Condom Black - Otto
por Leonardo Vinhas
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Otto, você sabe, é aquele ex-percussionista do mundo livre s/a que estreou em carreira solo com o elogiadíssimo Samba Pra Burro em 1998. Uma grande parcela da imprensa especializada babou ovo no disco, e os modernetes adoraram sua eletrônica zoada com apliques regionalistas. Porém, um incômodo ranço vanguardista acompanhava a audição do disco, que sugeria um certo "acorrentamento" artístico do galego em prol das "idéias geniais" de seus produtores Apollo 9 e Carlos Eduardo Miranda.

Pois Condom Black, o verdadeiro "segundo disco" de Otto (no ano passado foi lançada uma coletânea de remixes das faixas do primeiro álbum), traz o pernambucano muito mais à vontade. O produtor é o mesmo Apollo 9, que dessa vez parece ter contido mais suas expressões pessoais para valorizar o trabalho do Sasquatch. O resultado é dos mais legais.

Uma das razões disso é que aqui a melodia está mais evidente. "Cuba" e a certeira "Armadura" comprovam isso com classe: refrões redondos e uma condução harmônica que parece criar um "estilo Otto" apenas sugerido nos hits "Bob" e "TV a Cabo", as melhores faixas do disco anterior. Nessas e nas outras composições, o instrumental mais rico supera a eletrônica antes reinante (aqui presente como acessório conveniente), e as batidas são envolventes o suficiente para convidar o ouvinte a prestar atenção nos detalhes escondidos em sua aparentemente simplicidade.

Outro fator que chama atenção é a voz de Otto. Ainda que ele ainda não seja um cantor (no sentido estreito do termo), suas vocalizações estão menos gritadas e melhor cuidadas, chegando a surpreender em momentos mais delicados, como "Retratista" e a bela "Por Que".

A percussão, as influências afro-brasileiras e o regionalismo nordestino apresentam-se também mais fortes e claros, com pontos de candomblé invadindo "Anjos do Asfalto" e norteando o caminho de "Único Sino" (simpática homenagem a Toca Ogam, percussionista da Nação Zumbi). Além disso, a faixa título é tudo que o disco anterior prometia e não conseguia cumprir: negritude e tradição em primeiro plano, com detalhes eletrônicos que atualizam em vez de pilhar a tradição. O resultado é divertido, digno e muito forte.

Nem tudo são flores, todavia. A pecha de "MPB da Trama" (influência nefasta dos tais Artistas Reunidos) aparece nas "modernosas" (e chatas) "Londres" e "Dias de Janeiro", além de inflar desnecessariamente as boas idéias de "Dilata" e "Basquiat" (essa, com a mão gordurosa de Max de Castro). Contudo, isso não chega a ofuscar a liberdade de Otto. Prova disso é a presença de "Hemodialisis", faixa composta e gravada com a Nação Zumbi que havia sido limada do disco anterior por "não se encaixar no conceito" (i.e. não ter modernices). E até o pop dá as caras em "Street Cannabis Street" e "Pelo Engarrafamento".

Na soma dos fatores, conclui-se que Otto e Apollo estão menos preocupados em parecer modernos do que em expressar à vontade seu talento e seu senso melódico. Eles ganham com isso, mas quem tem o lucro maior é o ouvinte, que é brindado com um dos poucos lançamentos nacionais de qualidade deste ano.

Leonardo Vinhas é tão "moderno" que ainda usa os mesmos bermudões e camisas de flanela que usava em 1994.