. Se der certo, e estamos torcendo por isso, deve chamar atenção para outras bandas daqui. É cruzar os dedos e afastar o olho gordo. Fábio Elias, Ricardo e Manu merecem. Não ouvi o disco novo, mas apostaria que o DVD com o repertório do álbum anterior, As Histórias São Iguais, teria grandes chances de emplacar. Espero que eles façam as melhores escolhas. A Reles tem mais de 15 anos de estrada e não precisa provar nada. Nós estamos aí, como outras bandas curitibanas, prontos para ir no vácuo. Os Paralamas do Sucesso não fizeram o mesmo pela Legião Urbana? Sem o destaque dos dois grupos, o rock de Brasília jamais teria recebido atenção e seria uma nota de rodapé na história. Não foi. Conhecemos Finis Africae, Escola de Escândalo e Plebe Rude. Ou seja: muitas bandas de lá apareceram e algumas seguem na ativa até hoje. Foi bom para todos. Quem não atingiu o sucesso pelo menos gravou seu disquinho e fez história.

Site Oficial do Terminal Guadalupe


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Links
Site de Diego Medina (ex-Video Hits)
Site Tinidos
Revista Bacana
Movimento Leite Quente