Entrevista com Cris Braun
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
14/03/2005

Sete anos após sua estréia solo, Cris Braun, ex-vocalista do Sex Beatles, retorna com Atemporal (Psicotronica), um álbum calmo e contemplativo. "Durante dois anos, eu, o Gustavo Corsi e o Billy Brandão trabalhamos nisso. Nós tínhamos esse conceito muito fechado. Nunca vi uma coisa tão perfeita", diz Cris, em entrevista ao S&Y, contente com o resultado final do álbum.

Além de quebrar um silêncio de sete anos na mídia (Cris trabalhou intensamente em diversos projetos durante este tempo que não foram lançados), Atemporal marca a estréia da cantora como compositora: três canções do álbum são assinadas por ela, música e letra. Outras quatro são divididas com parceiros, e Cris ainda relembra Nenhuma Dor, de Caetano Veloso, e Falso Amor, de Jair Oliveira.

A presença de Caetano em Atemporal com Nenhuma Dor (do primeiro álbum do cantor, Domingo, de 1967, dividido com Gal Costa) explicita um romance com a MPB que havia sido exibido na estréia solo (Cuidados Com Pessoas Como Eu, 1998), que trazia uma versão para Bom Conselho, de Chico Buarque. "Eu tenho um comportamento rock'n'roll e uma alma MPB", justifica a cantora, que se destacou como vocalista do Sex Beatles, uma banda com atitude "glam rock". "O Atemporal sou eu, mas quando você me vê você acha que eu sou uma Courtney Love", brinca.

A paixão por MPB é algo de infância. "Eu ouvi tudo isso na minha adolescência. Morei em Maceió, e no nordeste se ouve música brasileira. Muito. Cultiva-se isso. E eu ouvia Maria Bethânia, Alceu Valença, Caetano, Gil, Chico. Ouvia muito, e estava impregnado em mim", conta Cris, que ainda planeja gravar um disco especial. "Um dia, quando eu for gente grande, vou fazer um disco só de Chico Buarque. Quando eu for gente bem grande mesmo. Eu amo Chico Buarque", diz.

Atemporal começou a se desenvolver após a mudança de Cris Braun da cidade para a serra fluminense. A calma do local inspirou a cantora. "Tudo é mais lento. Não tem barulho. E você acostuma. É um timing natural, que eu queria que o Atemporal tivesse. Porque eu sou da tese de que estamos todos sofrendo por conta de termos perdido o ritmo natural", acredita. Para Cris, as pessoas precisam voltar ao timing natural. "A única coisa que tem que ser rápida é a Internet, o resto tem que ser devagar. (risos) Temos que acompanhar o ritmo da natureza", aposta.

Entre o Céu e a Terra abre o disco combinando guitarra, violão e bandolim em uma bonita balada que desenha a paisagem que Cris contempla: "Tudo é tão lindo / É só olhar que não há metáfora / E olha que a metáfora é a coisa mais linda / Que há na língua". Bom Dia é uma parceria com o músico Billy Brandão, e que conta com Paula Toller, do Kid Abelha, nos vocais. "Ficou super bonita na voz dela", acredita Cris. "Essa música é um escândalo. É uma daquelas que eu olho pra ela e ela já é uma terceira pessoa. Aquilo já é uma obra, não é mais meu. Eu a acho perfeita, muito bonita", opina. Bom Dia conta com piano, baixo acústico e guitarras fazendo a cama para as vozes de Cris e Paula "dançarem" em uma letra contemplativa.

A versão de Nenhuma Dor traz Celso Fonseca no violão e na programação eletrônica enquanto a própria Cris toca violão na faixa que dá título ao disco. Já Tudo Pode (outra parceria com Billy) resume que tudo pode ser feito, "só não pode mentir / só não vale negar". Destaque para os efeitos da guitarra e para a percussão de Eduardo Lira. Falso Amor, de Jair Oliveira, é samba de primeira grandeza enquanto Quase Ao Alcance do Olhar destaca novamente a guitarra, e também o e-bows, agora de Gustavo Corsi. "Eles - Gustavo Corsi e Billy Brandão - são mestres em pedais. É impressionante. Estou só com os dois aqui e parece uma orquestra", diz Cris Braun.

