Entrevista com Max de Castro
por Jonas Lopes
Foto: André Passos
Yer Blues
24/03/2005

Há décadas uma questão instiga críticos e artistas: é possível fazer arte popular e sofisticada, ao mesmo tempo? Até onde é possível criar arte de apelo popular que seja também culta e complexa? Já tivemos alguns exemplos em todas as vertentes artísticas, da música à literatura, do cinema às artes plásticas. Mas sempre são casos isolados. E costumam levar um certo tempo para serem compreendidos e admirados.

Essa questão é primordial na carreira de Max de Castro. Auxiliado pelo fato de ser filho de Wilson Simonal, Max estreou com o surpreendente Samba Raro, um daqueles álbuns que definem uma geração. Samba Raro apresentou nos loops uma saída para o samba. O sublime Orchestra Klaxon, baseado no movimento modernista e na Semana de 22, expandiu ainda mais os paradigmas, com sopros encorpando a poderosa salada sonora de Max. Parecia impossível igualar uma obra tão redonda, tão atrevida, tão impecável.

Ainda não dá pra dizer se Max superou o Orchestra Klaxon; não resta dúvidas de que conseguiu igualá-lo com seu terceiro e novo disco, intitulado apenas Max de Castro (Trama). A falta de um título advém da necessidade do cantor de gravar um trabalho mais autoral. De fato, as canções são centradas na figura de Max. Algumas de suas qualidades foram potencializadas, o Max instrumentista destacado. Ao contrário da profusão de parcerias dos trabalhos anteriores, só duas músicas foram compostas com outros autores (Sempre aos Domingos, com Lulu Santos, e Depois da Festa, com Nelson Motta).

Max exercita outra vez o tênue limite entre o sinuoso e o palatável. Arquiteta combinações pouco usuais, que deslizam pra lá e pra cá nessa linha. No disco há um psycho-frevo carnavalesco (Stereo); uma balada celestial (Stratosfera) e outra torta e trip hop (Teia Dramática); um samba-rock tradicional (Rosa, um Samba Para Excluídos) e outro intrincado (Silêncio no Brooklin); um rock tenso (Vontade de Potência); uma instrumental com sopros herdados de Moacir Santos e piano jazzy (Pixinguinha Superstar); e a eletrônica, tempero essencial e discreto, está presente, ilustrando as canções, em contraponto com os metais que as fortalecem.

O lado pop de Max continua afiado. Muita gente costuma idolatrá-lo pelos arranjos, pelo experimentalismo e parecem não se dar conta do quão bom melodista ele é (e ele até reclama disso, na entrevista abaixo). Seus refrões são pegajosos, embora nunca se entreguem com facilidade. Iluminismo e Depois da Festa têm tanto potencial radiofônico quanto qualquer coisa do Cláudio Zóli. Duvido que toquem tanto quanto. Devem achar rebuscado demais. A grooveada Sempre aos Domingos é outra de refrão ganchudo: "Eu não posso acreditar/que não há nada melhor pra fazer/numa tarde de domingo/que ver televisão".

Max de Castro é o disco com mais ênfase no Max de Castro guitarrista. Vontade de Potência é toda baseada no instrumento. Em Ciranda ao Redor da Galáxia e A Filha da Madame Sare surge até distorção. Outra novidade agradável é a evolução de Max como letrista. Em Ciranda ao Redor da Galáxia, exorciza a complicada relação de um artista com a sua obra. Stratosfera é um sinal destes tempos em que estamos tão pouco próximos, essa incomunicabilidade doída. Silêncio no Brooklin é ácida sem perder a classe.

Max bateu um papo telefônico com o Scream & Yell, comentando o disco novo, a ênfase nas guitarras e sua relação com as rádios. Confira:

A pergunta clássica: que diferenças você enxerga entre o disco novo e o anterior?
Eu acho que esse disco novo tem uma característica principal em relação ao segundo: é um disco mais autoral. Embora eu tenha produzido e arranjado todos os meus discos, a composição sempre foi dividida com os parceiros. Então o Orchestra tinha uma coisa de ter uma música com cada parceiro. E nesse disco não, noventa por cento das músicas são só minhas. Acho que isso acaba fazendo com que o disco reflita cem por cento as idéias e pontos de vista pessoais.

