Entrevista - Jander 'Ameba' Ribeiro
Por Jorge Wagner
Foto: Arquivo Pessoal
Blog
15/11/2006

Com pouco mais de 17 mil habitantes e aproximadamente 77,5 km² de área total, Mendes é um lugar onde, em pleno sábado a tarde, é possível encontrar um senhor de cabelos brancos e óculos fundo-de-garrafa trajando uma camisa vermelha abotoada até o alto do pescoço, cantando bolero para uma praça vazia. Dona do quarto melhor clima do mundo – como gostam de repetir, com orgulho, os moradores, é uma daquelas cidades do interior do Rio que não pareceriam deslocadas se fossem cidades do interior de Minas.

Roadie do Nando Reis, violeiro, fotógrafo amador, ex-engenheiro de som, ex-produtor e, é claro, ex-guitarrista e segunda voz da Plebe Rude, Jander Ribeiro, um sujeito grande e forte, de fala pausada e barba desgrenhada capaz de fazer inveja em muitos Hermanos, morou aqui por 16 anos. Não mora mais. Depois do término de seu casamento com a "menina mais bonita" citada na letra de 2ª Feriado (do terceiro disco da banda), mudou-se para São Pedro da Serra, em Nova Friburgo, mantendo assim a preferência por locais afastados dos grandes centros urbanos. Suas visitas à Mendes, hoje em dia, restringem-se a ocasiões esporádicas, como quando vem visitar as filhas Carina e Bianca, de 17 e 13 anos.

"Não fui eu quem escolhi morar em Brasília. Não foi vontade minha", conta Ameba em entrevista ao Scream & Yell. Sobre o apelido, ele explica: "Isso é apelido de moleque mesmo, sem maiores razões". Mineiro de nascimento, Jander voltou à Brasília em 1980, período de efervescência de um cenário punk no país. Ele já havia morado na capital por volta de 1974.

No retorno, tornou-se amigo e mais um membro da Turma da Colina, da qual faziam parte, entre outros, futuros integrantes de bandas como Capital Inicial, Legião Urbana e Escola de Escândalo, além de André Mueller ("a discoteca da turma, o cara que adorava gravar compilações em k7 com umas duas músicas de cada banda e distribuir para os amigos"), Philippe Seabra e Gutje, os trio que formara a Plebe Rude em 1981. Jander entrou na Plebe no ano seguinte, período em que o Aborto Elétrico deixou de existir, e a Plebe Rude virou a principal banda da cidade.

"Muita gente olha pra mim e pensa: 'esse cara é o maior roqueiro'. E eu nunca fui roqueiro! Eu nunca tive um disco rock, e muita coisa eu vim a conhecer bem mais tarde, com meu irmão Julian, que é uns 10 anos mais novo que eu. Eu nunca soube tocar guitarra e acabei tocando numa banda punk, já que pra ser punk não precisava saber tocar. Eu era punk não pela música, mas por questões ideológicas", garante.

Músicas como Até Quando Esperar? e Proteção, do mini-disco O Concreto Já Rachou (1985) e Censura, de Nunca Fomos Tão Brasileiros (1987) tornaram a banda conhecida em todo o País. No entanto, após o final da turnê do segundo disco, as relações entre Jander e Philippe Seabra estavam desgastadas, afastando-os tanto musicalmente quanto instrumentalmente. A gravação do terceiro álbum foi um caos. Exemplo máximo de que a banda não estava se entendendo foi a escolha final do título do disco: metade da banda queria A Serra como nome, e a outra metade, O Plebiscito. Como os quatro integrantes não chegaram a um consenso, o álbum acabou sem nome, sendo conhecido como Plebe Rude III (1989). Repleto de experimentações - como a mistura de ritmos regionais em faixas como Valor e Repente - Plebe Rude III não vendeu (a própria gravadora EMI trabalhou pouco o disco) e a relação entre os membros da banda se tornou ainda mais tensa. Jander, já morando em Mendes e tendo sido pai há pouco tempo, acabou "convidado a sair". Pouco depois montou o Tira Saibro, grupo com o qual se apresentou durante seis anos em bares, comícios e em "onde mais tivesse espaço", tocando o que pedissem. "No nosso primeiro show, em Valença, o cara que contratou teimou que queria ouvir só bossa nova, e foi lá a gente tocar bossa nova a noite inteira".