"As noites me cansam", diz a letra de Drum And Bass Is Past, que traz o sax de George Israel e é mais uma constatação do que uma provocação. "Não tem nenhuma referencia com o ritmo, a não ser a mesma questão da velocidade. Do final dos anos 90 pra cá, tudo ficou subdividido. E o pulso do coração é "pum, pum, pum, pum". E eu pensei: de novo isso. Drum and Bass é uma coisa que subdivide o ritmo pra caramba e acelera como os corações urbanos. É uma brincadeira ter chamado a música de Drum And Bass Is Past. Já era. Vamos voltar ao ritmo normal. Mas não tem referencia musical, é uma metáfora", justifica.

Fechando o álbum, Magda, uma parceria com Paula Toller e Billy Brandão. A parceria rolou em um jogo de futebol. "A gente tem um time chamado Rebola. Nessa época jogavam a Fernanda Abreu e a Paula Toller. E a Paula perguntou se eu fazia música, e eu disse que só fazia porcaria, e ela "me mostra, me mostra, me mostra". Eu mostrei e começou uma parceria que rola até hoje. Ela que me lançou como compositora mesmo, com Como é Que Eu Vou Embora. Eu mandei isso pra eles (Kid Abelha) e trabalhamos juntos nessa música, e foi um hit. Daí, então, pensei: posso trabalhar nesse lado composição", diz Cris.

Disco lançado, hora de pensar no show. "Estamos preparando. Não sei se vai ter o disco inteiro, acho que vão ficar duas fora, mas vamos acrescentar Arnaldo Antunes (Pedido de Casamento), vamos colocar, talvez, Gentle Giant ou Emerson, Lake & Palmer, alguma loucura assim", adianta Cris, que acredita que "tem que se viver um dia após o outro mesmo". Enquanto prepara o novo show, o disco Atemporal chega às lojas em perfeita sintonia com o slogan da gravadora Psicotronica, que o lançou: música para durar.


Confira a integra da entrevista:

O que mudou na Cris Braun do Sex Beatles para o Cris Braun de carreira solo?
Basicamente, o início de carreira de compositora. Eu também descobri uma coisa mais introspectiva (com o tempo). Mas, basicamente, do Sex Beatles para a carreira solo foi o fato de compor. De expor o que eu posso escrever e compor.

O Sex Beatles tinha um formato mais rock...
Beeeeem rock. Glam rock.

…enquanto a sua carreira solo traz um namoro com a MPB…
O primeiro disco já tinha indicado isso, e o Atemporal então (segue mais ainda), mas há algo engraçado, que eu sempre falei: estranhamente eu tenho um comportamento rock'n'roll e uma alma MPB. É muito engraçado. É uma dicotomia enorme. MPB, Stones e Beatles misturado. O Atemporal sou eu, mas quando você me vê você acha que eu sou uma Courtney Love. (risos). Não posso fazer nada, eu nasci assim, torta. (risos). Uma alminha contemplativa num comportamento rock'n'roll. O que se pode fazer...

Tem que se admirar...
Ou aceitar... (risos). Agora mesmo, estávamos montando o show e já começam a aparecer um monte de coisas engraçadas. Estávamos tocando uma do Arnaldo Antunes aqui, e nos divertindo. Adoro ele.

O Atemporal é mais calmo que o Cuidado Com Pessoas Como Eu, que tinha algo de eletrônica...
Passaram-se sete anos desde então, né. O que aconteceu com o Cuidado faz parte de uma transição. E eu acho que eu me adornei mais no projeto do Atemporal. No Cuidado eu me desconhecia dentro desse universo solo e musical, e acabei fazendo tudo muito em equipe. Não que não seja meu, mas é um disco muito distribuído em termos criativos. E naquele momento eu era aquilo mesmo. A gente estava curtindo aqueles elementos eletrônicos. O fato é que, de qualquer forma, eu saí do centro urbano para morar no meio do mato, e isso contribui para este estado mais contemplativo e orgânico do Atemporal.