É, no Orchestra Klaxon havia parcerias com Fred 04, Erasmo Carlos, Seu Jorge, Marcelo Yuka... Dessa vez são só duas. Como surgiu a parceria com o Lulu?
A gente já se conhece faz um tempo, desde o começo da minha carreira. Inclusive ele foi na coletiva do show de lançamento do Samba Raro lá no Rio de Janeiro. E mesmo sem conhecer o Lulu – ele estava em pé na frente da platéia -, chamei ele pra dar uma canja. A gente ia tocar uma coisa dele, aí ele subiu, tocou com a gente e foi super legal. Então eu conheço o Lulu há bastante tempo, a gente sempre conversa. Dessa vez, quando já estava no estúdio fazendo o disco, liguei pra ele e foi legal, porque no momento em que eu falei pra ele da possibilidade de fazermos uma música juntos, ele já pegou o violão e me mostrou uma idéia que ele havia tido naquela semana. Ele disse: "vamos fazer essa música juntos". E aí no dia seguinte ele veio pra São Paulo fazer um show, eu liguei pra ele e falei: "pô, passa aqui no estúdio, que aí a gente termina a música". Ele foi pro estúdio e em uma hora a gente terminou a música. Desde a idéia que eu tive de ligar pra ele até o momento em que a música ficou pronta, foram menos de 24 horas. É engraçado, se pensarmos que são duas pessoas em cidades diferentes. Foi muito rápido.

Ainda há alguém com quem você queira fazer uma parceria?
Ah, vários. E é legal, porque a minha música acaba permitindo isso. Todas as parcerias e as colaborações que eu faço vêm por causa da música mesmo, sabe? Da admiração que essas pessoas desenvolvem pela minha música, e eu também sinto por elas. Então eu acabo conhecendo esses parceiros por causa da minha música. É muito bacana o teu trabalho poder te proporcionar isso.

Foi por esse disco novo ser mais autoral que você resolveu chamá-lo apenas de Max de Castro, depois de títulos emblemáticos como Samba Raro e Orchestra Klaxon?
É, exatamente por isso. Eu acho importante essa afirmação autoral. Eu não queria que isso passasse batido. Às vezes por causa de um nome forte, todos estes conceitos e estes pontos de vista pessoais que eu tenho sobre determinados assuntos que o disco aborda, talvez pudessem passar batidos.

A letra de Vontade de Potência é uma crítica à ditadura militar?
Não à ditadura militar. Essa letra fala sobre como o poder modifica o jeito das pessoas pensarem. Como uma pessoa, quando está numa situação de poder, ela tem reações que transformam a personalidade. Ela fala de várias situações em que isso acontece. Logo no primeiro verso a música fala "dê-me um balcão/e eu te mostro um ditador". É aquele cara que está lá na repartição pública, que trabalha num cartório, e quando está atrás daquele balcão, o cara se acha no direito de te tratar mal, de ser mal educado contigo, fazer você esperar. Desde uma coisa mais simples até outra maior, do capitalismo, dos bens de consumo.

Por que você resolveu explorar mais as guitarras no disco novo?
A guitarra foi o meu primeiro instrumento, foi como eu comecei a tocar. Durante os anos 90 eu trabalhei muito como instrumentista e como guitarrista. Em gravação, tocando com outras pessoas... e quando eu gravei o Samba Raro eu estava um pouco enjoado. Foram muitos anos tocando guitarra. Então durante esses cinco anos de carreira a guitarra foi uma coisa meramente rítmica e harmônica, como se fosse uma espécie de fio condutor. A ponto de eu não usar nem um pedal, nem nada. Só ligava a guitarra com o cabo direto no amplificador. E no fim de 2003 eu comecei a resgatar esse interesse, me aproximar da guitarra novamente. Não só como instrumento musical, mas como instrumento de estética, essa coisa da sonoridade, de vários tipos de guitarras diferentes, pedais, amplificadores. Esse universo da guitarra voltou a me chamar atenção, comecei a sentir prazer nisso de novo. E aí coincidiu com a coisa de começar a fazer o disco e eu senti que ia ser um disco em que a guitarra ia estar muito mais presente.

Você costuma dizer que não faz músicas se preocupando com as rádios. Mas músicas como Sempre aos Domingos e Iluminismo são super radiofônicas. Por que então as rádios não tocam Max de Castro?
Eu acho uma boa pergunta, cara. Só que infelizmente eu não sei responder. Essa pergunta deveria ser feita pros caras de rádio. Eu concordo contigo: embora muitas pessoas achem meu trabalho elaborado, requintado e sofisticado, embora tenha toda essa profundidade, seja rico em detalhes e texturas, eu acho que ele tem um poder de comunicação com as pessoas. Mas, ao mesmo tempo, eu entendo que essa trajetória é lenta mesmo. E tem melhorado cada vez mais. O primeiro disco era completamente banido das rádios. Chegava na rádio e o cara queria queimar o disco. No segundo disco o cara já dizia que não podia tocar na rádio, mas ele já ouvia em casa, com a família dele. Agora pode ser que comece a tocar um pouquinho, não sei. A minha preocupação é tocar cada vez melhor, cantar cada vez melhor, fazer letras melhores, músicas melhores, produzir melhor. Essa é a minha preocupação.

