Walverdes - Entrevista

por Diego Fernandes
2002

Um dos melhores lançamentos nacionais que chegou aos meus ouvidos esse ano me custou apenas dez reais, não está vinculado a nenhuma grande gravadora (o que não é exatamente uma surpresa), e, se algum olheiro da Abril Music chegar a ouvir, vai entrar em colapso querendo enforcar o Capital Inicial.

Quando Gustavo Bittencourt (a.k.a. Mini) me entregou em mãos o novo CD da Walverdes, Anticontrole, eu ainda estava embasbacado com o show que tinha acabado de ver e tinha álcool suficiente no organismo para matar um animal de pequeno porte, mas, – para minha sorte – tive foco suficiente para pedir grana emprestada para a minha namorada e comprar o disquinho. Não me arrependi – de comprar o disco, é claro, porque a ressaca me deixou com um aspecto simplesmente deplorável.

Todas as minhas impressões sobre Anticontrole seguem no final. Na frente, numa segunda-feira preguiçosa, o S&Y bateu um papo com Gustavo "Mini" Bittencourt que mandou:

"Rock não é salvação, é perdição"


Qual tua opinião a respeito do 'fim da cena gaúcha', que alguns jornalistas (da região sudeste, obviamente) já correram para anunciar devido ao "sintomático" fim da Video Hits?
Gustavo Mini Bittencourt - Olha, cara... esse papo de cena vem e vai. Nós estamos aí há 9 anos e já vimos duas ondas de cena "irem e virem". Tem gente que está há mais tempo e deve ter visto mais ainda. Isso é normal. Algumas bandas terminam, outras vem e ainda há as que se mantêm. Com a cena acabando ou não, sempre vai ter gente tocando nessa cidade.

Na tua opinião, por quê a Walverdes normalmente não é citada quando se fala da atual cena rock gaúcha, junto com bandas como Bidê ou Balde, Tequila Baby, Comunidade Nin-Jitsu, Acústicos e Valvulados e Ultramen? Isso de alguma forma magoa vocês?
Mini - É óbvio que a gente gostaria de tocar para muito mais gente, mas não dá pra dizer que ficamos "magoados". As bandas que você citou são bandas que tocam direto em vários lugares que não tocamos, tocam até mesmo para um público diferente do nosso, tocam em rádio, têm um esquema de trabalho diferente. Por vários motivos, comerciais ou musicais, não temos esse alcance. Mas estamos trabalhando para reverter isso aos poucos. Queremos ter tanto público quanto for possível.

De onde surgiu o conceito de Anticontrole?
Mini - Anticontrole é o nome da primeira música do disco.

Como foi ter Júlio Porto (ex-Ultramen) dando uma força nas guitarras?
Mini - Excelente. O cara é foda. E gente boa.

A letra de Novos Adultos tende a criar alguns desafetos. De algum modo, a Walverdes desaprova a atual MPB? Conhece muitas pessoas que agem conforme a letra descreve?
Mini – Conheço, e foi inspirado nelas que escrevi. Quanto a aprovarmos ou desaprovarmos... Cada um tem o direito de fazer o que quiser... A gente só se diverte um pouco fazendo esse tipo de letra às vezes...

Confesso que a qualidade da produção do disco me surpreendeu bastante. Anticontrole saiu exatamente do jeito que vocês queriam?
Mini - Saiu. Não ficamos satisfeitos com o 90 Graus [disco anterior, primeiro da banda lançado pelo selo independente goiano Monstro Discos]. Em Anticontrole quisemos nos redimir. Um ou outro detalhe poderiam ter sido aperfeiçoados, mas no geral é aquilo que queríamos. Não que tenha sido planejado: muitos timbres e idéias vieram na hora da gravação. Nós fizemos o disco de uma maneira bem básica e com pouco dinheiro. O mérito é praticamente todo do Iuri Freiberger, produtor, que se esforçou muito pra chegarmos nesse som.

