Entrevista - Hansen (Harry)
por André Azenha
Blog
12/04/2007

"Li outro dia um imbecil falando que achava que pós-punk era tudo o que veio depois do Green Day. Se fosse à minha frente, não ia ter argumento: eu ia ter que bater no moleque, não teria outra resposta possível."

"Tudo bem, já está lá e tal, mas se eu tivesse sido firme nos meus princípios, teria rolado em inglês desde o começo, como sempre tinha sido, mas como diz o nosso tecladista: 'cagadas não voltam ao cu'."

"Embora eu não conheça o Ricardo Alexandre (atual editor da revista Bizz), é meio óbvio que o cara não simpatiza comigo. E nunca o vi. Mas disseram que ele é evangélico. E no meu perfil no orkut, entre os esportes, está 'atirar em evangélicos'. Talvez tenha alguma coisa a ver. Sabe o que é evangélico? Evangélico é aquele cara que fica falando Jesus, Jesus, Jesus e não tem a mínima idéia de quem foi o cara. A mínima idéia. Eles lêem muito a bíblia. Eles acham que foi Deus quem escreveu aquela merda!"

"Olha só, eu não tenho preocupação de ser datado ou moderno. Nos anos 80, quando eu produzi a maior parte do que você ouviu, (o som) era bem à frente do que rolava por aqui - e ainda acho que é."

As frases acima são de Hansenharryebm, ou simplesmente Hansen, figura que - segundo depoimento de um amigo em seu perfil no orkut - "não se encaixa em padrões, é rude e complexo, com certeza instigável (sic.) e estar ao lado dele é sempre um grande prazer, mesmo sendo perigoso". Talvez a descrição tenha razão. Porém, além de uma pessoa polêmica, daquelas que não se esquiva de dizer o que pensa, Hansen tem talento para outras coisas, como a música: ele foi vocalista e guitarrista de uma banda marcante da cena paulista nos anos 80: o Harry.

O Harry, apesar de não ter feito parte do mainstream oitentista, ficou na memória de muita gente, inclusive figuras conhecidas da crítica musical tupiniquim. O polêmico Álvaro Pereira Júnior publicou uma coluna Escuta Aqui, na Folha Teen, falando do grupo. O jornalista e autor da coluna Big Mug, da Dynamite, Ayrton Mugnaimi Jr, alertava: "Não esqueça a banda oitentista Harry".

Fui atrás da empreitada e já achei peculiar o modo como Hansen combinou o encontro para a entrevista. "Lembra de um lutador de vale-tudo chamado Tank Abbott? Quando enxergar alguém parecido com ele, sou eu". Tank Abbott ficou conhecido no Brasil pela surra que tomou de Vitor Belfort no Ultimate Fighting. O local combinado para a entrevista foi à praça de alimentação de um shopping, num domingo a tarde, em frente ao Burger King. "O lanche é por minha conta, tenho dois vales que vencem no dia 31", avisou. Antes do lanche rolou o papo gravado que você lê abaixo:

A banda - Criado em Santos em 1985, o Harry contava com Hansen (vocal e guitarra), Cesar Di Giacomo (bateria) e Richard Johnsson (baixo). No início caminhou pelo "noisy" com letras em inglês, e após a entrada do produtor e tecladista Roberto Verta, deu uma guinada em direção ao rock "mezzo" eletrônico com pitadas de The Clash e Kraftwerk, aliando uma batida marcial, teclados espaciais e letras mórbidas e depressivas, com referências literárias de Neil Gaiman e Alan Moore. Entre 1986 e 1994, lançaram quatro trabalhos. O EP "Caos" (1986) e "Fairy Tales", primeiro álbum completo (último com a participação do baterista Di Giacomo), ambos pela gravadora Wop Bob. Com a saída do baterista, passaram a utilizar bateria e bases eletrônicas e vieram "Vessels' Town" (1990), pela Stiletto, e a coletânea "Chemical Archives" (1994), pela Cri du Chat, compilação de faixas dos primeiros discos com algumas composições inéditas.