Você consegue escolher uma favorita no disco ou é como aquela coisa de escolher um filho?
É, todas são filhas. Mas a primeira música, Ciranda ao Redor da Galáxia, é uma música que eu sinto um carinho especial. Ela fala dessa coisa do conflito do artista com sua obra. Eu queria fazer uma música que expressasse exatamente como eu me sinto. É uma música muito sincera. Gosto muito dessa música. Fiquei muito feliz em ter feito essa música, de ter conseguido relatar exatamente em palavras e em música um sentimento.

Eu tenho uma pergunta exatamente sobre essa música aqui na minha pauta. Na letra você fala que "na vida o que peço/viver da música que faço". Você hoje vive da sua música e, principalmente, vive de música de acordo com as suas ambições pessoais?
Eu vivo, cara. Eu tenho essa coisa de ideologia, é uma questão de escolhas, do tipo de vida que você quer ter. Eu acho que o dinheiro não é tudo na vida. Você pode viver de uma maneira confortável. Eu, por exemplo, tenho filho, sou casado, consigo dar tudo pra que meu filho possa crescer, pra que ele possa se desenvolver. Comparado a um país com um nível social como o do Brasil, acho que eu sou uma pessoa privilegiada, tenho um conforto básico. A minha ambição é uma ambição muito mais ligada a possibilidades criativas, de poder fazer centenas de coisas, do que essa coisa do dinheiro, dos bens materiais, de que através disso as pessoas vão ter uma idéia boa do que eu sou, porque eu tenho uma cobertura, um triplex, o carro mais caro. São coisas secundárias na minha vida.

No encarte do Samba Raro você afirma: "vamos fazer a nova cena juntos". O Orchestra Klaxon tinha o referencial modernista, de revolução. Anos depois, como você analisa a sua geração, em termos de conquistas artísticas e também comerciais?
Acho que as coisas estão melhorando, estão crescendo. Eu acho que a minha geração tem uma importância. Aquelas pessoas que foram citadas no encarte do Samba Raro são pessoas que têm uma importância fundamental nesse processo de revitalização da música popular brasileira. Até a segunda metade da década de 90 a gente tava no auge do axé, no auge da música sertaneja, no auge do pagode e nesses cinco anos tanta coisa, tantos discos de artistas que estavam esquecidos foram relançados. Se você andar pelo Brasil, onde quer que você vá há uma noite de samba-rock. Cada lugar a sua maneira, para um público pequeno, mas diferente.

Acho que a gente foi muito importante nesse processo. As pessoas voltaram a se interessar pela música brasileira. Não tenho dimensões de como é aí em Florianópolis (aonde você mora), mas aqui em São Paulo e no Rio poucas casas têm DJ’s. Os DJ’s estão sem mercado de trabalho, porque agora a maioria das casas tem música ao vivo. É interessante isso, cara. É um trabalho de formiguinha, mas é um trabalho que aconteceu sem que nenhum de nós precisasse vender milhões e milhões de cópias ou ter que aparecer todo domingo no Faustão, ou gastar milhões em investimentos em jabá de rádio. Toda essa transformação aconteceu diretamente no público.

E está acontecendo uma onda de relançamentos mesmo. Discos do Moacir Santos, João Donato, Dom Um Romão, o pessoal da Dubas lançando...
É, esses discos voltaram a circular. Embora pelo esforço de outras pessoas também. Um cara como o Charles Gavin tem uma importância incrível nesse processo de resgate. Ele é uma das figuras principais. Mas pra ele conseguir relançar isso, as pessoas das multinacionais vislumbraram que havia uma demanda, havia um público para consumir esses discos.

O que você tem ouvido de música brasileira, nova e velha? Alguma coisa recente te empolgou?
De música velha, um disco que eu tenho ouvido bastante é um coletivo de 1973, com o Danilo Caymmi, o Beto Guedes, o Toninho Horta e o Novelli. É tipo um lado B do Clube da Esquina. É um disco bem interessante, tem aquela influência psicodélica, mas também uma coisa musical, das harmonias do Toninho Horta, as músicas sensacionais do Novelli. É um disco que eu me apaixonei e tenho ouvido direto.

Eu também acompanho as coisas novas, que acabaram de sair. O Mombojó, lá de Recife, o Cansei de Ser Sexy daqui de São Paulo, o Parteum, que também lançou um disco agora, um rapper irmão do Rappin' Hood. Ele é produtor também, tem um trabalho super bacana. Tem várias coisas acontecendo no Brasil, eu acho.


Links
Site Oficial de Max de Castro
Site da gravadora Trama