Enquanto a Plebe seguia em duo (Phillippe e André), Ameba fazia direção de palco para Lulu Santos, e trabalhava como roadie para gente como Fernanda Abreu, Engenheiros do Hawaii, Pato Fu e Gabriel, o Pensador. É melhor estar à frente de um palco ou nos bastidores? Jander garante que não gostaria de estar nem em um lugar nem em outro. "Parei de estudar no 1º ano. Não me especializei em nada. Isso é o que eu sempre fiz, é só o que eu sei fazer. O showbussines é ingrato. Ninguém faz o mesmo sucesso por anos. Eu trabalhei com o Gabriel quando vendeu 1 milhão de cópias e... cadê ele?! Nem faz tanto tempo assim!(...) Se pudesse, estava fora! Quando puder... estarei. Já foi meu tempo!"

Em 1999 a Plebe Rude ensaiou um breve retorno com a formação original, que rendeu o disco ao vivo Enquanto a Trégua Não Vem, em 2000, e alguns poucos shows ("uma lona cultural sei lá onde hoje, uma outra daqui a 15 dias... uns poucos shows bons em Brasília onde deu pra tirar um dinheirinho", resume), mas a participação de Jander ficou só por aí. "Enquanto Philippe recebe a pensão por conta dos trabalhos do pai dele e o André tem um emprego no Banco Central, com mobilidade pra sair uma sexta-feira mais cedo e viajar pra tocar, eu sou duro. Eu era duro. No começo era só um projeto: a gente toca, grava um ao vivo, faz uns shows. E mesmo com as poucas apresentações dessa época, os caras teimaram que dava pra fazer coisa nova. Isso eu não quis. Saí fora."

Há quem considere esse retorno da Plebe em 1999 como um dos primeiros sinais de um movimento de revival dos anos 80 no Brasil. "Eu acho muito estranho esses caras com seus 40 anos fazendo a mesma coisa que faziam aos 18, tendo a mesma atitude que tinham há 25 anos atrás. Pegam o que era pra ser anti-comercial na década de 80 e como não sabem fazer mais nada, tentam ganhar um dinheiro com isso agora.", alfineta. Perguntado se aplica a mesma opinião à Plebe, pensa um pouco, olha para os pés, coça a barba e diz que sim, "com a diferença de que pelo menos eles tentam fazer alguma coisa nova".

Enquanto seus ex-companheiros batalham a divulgação de R ao Contrário (novo disco da Plebe que trouxe Clemente, dos Inocentes, no lugar de Ameba), Jander, que tem aprendido desenho e que, tendo a fotografia como hobby, recentemente vendeu alguns cartões-postais de Nova Friburgo ("Tem que ser hobby mesmo! Minha máquina está ruim e uma boa nova custa uns R$3000! Teria que vender uns mil cartões pra comprar uma máquina boa e poder levar a sério!"), diz que tem como plano montar um bistrô ("Para vender artesanato e comidas típicas") ao lado da namorada, artista plástica, com quem passou as férias vendendo tapioca numa barraca montada nas ruas de São Pedro da Serra. "Sempre estive mais para ‘Jander do interior’ do que para ‘Jander da cidade’".

Se o fato de não ter ouvido R ao Contrário pronto (e nem demonstrar qualquer pressa em fazê-lo) não chega a surpreender, os fãs mais radicais, aqueles mesmos que ainda hoje criticam Plebe Rude III, devem torcer o nariz ao descobrir as preferências musicais atuais de Jander: "O que eu tenho ouvido? Tonico & Tinoco! Conheço pouco mas acho maravilhoso! Os caras por aí endeusam... Chico Buarque, mas o cara hoje em dia está cheio de coisas que não dá pra ouvir! Tonico & Tinoco foram os maiores artistas brasileiros, com mais de... sei lá... 800 músicas gravadas!"

Ameba tem fama de mal humorado, mas… desfrutando de um momento de sossego após três dias de estrada, talvez esteja cansado demais para demonstrar seu tão falado mau humor. Trabalhando muito desde agosto, quando começou a turnê de Sim e Não (disco mais recente de Nando Reis), "Jander do Interior" fez o trajeto Rio de Janeiro/São Paulo/Ribeirão Preto (onde Nando se apresentou na quinta-feira, 26 de outubro), foi para Recife (onde Nando tocou no dia seguinte, 27 de outubro) e então voltou ao Rio, para poder, finalmente, aproveitando a pausa para as eleições, visitar suas filhas em Mendes.

Alheio ao posicionamento político que consagrou a banda da qual fez parte durante a década de 80, Jander de hoje, na véspera das eleições de segundo turno, não sabia em quem iria votar. "Devo votar no Lula mesmo. Não sei ainda.", disse, deixando sua voz transmitir uma certa insegurança, comum a muitos outros eleitores. Jander Ribeiro nunca foi tão brasileiro.


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Links
Fotografias de Jander Ribeiro
Site Oficial da Plebe Rude