As comparações recorrentes com Mudhoney já encheram o saco? Aliás: a ligação do Mudhoney com o som da banda é direta ou se dá de uma maneira mais transversal, digamos assim - tipo, através de Black Sabbath, Stooges, MC5 e outras bandas que influenciaram o próprio Mudhoney? (Esse capítulo me pareceu meio obscuro naquele histórico em que tu resumiu a trajetória da Walverdes para o S&Y).
Mini - É direta. Em 91, quando Walverdes ainda nem existia mas já éramos amigos, o Marcos [Rübenich, baterista] mandou gravar uma cassete na Toca do Disco [lendária loja de Porto Alegre] com o Every Good Boy Deserves Fudge e aquilo foi um marco na nossa vida musical. O que às vezes enche o saco é o cara achar que o nosso som só vem dali. Porque a verdade é que escutamos muitas coisas diferentes.

A Walverdes faz questão de continuar sendo uma banda indie? (Sei que, dependendo da pessoa, essa pergunta pode soar completamente idiota, mas existem bandas que fazem questão de continuarem sendo indies, como se isso fosse o mérito supremo.) Além de continuar tocando, quais os planos para o futuro?
Mini - A gente faz questão de tocar do jeito que queremos e gerenciar a banda da nossa maneira. Eventualmente, podemos até fazer uma ou outra concessão para chegarmos num público maior, mas o limite é o som. Ninguém vai se meter no nosso som. Podemos até vir a tocar forró no futuro, mas se isso acontecer vai ser por vontade nossa. Os planos daqui pra frente são divulgar o Anticontrole e viajar bastante fazendo isso.

O que tu acha da atual febre em torno de bandas cuja sonoridade remete a uma abordagem mais primtiva e despojada do rock, como Strokes, Queens Of The Stone Age, Trail of Dead, At The Drive-In, White Stripes e Hives, que a imprensa britânica insiste em saudar como a salvação da lavoura?
Mini - Rock não é salvação, é perdição.

Tu concorda com a afirmação de que o rock brasileiro passa por um período de estagnação, ou acha simplesmente que a música de qualidade não tem alcance na mídia?
Mini - Ele pode até estar estagnado em termos de criatividade, mas a atividade é intensa. Estão acontecendo festivais em vários lugares do Brasil. No ano passado tocamos bastante fora daqui e tinha agito em todas as cidades.

O que anda ouvindo de legal ultimamente?
Mini - Um set mixado pelo James Lavelle, do UNKLE. O último disco do Ian Brown. As demos dos Cascavelletes em um CD. Augustus Pablo. Bob Marley.

Pra finalizar: como bom publicitário, qual seria o slogan da Walverdes?
Mini - Ele existe há tempos. É "Rock Pauleira, Conciso e Eficiente Desde 1993".



"Anticontrole" - Walverdes (Monstro Discos)

por Diego Fernandes
2002

Anticontrole abre, oportunamente, com a faixa-título, como se dissessem "Ok, sem suspense, vamos lá". A música é um híbrido de sonoridade noise/garageira aliada a belos riffs que lhe conferem uma roupagem ao mesmo tempo retrô e arrojada - o que, pensando bem, também é uma bela definição para o restante do disco e para o som da Walverdes de uma forma geral. O baixão oscilante e carregado de groove à la Mudhoney (a cargo de Bruno Badia) confere um poder de fogo inédito em terra brazuca ao som da banda, e a qualidade da gravação surpreende logo de cara. Quanto às letras, bom, basta dizer que elas de fato dizem ou tentam dizer alguma coisa em português, e a banda já se coloca à frente de metade do indie nacional.

