Gram Parsons

Fallen Angel

por Marco Bezzi
01/02/2002


Nick Dake, Big Star, Tim Buckley e até os visionários do Velvet Underground. De quando em quando, os manda-chuvas das pequenas e médias gravadoras ressuscitam artistas esquecidos pelo tempo na forma de tributos, coletâneas, relançamentos ou material inédito. Pessoas incompreendidas no seu período e que vendiam tanto como chuchu estragado ganham seu real status. Nada mais acertado então, que a bola da vez seja o genial Gram Parsons. Pergunte para seus filhos bastardos - como Jeff Tweedy do Wilco, ou Ryan Adams do Whiskeytown - quem mexeu com suas cabeças para os meninos pularem a cerca do punk-rock para o country-rock.

Compêndio de anjo e demônio, Gram aproveitou tudo que a vida pode lhe dar em seus 26 anos de existência. Nascido na Flórida, o finado é pai do que ficou popularmente conhecido por country-rock, ou como o próprio preferia definir: Cosmic American Music. Desde sua primeira banda, a International Submarine Band, culminado com seus dois álbuns solos, o cowboy da Flórida foi aprimorando a mistura da country music tradicional (George Jones, Hank Williams e até Elvis) com pitadas de rock e soul, chegando no ponto em que tudo se transformava em um grande híbrido sonoro.

Foi o "veterano" Chris Hillman do Byrds que ficou sabendo que um tal Gram Parsons, garoto prodígio com seus vinte anos, estava na cidade e decidiu chamá-lo para fazer parte de uma das mais influentes bandas americanas de todos os tempos. Na época (1967), o Byrds saía da sensacional fase psicodélica com álbuns como Younger Than Yesterday e o clássico Fifth Dimension e, após a saída de David Crosby (em Notorious Byrd Brothers de 1968), claudicava em qual seria a próxima coalizão a ser explorada.

Gram não só persuadiu os veteranos a puxar bastante Sweet Heart Of Rodeo para o lado country, como compôs duas canções demonstrando o grande futuro que o garotão tinha pela frente - na época, nenhum crédito foi endereçado a ele por problemas contratuais de gravadoras (na reedição do álbum, além dessas duas pérolas, mais duas canções de Parsons aparecem na bolachinha). Sweet Heart ficou como o último dos álbuns do Byrds que mudaram a história da música em algum sentido. E para o estrago ser completo, Gram deixou a banda de Roger McGuinn desfalcada de Hillman quando o chamou para formar o Flying Burrito Brothers em 1969.

Foi nesse período que ele conheceu a galera dos Stones e intensificou o uso de drogas, bebidas e qualquer outra coisa que o deixasse doidão. Não é por menos que a banda de Mick Jagger abusou de elementos da country music no ótimo Exile On Main Street e compuseram antes, em Stick Fingers, uma Wild Horses calcada em Parsons.

O cavalo selvagem costumava excursionar com a banda e aproveitar cada minuto para viver em todos os sentidos a aura de rock star e pessoa desagradável. Nesse período, logo após o lançamento de Burrito Delux, segundo álbum dos Flying Burritos, é que as coisas começaram a degringolar. O restante da banda não agüentava mais a postura de Parsons e decidiu por um fim a curta carreira dos sensacionais Burritos voadores. Aí é que mais um dos clichês do rock aparece: todo grande álbum é tecido com grandes quantidades de algum, ou vários, estimulante.

Outra prova disso foram seus dois álbuns solos, quando encontrou em algum boteco de estrada americana a sua alma gêmea: a backing vocal Emmilou Harris. Os dois CDs (G.P. e Grievous Angel) são lotados de canções de amor, baladas petrificantes e melodias dilacerantes. Logo após as sessões que resultaram em Griveous Angel, Gram foi passar uma temporada perto do deserto de Joshua Tree na Califórnia. Foram suas últimas trotadas, quando sucumbiu à uma overdose de tequila e drogas no dia 19 de Setembro de 1973. O mais bizarro aconteceu às vésperas do seu enterro. O caixão que transportava seu corpo foi roubado por um de seus roadies, levado para o deserto de Joshua Tree e cremado ali mesmo. Palavras do próprio roadie: "Era um desejo de Parsons e eu não podia negar".

Sua soul mate, Emmylou Harris, carregou seu legado, gravando suas canções e mostrando para toda uma nova geração sua importância. Artistas como Wilco, Ryan Adams (Whiskeytown), Jayhawks, Steve Earle, Evan Dando (Lemonheads) e Lucinda Williams são a prova viva disso tudo. O disco tributo, Return Of The Grievous Angel, (um dos tributos mais coesos e bem construídos de todos os tempos), lançado no ano de 1999 teve toda surpervisão de Harris, outra prova. E pra terminar, uma enxurrada de lançamentos promete iluminar as prateleiras, incluindo um disco com gravações da sua fase folk entre 65/66 (Another Side Of This Life) e uma antologia dupla imperdível (Sacred Hearts & Fallen Angels), cobrindo toda sua curta, mas prolixa carreira, outra prova de mais um desses gênios perdidos pelos ranchos americanos.