Por que tanto tempo de silêncio entre álbuns?
Cara, eu trabalhei muito nesse tempo. Tive um projeto com o Billy Brandão e o Marcos Cunha. A gente só não gravou. A gente compôs e fechou. Eu fiz quatro ou cinco músicas de demo com o Nilo (Romero). Eu tive um outro projeto com o Gustavo Corsi (Picassos Falsos), alias, eu venho trabalhando no Atemporal com o Gustavo Corsi há dois anos. Então, eu trabalhei. O que acontece é que quando você não está na mídia, as pessoas acham que você está em silêncio, e às vezes você está trabalhando intensamente. Durante sete anos eu trabalhei intensamente. Só não estava gravando...

No Atemporal você estréia seu lado compositora. São três músicas totalmente suas, certo?
Exatamente. Tem duas músicas que não são minhas, uma do Jair (de Oliveira) e outra do Caetano. O resto é meu com parceiros, e três só minhas. No Cuidado tinham só duas ou três minhas, mas tudo em parceria.

Como rolou de você escrever sozinha?
Isso é natural. Na verdade, eu escrevo sozinha desde sempre, mas você vai aprimorando, vai tomando coragem de se expor. Isso de ser o que você realmente é. O adolescente tem uma insegurança enorme, e ele pega as referências no mundo. E quanto mais adulto você vai ficando você começa a não se preocupar com isso. Eu sou assim, eu sou isso. "Quem quiser gostar de mim, eu sou assim". A tua espinha dorsal vai se formando e você se assume. Então, eu resolvi dizer que - seja bom ou ruim - eu vou me expor. E foi o que aconteceu. Acho que é bom (risos). Eu espero que sim (risos). A Paula Toller sempre me encorajou muito. Ela que me lançou como compositora mesmo, com Como é Que Eu Vou Embora. Eu mandei isso pra eles e trabalhamos juntos nessa música, e foi um hit. Daí, então, pensei: "posso trabalhar nesse lado composição".

Como rolou a parceira com ela?
Jogando futebol. A gente tem um time chamado Rebola. Nessa época jogavam a Fernanda Abreu e a Paula Toller. E a Paula perguntou se eu fazia música, e eu disse que só fazia porcaria, e ela "me mostra, me mostra, me mostra". Eu mostrei e começou uma parceria que rola até hoje.

E o dueto em Bom Dia?
Menino, eu cheguei na casa do Billy, e a gente sempre fica brincando. Então ele disse que queria me mostrar um riff. (cantarola). Eu disse: me dá isso agora! (risos) Levei pra casa e em cinco minutos escrevi a letra, trouxe de volta e virou música. Era um riff maravilhoso que ele tinha aqui. Então eu convidei a Paula para cantar uma música nesse novo disco, e ela escolheu Bom Dia. Ficou super bonita na voz dela. Essa música é um escândalo. É uma daquelas que eu olho pra ela e ela já é uma terceira pessoa. Aquilo já é uma obra, não é mais meu. Eu a acho perfeita, muito bonita.

No primeiro disco você gravou Chico (Buarque)...
Sim, sou louca por Chico. Um dia, quando eu for gente grande, vou fazer um disco só de Chico Buarque. Quando eu for gente bem grande mesmo. Eu amo Chico Buarque.

