Mundo Livre S/A ao vivo
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
25/06/2002

Eu tô velho. Bati nos 31 anos, jogo só meio tempo de um rachão de futebol e consigo pogar apenas umas cinco músicas (para ficar sem ar o resto do show, agarrado a uma latinha de cerveja que se revezará com o dobro do tempo). Mas, mesmo assim, vivendo nesse país lindo e miserável todo esse tempo, ainda não entendi como certas coisas acontecem. Não me incomodo apenas com a divisão de renda errada. Me incomodo com quem ganha muito e continua só querendo ganhar mais, ao invés de ajudar o próximo que, convenhamos, no Brasil está cada vez mais próximo.

Em música, deixei de analisar interesses de rádios e gravadoras. A massificação que privilegia um grupo minoritário de pessoas na mídia acaba deixando outras no limbo. Não que eu vá querer ver todo mundo que eu admiro famoso, mas que eles têm direito de uma fatia desse bolo, ah, isso eles têm. Mas esse descaso é latente. E isso soa injusto, incomoda a razão. Mas tudo volta ao lugar quando vemos pares (pessoas que, como a gente, estão fazendo um trabalho honesto) reconhecidos.

O Mundo Livre S/A é, desde o começo dos 90, uma das principais bandas da música popular brasileira (rock, forrô, caetanices e etc... são tudo a mesma coisa, música brasileira, meus amigos). O S&Y renasceu numa tarde do final de 1997 em que entrei numa megastore e comprei por miseros R$ 6,90 um dos melhores discos nacionais de todos os tempos: Carnaval na Obra. Foi ouvir e querer ter acesso a algum veículo de comunicação para dizer a todos o quão maravilhoso é esse álbum. A saída? "faça você mesmo!". Fiz um zine em papel e tasquei como melhor de 1997 o referido. E hoje aqui estamos nós. Eu, um velho de alma moleque (será que eu vou ter 13 anos para sempre?) carregando um sonho nos ombros há quase seis anos e o Mundo Livre, uma banda sensacional fazendo música que importa. Os dois shows que seguem abaixo foram registrados em épocas diferentes.

O show do KVA (uma casa de shows em SP especializada em forrô) aconteceu há menos de 72 horas. Meu corpo está moído, mas minha alma está lavada. O outro foi há quase dois anos atrás, mas não tinha registro aqui no site porque na época ainda não havia site e quem acolheu essa resenha foram a batalhadora revista Rock Press e o grande Cardosonline. Aqui, os dois textos se juntam para transformar-se em um recado passional: 

Salve Zero Quatro, Salve
Salve a música

São Paulo
23/06/02
KVA

"A gente não queria vir. Quando nos convidaram para tocar aqui, em pleno domingo a noite, nós, com oito anos de experiência, dissemos que não ia rolar. Mas a produção insistiu e que bom que viemos. Está sendo a melhor noite do Mundo Livre S/A em São Paulo desde que começamos", dizia ao microfone um Fred Zero Quatro visivelmente emocionado com a acolhida que o público predominantemente adolescente deu à banda na fria véspera de uma segunda-feira de trabalho.

Nem mesmo o som da casa, péssimo, conseguiu abafar o tesão dos pernambucanos. Nem o tesão do público. Se o som estava ruim, o clima estava sensacional, com rodinhas de samba de um lado, sessão de pogo do outro e muita gente sem voz, gritando as letras políticas de 04 que deviam, mais do que nunca, freqüentar as combalidas FMs movidas a jabá. 

Foram vinte e uma canções no set list. Da abertura com Girando em Torno do Sol (do cru e punk Guentando a ôia) até a derradeira Super Homem Plus (do último álbum, Por Pouco), muitos momentos beirando o antológico marcaram a apresentação. Em Destruindo a Camada de Ozônio, Romário foi trocado por Ronaldo e Rivaldo (se Felipão ouvisse ficaria feliz). Quem Tem Bit Tem Tudo foi dedicada a uma rapaz com uma camiseta do exército zapatista, logo atrás de mim.

Porém, o ponto alto dos vários discursos emocionados foi quando, ao anunciar uma das três novas canções que foram testadas/apresentadas ao vivo, Zero Quatro disse que o novo álbum estava em pré-produção, mas não tinha previsão de lançamento já que a banda está sem gravadora, pra concluir: "Não somos nós que estamos sem gravadora. São as gravadoras que estão sem o Mundo Livre. São as gravadoras que estão sem vocês". Certeiro. 

O som ruim da casa prejudicou pérolas como O Mistério do Samba (desnuda sem os sopros), a sambalada Meu Esquema (com o baixo acima dos outros instrumentos, atravessando) e Bolo de Ameixa (de arranjo embolado). Porém, a nudez que prejudicou algumas canções simplesmente deu nova cara para aquela que é uma das grandes canções do Mundo Livre: Compromisso de Morte. Se nas mãos de Carlos Eduardo Miranda, em Carnaval na Obra, ela soava co-irmã do Radiohead de Ok Computer (os álbuns foram gravados simultaneamente), ao vivo nesta noite, as guitarras esparsas e principalmente o baixo a frente levaram a canção ao território berlinense de Bowie, encaixando perfeitamente com o futurismo trágico da letra. 