Tudo Está No Seu Lugar (Everything in its right place?) tem guitarras turbinadas que soam como um motor mexido, e um final-calmante que é uma das únicas concessões que a banda de fato faz ao longo do álbum, mas que de forma alguma soa deslocado. Viajando Na AM é a de maior potencial radiofônico do disco, em parte pelo clima altamente festivo, em parte porque a banda parece à beira de atingir ponto de ebulição lá pela altura do refrão, e em parte porque é uma canção como não se ouvia há tempos no pop nacional ("Você quer conversar / Eu só quero dançar / Você quer beber / Eu só quero aproveitar / Você quer parar / Eu só quero continuar"). Se as FMs (Hah! Um paradoxo, sacaram? AM/FM! HAHAHAHAHAHA! Aham. Ok, esqueçam...) abrissem os olhos, teríamos um hit e tanto aqui.

Refrões Ao Lado / Classe Média Baixa Records é um medley estranho, – deliciosamente estranho – na verdade duas músicas pelo preço de uma. A primeira, uma longa introdução instrumental onde Marcos Rübenich sova sua bateria sem dó nenhum e o baixo é praticamente reduzido a um loop, lembrando tanto Lenny Kravitz (fase Are You Gonna Go My Way) quanto Rage Against The Machine (remetendo a Revolver, do clássico Evil Empire). A segunda porção agrega brasilidade ao som muitas vezes tachado de deslocado e 'colonizado' de inúmeras bandas do circuito alternativo: "Eu me emociono com viagem de avião / Tudo que compro eu sempre pago à prestação / O meu herói é saltimbanco trapalhão / Refri pra mim sempre foi no domingão". E, mais adiante, uma conclusão meio nonsense: "Eu nunca tive pouco como muitos / E nunca tive muito como poucos".

O Mundo Não Pode Parar, Regras e Eu Vou Vivendo são três canções no estilo 'ladeira abaixo, sem arrego', com pouco espaço para solos ou inovações estéticas. Basicamente, é rock, e achei que isso valia uma menção. Mesmo Assim se destaca pela guitarra impiedosa que abre caminho para uma verdadeira porrada atrás do ouvido que, sabiamente, dura apenas 1min44seg, mostrando que a banda sabe jogar. Novos Adultos se vale de distorção e microfonia estremecedoras para descascar aqueles que acreditam que a transição da adolescência para a idade adulta tem que vir acompanhada de gostos estritamente 'de gente grande' ("Mais uma daquelas festas cheias de novos adultos / Que antes escutavam rock e agora só ouvem MPB / Só Barão Vermelho, Kid Abelha e o Caetano / Pra manter tudo como está").

Ação e Reação é um dos pontos altos do disco. Começa nos velhos moldes 1-2-3-4, linha de baixo despojada, bateria reta, guitarra agindo conforme o esperado. Aí acontece alguma coisa – uma quebra que te põe, no mínimo, nervoso. O baixo começa a borbulhar e chama a guitarra pra perto, e o que se segue é um interlúdio psicodélico de percussão galopante à la Stooges, um sentimento de jam se alastra pela música e torna-se impossível não se ver imerso num lodaçal de ritmo. Um daqueles momentos em que a música cria vida e, não importando o quê se esteja fazendo, é necessário parar e prestar atenção. Acordando Seqüelado, a última faixa, faz muito sentido para quem já chegou de ressaca no trabalho segunda-feira de manhã, sem conseguir abrir os olhos direito e com gosto fodido de boné velho na boca.

Revistas como NME e Q falam de maneira entusiástica (e boçal, na maioria das vezes) no tal 'revival garagem' que assombra o mundo via White Stripes, Strokes e Hives. A Walverdes poderia muito bem ser a grande representante nacional do gênero, mas prefiro acreditar que tudo não passa de uma feliz coincidência – finalmente uma banda na hora e no lugar certos. Esse texto ficou meio longo, ainda mais se levarmos em consideração o fato de que o disco em si tem apenas 35m23s de música, mas achei que dizer simplesmente 'compre' não seria de bom tom. Mas agora é foda-se: 'compre', porque vale a pena.

Leia Também
"90º", do Walverdes, por Marcelo Costa
A História do Walverdes, por Gustavo 'Mini' Bittencourt
"A Pré-História do Walverdes", por André Takeda
"Anticontrole", do Walverdes, por Fernando Rosa

Links
Site Oficial do Walverdes