Em 1996, o Harry iniciou a gravação de um novo trabalho, mas com Hansen morando no Ceará, Verta no Rio, e Johnson em São Paulo, a formação decidiu dar um tempo. Em 2005, os músicos voltaram à ativa. Hansenharryebm, Di Giacomo, Verta e Johnsson resolveram lançar um box ("Taxidermy- Boxing Harry"), com versões remasterizadas e faixas extras de "Fairy Tales" e "Vessels' Town", incluindo um CD com raridades, remixes e algumas faixas do projeto abortado de 96. Embalado por um belo trabalho gráfico, o box foi lançado pela Fiber Records, a divisão gravadora da Fiber Interactive, responsável também pelo FiberOnline, site pioneiro da música eletrônica no Brasil. Atualmente a formação faz um som bem menos eletrônico.

A morte do sócio - Hansen tem história pra contar. Seus "causos" são conhecidos, mas é preciso saber que o cara passou por poucas e boas. Trabalhou numa loja de CDs em Santos, e numa época de grana difícil, foi morar em Fortaleza, onde também teve uma loja de discos, quando precisou enfrentar o assassinato do sócio. "Invadiram a casa que morávamos, uns vagabundos que guardavam carros nos arredores. Meu sócio tomava um remédio que o fazia dormir como pedra. Pra você ter uma idéia, várias vezes, cheguei a chacoalhá-lo (mostra a maneira brusca como tentava acordar o amigo) e ele nem se mexia. Provavelmente os caras perceberam que estava fácil, entraram na casa e roubaram várias coisas. E do jeito que o corpo estava, foi pura maldade. Devem ter encostado um travesseiro e atiraram nele, sem defesa. Para a polícia disseram que ele acordou, e no susto, atiraram. Mentira. Com aquele remédios ele não acordaria nem com uma bomba", lembra.

"Acontece que eu estava na casa, havia chegado um pouco antes, acompanhado, e fui para o meu quarto. Eu ouvi os tiros e quando levantei enxerguei os caras atravessando a rua. Peguei minha arma e mirei na cabeça do sujeito, só que o tiro (ele tem porte de armas) pegou de raspão, infelizmente. A polícia chegou, viu aquela cena em casa e me levou. A situação só foi resolvida porque o imbecil em que dei o tiro foi para o hospital todo ensangüentado, usando minhas roupas que havia roubado, e avisaram a polícia. Minha vontade era de matar o filho do desgraçado e mandar a cabeça dele numa caixa, como no Seven, para ele na cadeia", diz. Além da tragédia, Hansen ficou sem poder fazer qualquer ação na loja que precisasse de sua assinatura, pois o negócio estava no nome do sócio. Depois disso voltou a Santos, traumatizado. "Numa época morei no alto de um prédio, com a minha mãe, e apesar de não ter perigo algum, dormia com um revólver do lado do travesseiro".

Em uma longa e agradável conversa com o S&Y, o músico contou como surgiu a idéia do lançamento do box, falou que a cena de Santos sempre foi boa, comentou da falta de reconhecimento com o Harry e estranhou o fato do box nem ter sido citado na revista Bizz (na edição com Carlos Eduardo Miranda, na contracapa, saiu um anúncio do box com outros lançamentos - crítica, mesmo, nada). Ele ainda falou das comunidades de revistas musicais no Orkut, seu projeto solo Bad Coc, composições e um tirou um sarro no músico Julinho Bittencourt. A seguir, Hansen, nas palavras dele próprio.

PAUSA NA BANDA E O LANÇAMENTO DO BOX
"Na verdade o Harry é como o Sisters of Mercy, nunca acabou. Só que um estava no Rio, eu no Ceará, outro no interior de São Paulo, então não tinha muita produtividade mesmo. (Foi) quando pintou a idéia do box…em 2003, eu acho. Primeiramente não era um Box. Os dois LPs iam ser lançados pela Midsummer, (selo) do Rodrigo Lariú, com bônus e tal. Nesse processo de seleção das faixas bônus, a coisa foi atrasando, e o Enéas Neto, da Fiber, que faz também aquelas festas do Trash 80, veio com a idéia do Box, que era mais interessante que os discos lançados separados. E a Fiber também tem um perfil mais a ver com a gente, de música eletrônica, do que a Midsummer. Hoje o Harry está bem menos eletrônico. Um disco pela Midummer seria bem viável. Teve show de retorno pro lançamento do Box, junto com uma banda belga em São Paulo e a gente tem feito alguns shows."

Público
"Eu acho que a maior parte do nosso público está em São Paulo. A gente tem público aqui (em Santos), mas aqui não tem onde tocar, o que é um absurdo. Faz um ano e meio que estamos de volta à ativa e não conseguimos tocar em Santos. É questão de armar. Um problema é que não temos alguém que nos venda. Fizemos contatos e estamos esperando o retorno."

