Dois em um
Richard Ashcroft - Stephen Malkmus
por Manuela Colla
Não é preciso ser um gênio pra saber que The Verve e Pavement não são farinha do mesmo saco. As diferenças são óbvias: o The Verve era uma banda inglesa, capitaneada por um vocalista junkie, um guitarrista temperamental e bittersweet melodies. O Pavement era americano, com um vocalista carismático e milhares de fãs indiezinhos, rendidos aos experimentalismos musicais da banda. O que o Verve e o Pavement tem em comum? Justamente o fato de, agora, não terem mais nada em comum. Ambas acabaram. O The Verve tinha ensaiado o fim uma vez, mas voltaram para gravar um disco espetacular, o Urban Hymns, e o Pavement vinha falando sobre fim há tempos, também, mas só separou-se definitivamente no final de 1999.

Richard Ashcroft, vocalista do The Verve, casou-se com Kate, do Spiritualized, teve um filho e deixou os dias de junkie ficarem somente na lembrança. A vontade de produzir música foi maior, e ele decidiu lançar Alone with everybody, seu primeiro disco solo. Antes só do que mal acompanhado, certo?

Certo. O disco lá tem seus erros – e foi devidamente malhado pela crítica especializada, por ser ‘feliz demais’. Ora, não é de hoje que os críticos musicais praticam uma necrofilia sem tamanho e idolatram os ‘gênios atormentados’. Ashcroft, definitivamente, está fora dessa: tem sua mulher, seu filho e um contrato com a Virgin – pra que se preocupar? O disco desce redondinho e, tirando a parte do flerte com a música eletrônica (em ‘Leave me high’ e ‘New York’), foi desmerecidamente malhado. 

‘On a beach’ poderia estar na trilha sonora de ‘A Praia’, de Danny Boyle, sem medo. É espetacular, lembra muito o que o The Verve produziu em ‘A Northern Soul’. Alone with everybody é, sim, um disco de baladas e aí estão ‘A Song for the lovers’ e ‘Everybody’ que não me deixam mentir. Pode-se ouvir também alguns elementos de música country, overdubs, batidas trip-hop. ‘'You On My Mind In My Sleep’ tem uma letra simples, bastante teclados e violões, lembrando bastante o britpop, assim como ‘XXYY’ – preguiçosa, arrastada, folky. Nick McCabe, guitarrista e desafeto de Richard no The Verve, realmente não faria canções como essas. Ah, a liberdade que Mick Jagger, David Byrne, Scott Weiland, Chris Cornell já experimentaram… 

Stephen Malkmus também arriscou. Seu álbum solo, ao invés de trazer um título simbólico, leva seu nome apenas. As músicas lembram bastante Pavement, e algumas melodias poderiam perfeitamente estar repousando entre as faixas de algum dos álbuns da banda. ‘Jo Jo’s jacket’ tem samples, piano e aquele clima debochado do Pavement – bastante semelhante à ‘Stereo’, um quase-hit deles. A letra de ‘The Hook’ fala do Capitão Gancho como metáfora para várias coisas – a interpretação é livre e a guitarra, mais ainda. 

‘Discretion Grove’, americana até o talo, tem backing vocals fofinhos e Stephen cantando num estilo Lou Reed, meio falado. ‘Troubbble’, uma pérola pop escondida no meio do disco, tem letra ingênua e lembra bastante Teenage Fanclub, na mesma linha da balada ‘Pink India’ e da alegríssima ‘Phantasies’ (com coro de palminhas e refrão em falsete). Aliás, a exemplo da estréia solo de Richard Ashcroft, Stephen Malkmus também abusou de baladas – e o toque country também está aqui: ‘Trojan Curfrew’, ‘Vague Space’ e ‘Sin Taxi’ são bons exemplos disso. 

Nenhum dos dois discos me decepcionou – e basta dizer que sou fã de Pavement e The Verve pra que você entendam o que estou querendo dizer. No final das contas, a essas duas estréias-solo se aplica uma frase de Marcelo Benvenutti: antes só do que só acompanhado.