...e agora está gravando Caetano (Veloso)...
Que eu também amo. Sou tradicional. (risos)

Como é a sua relação com a MPB?
Eu ouvi tudo isso na minha adolescência. Morei em Maceió na adolescência, e no nordeste se ouve música brasileira. Muito. Cultiva-se isso. E eu ouvia Maria Bethânia, Alceu Valença, Caetano, Gil, Chico. Ouvia muito, e estava impregnado em mim. E agora (estou ouvindo) a galera nova, todos, Pedro Luis, Lenine, Paulinho Moska. Eu gosto de MPB. É riquíssima.

E o novo show?
Estamos preparando. Não sei se vai ter o disco inteiro, acho que vão ficar duas fora, mas vamos acrescentar Arnaldo Antunes (Pedido de Casamento), vamos colocar, talvez, Gentle Giant ou Emerson, Lake & Palmer, alguma loucura assim.

O Atemporal saiu do jeitinho que você queria?
Exatamente. Nunca vi uma coisa tão perfeita. Durante dois anos, eu o Gustavo Corsi e o Billy Brandão trabalhamos nisso. Nós tínhamos esse conceito muito fechado. Quando nós fomos convidados para gravar, já tínhamos tudo certo, sabendo do que iria precisar. E eu queria uma quantidade enorme de guitarras - minha origem rock'n'roll, então, na hora de chamar um violoncelo, eu disse: faz na guitarra. Eles são mestres em pedais. É impressionante. Estou só com os dois aqui e parece uma orquestra.

As fotos foram feitas na sua casa na serra?
Foram.

Essa mudança inspirou todo o trabalho?
Bastante, viu. Não tem como. Tudo é mais lento. Não tem barulho. E você acostuma. Quando eu mudei para a serra, eu ficava muito aflita: tem que cortar essa grama; tem que fazer não sei o que. E o jardineiro que me ajuda lá, dizia, "Dona Cristina, tem que esperar". (risos) E tem isso de "tem que esperar" que é um barato. No outro ano aquilo se repete de novo. As folhas caem, tem que varrer o jardim. É um timing natural, que eu queria que o Atemporal tivesse. Porque eu sou da tese de que estamos todos sofrendo por conta de termos perdido o ritmo natural. Estamos doidos por consumismo. Estamos loucos. Completamente loucos, e perdemos o ritmo natural. E ai você perde o centro de si mesmo: "quem sou eu?".

Criamos os nossos problemas...
É. E isso atrapalha as relações afetivas. Calma lá. Tem que se viver um dia após o outro mesmo. A única coisa que tem que ser rápida é a Internet, o resto tem que ser devagar. (risos) Temos que acompanhar o ritmo da natureza.

O Chico Science tinha uma frase que adoro, que é "a velocidade do tempo moderno me atropela"...
É exatamente isso. Exatamente. Sem apologias, mas o cara vira Bob Marley, né. Ele precisa fumar para pode agüentar. É você entra naquela onda fumo. E tem uns calmantes. Você precisa de algo para suportar e não ser atropelado.

As noites estão te cansando, mesmo?
Completamente. Eu estava voltando de uma noitada e pensei: como as noites me cansam. Cansam, cansam muito. Eu gosto muito do dia. Eu sou boêmia, mas eu gosto muito do dia. Mas as noites... São muita gente, muito movimento, muita cara, muita boca, muito vestidinho, muita roupinha, nossa, como é muito tudo isso! Mas eu me divirto, eu me divirto com tudo. E a música, Drum And Bass Is Past, não tem nenhuma referencia com o ritmo, a não ser a mesma questão da velocidade. Do final dos anos 90 pra cá, tudo ficou subdividido. E o pulso do coração é "pum, pum, pum, pum". E eu pensei: de novo isso. Drum and Bass é uma coisa que subdivide o ritmo pra caramba e acelera que nem os corações urbanos. É uma brincadeira ter chamado a música de Drum And Bass Is Past. Já era. Vamos voltar ao ritmo normal. Mas não tem referencia musical, é uma metáfora.

Links
Site Oficial Cris Braun - Download de "Atemporal", "Bom Dia" e "Drum and Bass Is Past"
Site Oficial da gravadora Psicotronica