Cena
"A cena (santista) é legal. Estou um pouco por fora das bandas hoje. Mas a cena aqui de Santos foi bem forte, principalmente no hardcore e no metal. Eu fiz parte do Vulcano. Na realidade, eu coloquei o Vulcano na trilha que está hoje. Porque o Vulcano era uma banda de rock'n'roll. A partir do momento que eles estavam se direcionando pro heavy metal, achei na época que era um lance de radicalismo. E se vai fazer isso, tem que fazer o mais pesado possível. O que é um paradoxo, porque hoje você tem a Internet, tem a condição de acessar toda informação e a molecada é muito mal informada. Eu li outro dia um imbecil falando que achava que pós-punk era tudo o que veio depois do Green Day. Se fosse na minha frente, eu não ia ter argumento: eu ia ter que bater no moleque, não teria outra resposta possível. Santos sempre teve um problema que é assim: as coisas ficam muito enclausuradas aqui. Eu não sei. Se a banda não sai daqui, não tentar tocar fora daqui, não vira. A gente teve uma época nos anos 80 que tinham vários lugares pra tocar e ficávamos acomodados. Tinha lugar pra tocar todo mês ou quinzenalmente e tal. Se a gente se acomodar com isso, vai ficar nisso. Quando tentamos São Paulo, a coisa começou a rolar. Mesmo em São Paulo, inicialmente, nós não fomos bem recebidos. A gente fez o circuito da época, Rose Bom Bom, Madame Satã, e eu preferia que tivessem detonado com a gente. Mas pra mim foi pior que isso. Fomos ignorados! Me sentia como um cantor de churrascaria. Foi o momento que deu aquela dúvida. Pô, o som tava ótimo, sabe? Aquele era o público. O que estava errado? Nesse momento de dúvida que pintou o lance de fazer as músicas com letras em português, e dessas gravações, rolou o primeiro disco. Tudo bem, já está lá e tal, mas se eu tivesse sido firme nos meus princípios, teria rolado em inglês desde o começo, como sempre tinha sido, mas como diz o nosso tecladista: 'cagadas não voltam ao cu' (risos)."

Reconhecimento
"Claro que não (sobre se o Harry teria o reconhecimento que merece). Senão eu não tinha vindo a pé pra cá. O Harry nunca primou pelo virtuosismo. A gente tem o lance da parte técnica de produção. Eu acho que os nossos discos são bem gravados dentro das condições que a gente tinha. Nesse ponto sim. Do resto, eu tinha alguma reputação de ser bom guitarrista, mas foi uma coisa que eu joguei pela janela quando eu comecei a direcionar pra esse lado (eletrônico)."

Cena antiga X cena atual
"Era diferente, outra época. Talvez por ter menos bandas, tinham mais lugares pra tocar. Hoje tem uma (banda) em cada esquina. Naquela época tinha uma banda em cada quarteirão. Eu precisaria me atualizar um pouco do que está rolando agora."

Box e a Bizz
"Não tem porque ficar ressentido (do Box não ter sido citado na Bizz), mas foi esquisito foi. O Box teve uma repercussão. Gente como o Arthur Dapieve, Humberto Finatti, a Carta Capital. Na revista da MTV colocaram tipo: 'fechamos a edição ouvindo isso'. Até hoje procuro a edição da Carta Capital, eu sei que saiu."

