Damon e Naomi
Melancolia Agridoce
por Victor Hugo Lopes

Riffs em ré, lá e dó menor. Vocais amarguradamente doces, quase intransponíveis na muralha sonora de acordes. Andamentos médios e lentos intercalando arranjos curiosos. Letras reflexivas, tristes até. 

A discografia do duo Damon & Naomi, ex-membros do Galaxie 500, é finalmente lançada no Brasil via Trama. E o melhor: edições na íntegra, sem cortes ou adições de extras. Tudo como os artistas queriam. "More Sade Hits", "The
Wonderous World Of" e "Playback Singers" já podem ser encontrados nas lojas.

Ao contrário do que poderia acreditar, os discos não se resumem a meros objetos de colecionadores neuróticos. A beleza de cada um está, em parte, relacionada com a história de seus autores. Damon & Naomi foram, respectivamente, baterista e baixista do Galaxie 500. 

O guitarrista Dean Wareham, hoje no Luna, completava o trio. A banda, fortemente influenciada por Velvet Underground, foi um dos expoentes do underground norte americano e deixou grandes canções como "Forth Of July" e "Blue Thunder".

"More Sad Hits" é o álbum de estréia da dupla. Não fazia dois anos que o Galaxie tinha se dissolvido. A separação foi marcada por ressentimentos, deixando uma lacuna no trabalho da banda. Dean seguiu em frente e montou o Luna. Damon e Naomi ficaram em casa, com os instrumentos aposentados. O selo do trio, Rough Trade, havia entrado em falência. O baterista e a baixista, mesmo envoltos em desânimo musical, começaram a compor esporadicamente.

Um amigo em comum convidou os dois para gravar um disco. Naomi relutou. Tempos depois, tocaram o gado para o estúdio e produziram o álbum de estréia. E não se resume em apenas mais sucessos tristes como prega o título. A melancolia continua batendo forte, mas um saudável teor pop pode ser percebido aqui e ali. "This Car Climbed Mt. Washington" mostra os dotes vocais do baterista com uma pegada pop bem bacana. "Astrafiammante" mostra Naomi sussurrando, com um clamor quase sexual: "Escutei você me chamando. Deixei o telefone fora do gancho. Não quis responder."

O disco foi gravado em Nova Jersey em 1992. Entre citações do poeta Ezra Pound e memorabilias, o trabalho ressurge quase uma década depois com vigor renovado. Em tempos de chuva e frio, escutar canções agressivamente tão doces é um convite
à melancolia. É um desses CDs que se deixa na cabeceira da cama para ouvir sem parar.

O segundo trabalho, "The Wondrous World Of" é uma paródia do disco homônimo de Sonny e Cher. E abre com "In The Morning". balada com vocais tristese clima bem anos 60. De certa maneira, lembra uma versão contemporânea do trabalho dos Mammas and Pappas, principalmente nos arranjos vocais. O CD foi gravado no verão de 1995. E tome melancolia. "The New Historicism" trafega no soturno mundo do rock inglês do The Cure, mas, novamente, com pegada bem pop. A guitarra esporrenta ao fundo lembra os barulhinhos do The Edge, do U2. 

O disco lembra uma fusão de ritmos de bandas inglesas dos anos 80 com viagens velvetianas. Em "Tour Of The World", a delicadeza vocal de Naomi sobrepõe uma forte experimentação, rica em variações sonoras. A textura da canção remeta à fase mais inspirada de Lou Reed.

O tratamento gráfico dado ao encarte acompanha o ritmo das baladas do duo. Um clima de nostalgia, em cores chapadas com ligeiros tons em pastel. O resto do CD mantém o pique. Do clima bucólico de "New York City" às notas dedilhadas de "Pandora's Box", tudo é uma beleza. E, de quebra, ainda três covers: "Life Will Pass You", do Kaleidoscope, "Who Am I", de Country Joe And The Fish, e "Whispering Pines", de The Band.

Não dá para negar: "Playback Singers", terceiro álbum do duo, é um desses deleites que arrebatam a gente sem avisar. De cara, traz o slogan "comprometendo a qualidade da reprodução pelo bem da nostalgia". Pode ser visto como um manifesto a favor dos bons vinis quanto um resgate da crueza sonora das garage bands dos anos 60. Só que de garage band, a dupla tem pouco. 

O público que assistiu a gravação deste trabalho foi a gata do casal. "Turn of The Century" resgata a estética sonora de Neil Young no final dos anos 60. Violão forte no riff e baixo cavalgando os espaços da melodia. Perfeita combinação harmônica. "Eye Of The Storm" tem veia musical celta. Novamente, a acústica crua dá o peso necessário para as guitarras gravadas ao contrário. "In The Sun" é indicada para pessoas na fossa. Pensando bem, melhor não. Dá vontade de adormecer e não mais
acordar. Bom pacas.

A discografia de Damon e Naomi atesta a qualidade da dupla em relação ao Luna. Cada um pegou uma veia estilística do Velvet Undeground. A dupla somou pontos com as baladas psicológicas e soturnas; a banda de Dean Wareham o mais alegre. Se é que se pode dizer isso. Damon e Naomi, música para dias frios... ou de chuva.