As três canções novas mostram que a banda não perdeu o gosto pelo ataque. Azia Tropical (ou Azia Amazônica, o título ainda é provisório) nasceu após uma sessão do filme Efeito Colateral e começa com o verso "Schwarzenegger na Colômbia, entretenimento máximo". A melodia segue cadenciada até explodir em barulho. Caiu a Ficha não é tão inédita assim. Teve mais de 54 mil downloads quando liberada em um site, em 11 de outubro passado. Em clima bossanôia de uma beleza/delicadeza total, Zero Quatro convida todo mundo para dançar sobre os escombros, mas com atenção. 

Acaba o show e um barulho ensurdecedor toma conta do ambiente. É o público clamando pela volta do quinteto. E eles voltam, para um segundo bis, não programado, agradecendo muito para encerrar o show com Super Homem Plus. Se você já foi em algum show em que sentiu-se parte do evento, vai saber exatamente a emoção que foi ver o Mundo Livre tocando ao vivo em São Paulo num domingo frio, mas para um público quente, muito quemte. 

Repertório
*Livre Iniciativa e A Bola do Jogo de Samba Esquema Noise

*Destruindo a Camada de Ozônio, Free World, Girando em Torno do Sol, e Seu Suor é o Melhor de Você de Guentando a Ôia;

*Alice Wilhians, Édipo, O Homem Que Virou Veículo, Bolo de Ameixa, Compromisso de Morte e Quem Tem Bit Tem Tudo do Carnaval na Obra;

*O Mistério do Samba, Concorra a um Carro, Por Pouco, Mexe Mexe, Super Homem Plus, Meu Esquema, Melo das Musas e Treme Treme do último álbum, Por Pouco

* Inéditas - Azia Amazônica, Inocências e Caiu a Ficha. 

São Paulo
27/08/00
Sesc Pompéia

As coisas andam estranhas para o rock nacional e não é de hoje. Depois da geração oitenta, poucos nomes se destacaram, e os que se destacaram não refrescam muito. Num mundo povoado por Jota Quests e Sandys & Juniors é difícil ter esperança. Mas sempre há uma luz. E foi essa luz que eu vi, ao vivo, no início da noite de domingo, no Sesc Pompéia, em São Paulo.

Primeiro o susto. Na bilheteria um cara pergunta: "Será que tem convite pra hoje? Ontem esgotou!". Mas a garota do guichê informa que o Sesc decidiu abrir o outro lado do palco, por culpa da procura, o que foi uma deliciosa constatação de que a banda tem um público fiel. 

No palco, a versão brasileira do The Clash. Sim, é isso que o Mundo Livre S/A é: o nosso The Clash. Lógico que não tem nada a ver com som e sim com atitude. Tem a ver com criar canções matadoras recheadas de textos ácidos, e, principalmente, brasileiros. Eu nunca pensei que fosse me culpar por não saber sambar. 

O show divulga o novo (e mais pop) álbum deles, Por Pouco. Abre com a genial Concorra a um Carro que vai direto no peito do freguês: "Lidere ou suma, vença ou morra". Depois começa o passeio pelo repertório magistral da banda. Teve muita coisa, mas também faltou muita coisa. É o tipo de show que a banda devia tocar tudo mas, como não dá, fica devendo umas e outras. 

Os grandes momentos foram vários, mas, a se destacar, temos a genial e descarada O Mistério do Samba, que abre o disco novo e que contou ao vivo com a participação do trio de metais do Funk Como Le Gusta (que também participa do álbum). Matadora. É difícil explicar como é ouvir uma canção pela primeira vez e se arrepiar. Um arraso. Outra para receber o carimbo de matadora é Alice Wilhiams, faixa que abre o clássico Carnaval na Obra. Uma aula de como fazer barulho com cavaquinho. E tem banda que com três guitarras não consegue isso. Outro destaque é a nova Meu Esquema, sambalada de primeira, com letra bacana bacana ("Ela é meu treino de futebol, ela é meu concerto de rock and roll"). 

E assim fomos indo, passeando aqui e ali por pequenas pérolas do rock nacional. Passeando por sambas envenenados por guitarras e rocks levados com cavaquinho. E ao fim do show, saindo do teatro, uma chuva torrencial castigava São Paulo, lavava a alma. O Mundo Livre S/A é, hoje, a última banda que importa nesse cenário nefasto que se tornou o rock brasileiro. Pobre de nós que ficamos entregue a programação idiota das rádios, a programas sem limite de besteirol nas tvs e a políticos bandidos no horário eleitoral. Feliz de quem, como eu, esteve no sábado e no domingo no Sesc Pompéia, em São Paulo. A luta continua. E, espero, cedo ou tarde você vai se entregar ao mundo livre...

Repertório
*Livre Iniciativa e A Bola do Jogo de Samba Esquema Noise

*Destruindo a Camada de Ozônio, Free World cantada em coro e Seu Suor é o Melhor de Você de Guentando a Ôia;

*Alice Wilhians, Édipo, o Homem Que Virou Veículo e Quem Tem Bit Tem Tudo do Carnaval na Obra;

*O Mistério do Samba, Concorra a Um Carro, Por Pouco, Mexe Mexe, Super Homem Plus, Meu Esquema, Melo das Musas e Treme Treme do álbum, Por Pouco