Orkut
"(O orkut) serve sim (pro debate). Acho que tem comunidades inúteis, que tem uns joguinhos e tal. Eu participo muito da comunidade da revista Bizz, da Rolling Stone, mas infelizmente a (comunidade da) Rolling Stone, enquanto a revista vai de vento em poupa, a comunidade que tinha crescido muito, foi deletada do orkut e se transformou em duas comunidades separadas. Uma supostamente oficial, que é de um dos integrantes da revista, e outra que é do mesmo dono da que foi deletada. Mas essa divisão ferrou as comunidades. Elas estão morrendo, pouco se discute da revista lá. Já a da Bizz não, é super ativa, você posta e em dez minutos já tem um novo comentário. Tem gente lá tanto da antiga Bizz como da atual, redatores, ex-editores e tudo. E pra mim é uma boa vitrine. Tanto que tem muita gente (que fala bem de mim), até o empresário do Skank já foi pedir pro Ricardo Alexandre, editor atual, que eu devia ter uma coluna na revista. Mas esse lance do Box... Acho que é só a ponta do iceberg. Embora eu não conheça o Ricardo Alexandre, é meio óbvio que o cara não simpatiza comigo. E eu nunca o vi. Mas disseram que ele é evangélico. E no meu perfil no orkut, entre os esportes, está 'atirar em evangélicos'. Talvez tenha alguma coisa a ver. Sabe o que é evangélico? Evangélico é aquele cara que fica falando "Jesus, Jesus, Jesus" e não tem a mínima idéia de quem foi o cara. A mínima idéia. Eles lêem muito a bíblia, um livro que foi escrito... Eles acham que foi Deus quem escreveu aquela merda! Foram dois caras. O Imperador Constantino, que converteu o catolicismo como religião oficial de Roma por motivos puramente políticos. E São Paulo, Paulo de Tarso, que foi o primeiro marketeiro da história. Então aquele texto da bíblia foi alterado. Mas os evangélicos acham que aquilo é aquilo. (Quanto às bandas evangélicas) Eu não dou o mínimo para as letras. Se a música é boa, beleza. Mas não saberia citar nenhuma banda evangélica no momento."

Shows e projeto solo
"Está devagar (a freqüência de shows), pois estamos sem empresário. Os últimos shows foram em junho e dezembro. Eu tenho meu projeto solo, que é mais eletrônico mesmo. O Bad Coc faz shows com mais freqüência, porque sou só eu, levo bases pré-programadas, então é um show barato. O Bad Coc é totalmente eletrônico. É um transporte, uma hospedagem e beleza. Quase gasto zero de equipamento. Já o Harry hoje em dia são seis pessoas. Então estamos meio que confinados a São Paulo."

O som
"Olha só, eu não tenho preocupação de ser datado ou moderno. Nos anos 80, quando eu produzi a maior parte do que você ouviu, (o som) era bem à frente do que rolava por aqui - e ainda acho que é. Hoje sou meio fiel ao estilo, sem pretensões de modernizá-lo, porque não me agradam manifestações musicais ulteriores (risos). O Bad Cock é todo eletrônico, mas não é exatamente o lance de radicalizar é só uma opção, e eu não tenho preocupação em ser vanguarda. Na minha cabeça é pop. As letras, ah, eu sempre achei que artista explicando a obra é patético. As letras são o que são. A única explicação que dou é quando me perguntam por que a gente compõe em inglês: 'porque não sei alemão' (risos)."

Material inédito
"A gente ia gravar um álbum por nossa conta em 1996, mas não foi terminado. No meu Soulseek eu tenho uma pasta com dezenove músicas que não estão no Box. Eu pelo menos ainda estou produzindo material."

Mainstream
"Eu acho que poderia (fazer parte do mainstream). Eu não vejo nada de esquisito no som da gente. São músicas de três, quatro minutos com refrão. É música pop. Talvez a roupagem sonora que a gente coloca em cima disso seja um pouco peculiar, mas a maior parte das coisas do Harry, você vai notar que são melódicas. O que eu sinto mais falta na maioria dos trabalhos de hoje."

Composições
"Quem compõe mais sou eu e o Johnsson. A gente fazia junto e separadamente. O Verta compõe menos, mas tem um material muito bom. O César contribuiu com muita coisa."

O site da banda e a Fiber
"A Fiber mantém o site. A Fiber começou com um site dentro do UOL, numa parte de música eletrônica, daí cresceu e passou a ser um site independente. A Fiber Records surgiu com o nosso box."

Sarro com o Julinho Bittencourt
"Estava eu e o Rafa ali na Blaster (loja de CDs em Santos), já ali de final, e entra o Julinho Bittencourt, que era dono do Torto, tinha a banda Jornal do Brasil, um cara que tava em tudo quanto era festival de MPB, e é um amigo meu desde os meus quinze anos. Eu apoiado do lado de fora do balcão, o Rafa dentro. Ele perguntou: 'tudo bem?'. A gente nem respondeu, só mexeu a cabeça. 'Estou procurando o novo do Caetano pra minha irmã', disse ele. Aí eu virei: 'E nós com isso? (risos)". Na hora eu achei engraçado e pensei que ele tivesse levado na brincadeira. No dia seguinte ele encontrou minha irmã e confessou que ficou magoado porque fui mal educado com ele (risos)."

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