Greatest History
por Eduardo Spitzer
http://quandoeutiver64.blogspot.com

Lotação esgotada, jovens histéricos e um certo ar de celebração. Ao ver toda comoção em torno do show dos escoceses Belle & Sebastian no Free Jazz, confesso que por alguns momentos acreditei que tudo não passava de exagero. Por favor, entenda: cresci ouvindo a poesia de Morrissey e os arranjos ultrasensíveis do Felt. Ou seja, Belle & Sebastian, pelo menos na minha opinião, sempre foi uma banda superestimada. No entanto, não havia como negar. Bastava olhar para aquela multidão de olhos marejados para ter certeza de que, sim, aquela era uma noite histórica. Eu posso ter saído do Jockey Club imune, mas grande parte das pessoas nunca mais irá esquecer aquela noite. Principalmente os adolescentes que encontraram suas vidas nas delicadas melodias de Stuart Murdoch e companhia. Para eles, ver o Belle & Sebastian, no auge de sua carreira, era como ter a trilha sonora de suas descobertas (primeiro beijo, primeiro namorado, primeiro fora, primeira desilusão, primeira transa e tantos outros primeiros) tocada em alto e bom som e ainda por cima ao vivo. E é por isso que sou tão fascinado pela música pop. Porque nada é capaz de entender tanto o turbilhão de sentimentos do ser humano quanto ela. Você acha que estou ficando louco? Não, não estou. Eu sei do que estou falando. Há mais de dez anos atrás eu também me senti como os adolescentes do show do Belle & Sebastian. E este adolescente parece ter voltado, agora que ouço a terceira coletânea que o The Cure acaba de lançar.

Para quem nasceu depois de 1980, o The Cure pode ser apenas aquela banda de góticos que emplacou alguns hits nos anos 90. A verdade é que, por trás da maquiagem de Robert Smith, existe um dos maiores e melhores ícones do pop britânico. E o Cure nem precisava ter lançado este Greatest Hits para provar por que é tão essencial. Afinal, as coletâneas de singles Standing On A Beach e Galore cobrem o que a banda fez de melhor em seus mais de vinte anos de estrada. O que torna o Greatest Hits obrigatório é o disco bônus com todas as 18 músicas do playlist tocadas no formato acústico. A má notícia é que a edição brasileira não traz consigo esta pequena obra-prima. Por isso, se você tem um pouquinho de amor próprio invista uma grana a mais e compre o importado.

Ouvir 16 (as outras duas são as inéditas Cut Here e Just Say Yes) dos maiores clássicos do Cure gravadas com arranjos desplugados em 2001 é uma experiência única. Principalmente para quem presenciou o primeiro show que a banda fez no Brasil, no distante ano de 1987. É como se eu visse toda a minha adolescência passar à minha frente, principalmente ao escutar gemas pop como Boys Don’t Cry, A Forest, Lovecats, Let’s Go To Bed, Inbetween Days, Close To Me e Just Like Heaven. Tudo o que aconteceu de importante na minha vida – da minha decisão em ser jornalista até conhecer aquela que hoje é a minha esposa – aconteceu em 1987. Foi ali que tudo começou. E boa parte da trilha sonora, claro, ficou a cargo do Cure.

Mas o genial do disco acústico é que, mesmo com tanta nostalgia, tudo soa muito novo. A voz de Robert Smith nunca esteve tão carregada de emoção. Se no início do Cure ele se limitava a cantar, agora ele interpreta. Há a verdade de quem já viveu quarenta anos quando ele diz "meninos não choram". Em 1979, este verso era apenas inocente. Hoje, é uma trágica e irônica verdade. E canções que soam datadas em suas versões originais, como o clima escuro de A Forest e o flerte com o tecnopop de The Walk, ganham vida nova ao se tornarem o que elas realmente são: músicas pop de primeira qualidade.

É de se espantar também a beleza de Cut Here. Quando você acha que o Cure não tem mais o que dizer, eles aparecem com uma das melhores músicas do ano. E, se você não se importa que eu fale um pouco mais de mim, parece que Robert Smith ainda escreve algumas letras apenas pensando no que acontece na minha vida. No meio desta quase-balada, ele fala "porque é difícil pensar que não vou ter outra chance de abraçar você". Nunca um verso fez tanto sentido nos dias de hoje.

Ok. Para você histórico mesmo foi o show do Belle & Sebastian. Até foi. Mas não estamos falando de história moderna. Quando se trata de bandas imortais como o Cure, estamos falando de outro tipo de história: a clássica.